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5 de Maio de 2024
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    STJ decide que legislação brasileira não se aplica à herança de imóvel do exterior

    O Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou abertura de ação que pedia o pagamento do valor de uma propriedade, localizada na Alemanha, deixada em herança e entregue a apenas um familiar. O STJ entendeu que a legislação brasileira não se aplica à herança de imóvel fora do país.

    Durante a Segunda Guerra Mundial, um casal de alemães fez testamento deixando a propriedade para o cônjuge sobrevivente. Caso ambos morressem, o bem deveria ser dividido igualmente entre os dois filhos, e se um deles morresse o patrimônio seria destinado integralmente para o filho vivo.

    A família veio para o Brasil e um dos filhos morreu em 1971, deixando esposa e dois filhos. No ano seguinte, morreu o pai e, em 1980, a mãe. Os bens adquiridos no Brasil foram regularmente partilhados. O imóvel na Alemanha não entrou na partilha, pois o casal não era proprietário do bem na ocasião das mortes.

    Com a queda do muro de Berlim, em 1989, que unificou a Alemanha, os imóveis confiscados foram devolvidos aos antigos donos. Um dos netos do casal viajou ao país europeu e descobriu que a tia, usando o testamento feito em 1943, obteve na Justiça alemã seu reconhecimento como única herdeira da propriedade, que foi vendida em 1993.

    Neste contexto, os sobrinhos entraram com ação de sonegados no Brasil, pedindo o pagamento do valor total recebido pelo imóvel, alegando má-fé da tia, pois eles a haviam questionado sobre o bem e, segundo o processo, ela teria dito que nada sabia a respeito.

    O pedido dos sobrinhos foi negado em primeira e segunda instâncias pela Justiça de São Paulo, pois os julgadores entenderam que o caso estava fora da jurisdição brasileira. Em recurso ao STJ, os sobrinhos alegaram que o artigo , parágrafo 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil, estabelece que os bens móveis trazidos para o país serão regidos pela nossa legislação. Para eles, o produto da venda da casa localizada na Alemanha, dinheiro que foi trazido ao Brasil, deveria ter sido dividido na proporção de 50% para a tia e 50% para eles.

    O relator do recurso e ministro Marco Aurélio Bellizze observou no processo que, em correspondência enviada a advogados na Alemanha, a tia deixou clara a intenção de preservar os interesses dos sobrinhos caso eles tivessem algum direito hereditário perante a legislação alemã. Contudo, o tribunal alemão reconheceu a tia como única herdeira, conforme expresso no testamento.Bellizze explicou que a discussão no caso era definir qual estatuto deveria ser aplicado à sucessão de bem situado no exterior: se a lei brasileira, que considera a lei do domicílio do morto, ou se a lei da Alemanha, onde está o imóvel e onde o testamento foi feito. Para o relator, a prevalência da lei do domicílio do indivíduo para regular suas relações jurídicas pessoais não é absoluta. A conformação do Direito Internacional Privado exige a ponderação de outros elementos de conectividade que deverão, a depender da situação, prevalecer sobre a lei de domicílio do falecido.

    No caso, observou o ministro, não bastasse o imóvel, objeto da pretensão de sobrepartilha, encontrar-se situado na Alemanha, circunstância suficiente para tornar inócua a incidência da lei brasileira (a do domicílio da de cujus).A autora da herança, naquele país, deixou testamento lícito, segundo a lei alemã regente à época de sua confecção, conforme decidido pelo órgão do Poder Judiciário alemão.

    Decisão do caso - Bellizze apontou que a própria Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) dispõe no seu artigo 8º, caput, que as relações referentes aos bens imóveis devem ser reguladas pela lei do país em que se encontrem. Já o artigo 89 do Código de Processo Civil é expresso ao reconhecer que a jurisdição brasileira, com exclusão de qualquer outra, deve conhecer e julgar as ações relativas aos imóveis situados no país, assim como proceder ao inventário e partilha de bens situados no Brasil, independentemente do domicílio ou da nacionalidade do autor da herança.

    Conforme Bellizze, a lei brasileira, de domicílio da autora da herança, não tem aplicação em relação à sucessão do bem situado na Alemanha antes de sua consecução, e, muito menos, depois que o imóvel passou a compor a esfera jurídica da única herdeira. Segundo ele, com tudo isso, a pretensão de posterior compensação se revela descabida, pois implicaria, em última análise, na aplicação indevida e indireta da própria lei brasileira.

