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6 de Maio de 2024

STF Jul 22 - Cômputo da Pena em Dobro para Execução Penal em Condições degradantes do Presídio

há 2 anos

Inteiro Teor

Supremo Tribunal Federal

MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS 208.337 PE RNAMBUCO

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN

PACTE.(S) : RONALDO ESTEVAO DA SILVA

IMPTE.(S) : SARITA LEITE DE SOUSA E OUTRO (A/S)

COATOR (A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO:

Trata-se de habeas corpus impetrado em face de acórdão do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao AgRg no HC 682.865/PE nos termos da seguinte ementa (eDOC 10, p. 2):

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PEDIDO DE CÔMPUTO EM DOBRO DO PERÍODO DE PENA CUMPRIDO NO COMPLEXO DO CURADO/PE. ATO COATOR: DECISÃO SINGULAR DE DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL A QUO. DETERMINAÇÃO DE SOBRESTAMENTO DO AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL LÁ INTERPOSTO ATÉ O JULGAMENTO DO IRDR N.. 0008770-65.2021.8.17.9000/TJ/PE.. INEXISTÊNCIA DE RECURSO ADEQUADO NA INSTÂNCIA DE ORIGEM, QUAL SEJA, O AGRAVO REGIMENTAL. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. Segundo entendimento jurisprudencial desta Corte, quando não há notícia da interposição do recurso adequado na instância de origem, qual seja, o agravo regimental, e, ainda, a inexistência de flagrante ilegalidade, é incabível o habeas corpus, haja vista indevida supressão de instância.

2. No caso, não se configurou flagrante ilegalidade capaz de autorizar a apreciação do mérito por esta Corte, porquanto a determinação, pelo relator, de sobrestamento do agravo em execução interposto no Tribunal de origem decorreu de ordem da Seção de Direito Criminal daquela Corte, expedida no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas de n. 0008770-65.2021.8.17.9000. 3. A análise direta do tema pelo Superior Tribunal de Justiça revelaria não apenas supressão de instância, mas manifesto desprestígio às instâncias ordinárias e aos instrumentos processuais de uniformização da jurisprudência.

4. Agravo regimental não provido.

Narram os impetrantes que: a) o paciente, cumprindo pena privativa de liberdade em regime fechado, requereu ao Juízo de origem o cômputo em dobro do período de cumprimento de pena no Complexo Penitenciário do Curado, com amparo em resolução emanada da Corte Interamericana de Direitos Humanos em 28 de novembro de 20218; b) em primeiro grau de jurisdição, não obstante, indeferiu-se o pleito, “sob alegação de que as decisões da Corte IDH não são de obrigatório e imediato cumprimento; que a aplicação da Resolução implicaria ofensa ao princípio da isonomia em relação aos demais presos do sistema, além de produzir burla na execução penal do Estado”; c) dessa decisão, interpôs-se agravo em execução, cujo trâmite foi sobrestado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco enquanto não julgado o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas instaurado para dirimir divergência jurisprudencial a respeito da decisão da CIDH; d) contra tal pronunciamento, impetrou-se habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, que não concedeu a ordem pretendida; e) a negativa da contagem em dobro do período de cumprimento de pena pelo paciente consiste em grave atentado a seus direitos fundamentais, porquanto a omissão estatal no cumprimento efetivo de decisão da Corte Interamericana, cuja eficácia é imediata para os Estados signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos, interfere, negativa e indevidamente, em seu status libertatis.

Requer-se, liminarmente, o cômputo em dobro do tempo de reclusão do paciente no Complexo do Curado até o julgamento de mérito da presente impetração. No mérito, postula-se a confirmação da liminar.

A Procuradoria-Geral da República se manifestou pelo não conhecimento do habeas corpus e, em caso de conhecimento da impetração, pela denegação da ordem, sem prejuízo da recomendação de celeridade no julgamento do IRDR pelo TJPE (eDOC 15).

Prestaram informações o Juiz de Direito da Vara de Execução Penal da Capital de Pernambuco (eDOC 21), o Desembargador Relator do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas instaurado no Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (eDOC 22) e o Secretário Executivo de Ressocialização do Estado de Pernambuco (eDOCs 33-38).

Também vieram aos autos documentos oriundos do 7º Ofício da Procuradoria da República em Pernambuco.

É o relatório. Decido.

Cumpre assinalar, por relevante, que o deferimento da medida liminar, resultante do concreto exercício do poder geral de cautela outorgado aos juízes e tribunais, somente se justifica em face de situações que se ajustem aos seus específicos pressupostos: a existência de plausibilidade jurídica (fumus boni juris), de um lado; e a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora), de outro.

No caso dos autos, a partir de uma análise sumária que ora faço, tenho que a pretensão liminar merece parcial acolhida.

O periculum in mora, in casu, é evidente, uma vez que, segundo consta dos autos, o paciente está privado de sua liberdade, em cumprimento de pena de reclusão de 37 (trinta e sete) anos no regime fechado pela prática do crime de homicídio qualificado.

Lado outro, também antevejo presente o fumus boni iuris, pois a documentação vertida e as alegações do impetrante demonstram a verossimilhança da tese articulada na impetração.

Com efeito, este Tribunal reconhece que, nos termos dos arts. 62.1 e 68.1 do Pacto de São José da Costa Rica, ratificado em 25.9.1992 e promulgado pelo Decreto 678/1992, além do Decreto 4.463, de 8 de novembro de 2002, as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos são obrigatórias e vinculantes para o Estado brasileiro. Nesse sentido: ADPF 635 MC/RJ, de minha relatoria, julgada pelo Tribunal Pleno em 18.8.2020.

