Transferir veículo com alienação fiduciária à revelia da financeira é ato clandestino
O STJ pacificou o entendimento de que a transferência a terceiro de veículo gravado como propriedade fiduciária, à revelia do proprietário (credor), constitui ato de clandestinidade incapaz de induzir posse (art. 1.208 do Código Civil de 2002), sendo por isso impossível a aquisição do bem por usucapião.
Em caso idêntico, a 3ª Turma do STJ já havia decidido que a posse de bem por contrato de alienação fiduciária em garantia não pode levar a usucapião pelo adquirente ou pelo cessionário deste, pois a posse pertence ao fiduciante que, no ato do financiamento, adquire a propriedade do bem até que o financiamento seja pago. Agora, em precedente relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, a 4ª Turma consolidou tal entendimento.
Segundo o relator, com a decisão pacificada pelas duas turmas de Direito Privado do STJ, o Judiciário fecha as portas para o uso indiscriminado do instituto do usucapião: A prosperar a pretensão deduzida nos autos e aqui não se está a cogitar de má-fé no caso concreto -, abrir-se-ia uma porta larga para se engendrar ardis de toda sorte, tudo com o escopo de se furtar o devedor a pagar a dívida antes contraída. Bastaria a utilização de um intermediário para a compra do veículo e a simulação de uma transferência a terceiro com paradeiro até então desconhecido, para se requerer, escoado o prazo legal, o usucapião do bem.
O voto do relator reitera que como nos contratos com alienação fiduciária em garantia o desdobramento da posse e a possibilidade de busca e apreensão do bem são inerentes ao próprio contrato, a transferência da posse direta a terceiros deve ser precedida de autorização porque modifica a essência do contrato, bem como a garantia do credor fiduciário.
Para o ministro, embora o artigo 1.261 do Código Civil - se a posse de coisa móvel se prolongar por cinco anos produzirá usucapião, independentemente de justo título e boa-fé - não exija título nem boa-fé, o artigo 1.208 do mesmo código dispõe que não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância, assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade. (REsp nº 881270 - com informações do STJ).
O caso julgado é orindo do RS
No caso em questão, Thais de Melo Lemos ajuizou ação de usucapião de bem móvel contra o Banco Ford S/A, sustentando que, em dezembro de 1995, adquiriu um automóvel de Luis Fernando Gomes Pereira, o qual, por sua vez, adquiriu o veículo mediante alienação fiduciária em garantia prestada em favor da instituição financeira. Alegou que "diante da inércia da instituição financeira, exerce a posse tranqüila e de boa-fé do bem desde a sua aquisição".
* O banco contestou, alegando, em síntese, a impossibilidade de declaração da usucapião, já que sobre o automóvel incide gravame de alienação fiduciária e remanesce, ainda, um débito de aproximadamente R$ 40 mil em aberto.
* O Juízo de Direito da 14ª Vara Cível de Porto Alegre julgou o pedido procedente e declarou a aquisição do domínio por parte da autora, mediante usucapião, determinando a expedição de registro desembaraçado de qualquer gravame.
* A sentença foi confirmada pela 13ª Câmara Cível do TJRS. A relatora, então juíza convocada Valda Mello Pierro, atuando no regime de exceção, entendeu que "independentemente de justo título e boa-fé é possível deferir a pretensão quando já implementado o prazo de cinco anos de posse direta decorrente de contrato de alienação fiduciária". Concluiu, ainda, que "a inércia da instituição financeira em reaver o bem de sua propriedade enseja o reconhecimento da posse por usucapião".
* O Banco Ford recorreu ao STJ. Por unanimidade, a 4ª Turma acolheu o recurso para julgar improcedente o pedido de usucapião. Em nome da institutição financeira atua a advogada Ana Paula Capitani.
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