    O relator e os ministros concordaram que a existência de imóvel situado na Alemanha, bem como a realização de testamento nesse país, são circunstâncias prevalentes para definir a norma do local onde o bem se encontra, como a regente da sucessão relativa a esse bem. Afasta-se, assim, a lei brasileira, de domicílio da autora da herança, e o herdeiro do imóvel será apenas quem a lei alemã determinar.

    Direito Internacional Privado – Para o advogado João Henrique Catan, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o julgado do STJ se sustentou em critérios puramente técnicos, modo pelo qual a decisão foi cunhada dentro das regras de conexão do Direito Internacional Privado. Segundo ele, no presente caso, o acórdão buscou quase que exclusivamente os fundamentos da lex rei sitae, amparando-se no conceito de que a legislação do país de origem dos bens disputados rege a lide instaurada, fundamento também encontrado no artigo 8º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LICC) e do artigo 112, do Código de Bustamante, ratificado pelo Brasil através da promulgação do Decreto nº 18.871/1929. “Entretanto, nem sempre um critério estritamente técnico atende a satisfação do direito de ação e das exigências mínimas do bem comum, mormente quando presentes situações que evidenciam provável lesão de direito, o processo de entrega do bem da vida dos jurisdicionados deve evitar teses que corroboram com jurisprudências defensivas, buscando aplicação das regras jurídicas de acordo com os fins sociais, razoabilidade e eficiência, o que seria possível observar com maior clareza, caso o STJ observasse a necessidade da imposição do elemento de conexão lex loci delicti commissi, tendo em vista que o objeto principal da ação de sonegados visa apuração do cometimento de um ato ilícito para imputação posterior de uma pena prevista na legislação ordinária do país”, explica.

    De acordo com João Henrique Catan, recentemente o STJ, em acórdão relatado pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, firmou o entendimento de que deve ser incluído na partilha o valor dos bens adquiridos no exterior, de modo a preservar a divisão igualitária dos quinhões. “Em Direito Sucessório a mesma regra prevalece, pois o princípio do equilíbrio nominal (artigo 1.834, CC) determina a equiparação dos quinhões, inclusive essencialmente autoriza a colação das doações recebidas. Como visto, existem contundentes alegações dos sobrinhos de que a tia tenha se valido de má-fé e ocultado a existência do referido imóvel na Alemanha de titularidade dos autores da herança. Ademais, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro retira a concorrência do sistema estrangeiro quando utilizado para mitigar os bons costumes e a ordem pública, o que ratificaria a possibilidade de inclusão na partilha dos valores dos bens adquiridos no exterior, para fins de equiparação de quinhão sucessório”, esclarece.

    João Henrique Catan aponta que, diferentemente das regras de subordinação do ordenamento interno no clássico estilo kelsiniano, as normas de Direito Internacional Privado são coordenadas, buscando organizar as relações de Direito em um determinado Estado estrangeiro. Segundo ele, dessa forma, as fontes do Direito Internacional Privado consistem nas leis, nos tratados internacionais ratificados, doutrina, jurisprudência e até mesmo no Direito Consuetudinário.Quando se mostrar presente conflitos entre normas internacionais de países distintos, o intérprete deve enxergar o facho de luz nos elementos de conexão das normas.

    O advogado ainda expõe que o conceito de soberania dos Estados se apresenta para os territórios que já possuem delimitação e população estável, onde impera ausência total de subordinação a qualquer autoridade superior, mas isto não significa negar a existência de uma ordem internacional que promova a cooperação mútua na resolução dos conflitos, segundo seus próprios parâmetros aos quais os Estados reconhecidamente soberanos devem observar na resolução de conflitos transnacionais, incluindo os de natureza familiar. “Destarte, em não havendo hierarquia alguma entre os Estados, o princípio da não-intervenção nos assuntos domésticos impera nas relações familiares, contudo, não impedindo que no Brasil seja invocado o direito de ação e da ampla defesa, para comprovar a existência de má-fé na omissão propositada de imóvel adquirido na Alemanha, podendo ser utilizada a ação de sonegados para realizar a reposição do valor monetário do imóvel vendido a um terceiro de boa fé, respeitando-se assim o princípio do equilíbrio nominal, que consubstancia norma cogente do sistema sucessório brasileiro, incluindo na partilha o valor de patrimônio adquirido no exterior”, completa.

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