Além disso, na resolucao de 28 de novembro de 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao deliberar sobre a situação do Complexo Prisional do Curado, determinou ao Estado brasileiro que adotasse, entre outras, as seguintes medidas:

4. O Estado deve tomar as medidas necessárias para que, em atenção ao disposto na Súmula Vinculante No. 56, do Supremo Tribunal Federal do Brasil, a partir da notificação da presente resolução, não ingressem novos presos no Complexo de Curado, e nem se efetuem traslados dos que estejam ali alojados para outros estabelecimentos penais, por disposição administrativa. Quando, por ordem judicial, se deva trasladar um preso a outro estabelecimento, o disposto a seguir, a respeito do cômputo duplo, valerá para os dias em que tenha permanecido privado de liberdade no Complexo de Curado, em atenção ao disposto nos Considerandos 118 a 133 da presente resolução.

5. O Estado deve adotar as medidas necessárias para que o mesmo cômputo se aplique, conforme o disposto a seguir, para aqueles que tenham deixado o Complexo de Curado, em tudo o que se refere ao cálculo do tempo em que nele tenham permanecido, de acordo com os Considerandos 118 a 133 da presente resolução.

6. O Estado deverá arbitrar os meios para que, no prazo de seis meses a contar da presente decisão, se compute em dobro cada dia de privação de liberdade cumprido no Complexo de Curado, para todas as pessoas ali alojadas que não sejam acusadas de crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais, ou não tenham sido por eles condenadas, nos termos dos Considerandos 118 a 133 da presente resolução.

7. O Estado deverá organizar, no prazo de quatro meses a partir da presente decisão, uma equipe criminológica de profissionais, em especial psicólogos e assistentes sociais, sem prejuízo de outros, que, em pareceres assinados pelo menos por três deles, avalie o prognóstico de conduta, com base em indicadores de agressividade dos presos alojados no Complexo de Curado, acusados de crimes contra a vida e a integridade física, ou de crimes sexuais, ou por eles condenados. Segundo o resultado alcançado em cada caso, a equipe criminológica, ou pelo menos três de seus profissionais, conforme o prognóstico de conduta a que tenha chegado, aconselhará a conveniência ou inconveniência do cômputo em dobro do tempo de privação de liberdade ou, então, sua redução em menor medida.

8. O Estado deverá dotar a equipe criminológica do número de profissionais e da infraestrutura necessária para que seu trabalho possa ser realizado no prazo de oito meses a partir de seu início.

Assim, em novembro de 2018, a CIDH determinou ao Estado brasileiro que, no prazo de 6 (seis) meses, arbitrasse os meios necessários para o cômputo em dobro dos dias de privação de liberdade cumpridos naquele complexo prisional por pessoas não acusadas de crimes contra a vida, contra a integridade física ou crimes sexuais, bem como que, em 8 (oito) meses, viabilizasse o início do trabalho de equipe criminológica de profissionais para avaliar os acusados desses crimes e aconselhar, em tais casos, a conveniência do cômputo em dobro do tempo de privação de liberdade ou da redução deste multiplicador.

Prima facie, a realidade que emerge dos autos, superados em muito todos os prazos estabelecidos pela resolução da Corte Interamericana, revela um enorme descompasso em relação aos termos de sua decisão: o que se constata é que, por força da instauração de um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, um órgão judiciário do Estado brasileiro, ao se deparar com a prolação de decisões oriundas dos Juízos de Execução que contêm manifesta recusa ao cumprimento do que decidido pela CIDH, optou por lhe negar eficácia ao determinar, pelo prazo de 1 (um) ano, “a suspensão dos efeitos práticos da contagem em dobro do tempo de prisão nas unidades integrantes do denominado Complexo do Curado”, prolongando o quadro de violação de direitos humanos das pessoas presas naqueles estabelecimentos prisionais.

Diante desse cenário, impõe-se o restabelecimento da possibilidade de que a decisão emanada da Corte Interamericana de Direitos Humanos incida em favor do paciente, com a remoção dos obstáculos levantados pelas instâncias ordinárias. Tendo em vista que o paciente, a toda evidência, cumpre pena pela prática de crime contra a vida, o cumprimento da resolução da CIDH pressupõe a realização de avaliação criminológica antes de se decidir sobre o multiplicador a incidir sobre os dias de privação de liberdade por ele passados no Complexo Prisional do Curado.

Ante o exposto, defiro em parte o pedido liminar para determinar que em 30 (trinta) dias: (i) o paciente RONALDO ESTEVAO DA SILVA seja avaliado por uma equipe criminológica que preencha os requisitos estabelecidos pelo item 7 do dispositivo da Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 28 de novembro de 2018; (ii) o Juízo da Execução profira nova decisão a respeito da cômputo do período de cumprimento de pena pelo paciente no Complexo Prisional do Curado à luz da avaliação efetuada e da mencionada resolução.

Comunique-se ao Juízo da Execução, ao qual incumbirá implementar esta decisão, bem como informar a este Tribunal, findo o prazo de 30 (trinta) dias: (i) as medidas adotadas para lhe conferir efetividade; (ii) a situação atualizada do paciente.

Comunique-se, outrossim, ao TJPE e ao STJ, para ciência. Publique-se. Intime-se.

Brasília, 30 de junho de 2022.

Ministro EDSON FACHIN

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(STF - HC: 208337 PE 0063692-49.2021.1.00.0000, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 30/06/2022, Data de Publicação: 01/07/2022)

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