Um magistrado pode autorizar buscas sem o aval do MP?
Luís Roberto Barroso, do STF, contrariou PGR e autorizou mandados de busca e apreensão contra senador Fernando Bezerra
Em 9 de setembro, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou 52 mandados de busca e apreensão no âmbito da Operação Desintegra, que foram cumpridos na última quinta-feira (19/9). A decisão do ministro causou uma crise entre o Congresso e o Supremo, depois que foram realizadas buscas na casa e no gabinete do senador Fernando Bezerra (MDB-PE), contrariando parecer da Procuradoria-Geral da República.
A autorização que contrariou a opinião da PGR foi criticada publicamente pelo presidente do Senado Davi Alcolumbre e pela defesa de Bezerra, que disse que vai recorrer. Advogados, professores e membros do MP ouvidos pelo JOTA apontam que esse tipo de medida é incomum e divergem sobre a legalidade da decisão — que, segundo a maioria, pode criar desequilíbrio no sistema acusatório e gerar questionamentos sobre a imparcialidade do julgador.
A decisão de Barroso foi dada em uma ação cautelar proposta pelo Departamento da Polícia Federal. A PF pediu autorização para busca e apreensão e ainda o bloqueio de bens de algumas pessoas – o segundo pedido foi negado. A ação foi baseada nos fatos apurados pelo inquérito 4513, que tem como acusador a PGR e investiga a suposta prática dos crimes de corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro por parte do senador Fernando Bezerra e do seu filho, o deputado federal Fernando Coelho Filho (DEM-PE).
Sob Raquel Dodge, a PGR, em manifestação enviada na ação cautelar, disse ser contra a diligência nas residências e gabinete do senador Fernando Bezerra por considerar a medida inútil. Barroso, em sua decisão, discordou da PGR e autorizou a busca e apreensão em relação ao senador.
Para o advogado criminalista e professor de Direito Processual Penal da USP Gustavo Badaró, não se pode deferir nenhuma medida cautelar na fase da investigação sem a concordância do Ministério Público. “A autoridade policial pode representar pedindo a diligência, e se o Ministério Público não concorda, não deveria o juiz poder, na fase de investigação, decretar a medida”, opina. “Ao agir contra a iniciativa do Ministério Público, na fase de investigação, ele acaba se substituindo ao investigador.”
Esta visão é compartilhada por Daniella Meggiolaro, advogada, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e da comissão de Direito Penal da OAB de São Paulo. Para ela, o Ministério Público, por ser o titular da ação penal, é quem dá a última palavra. “Se o STF não pode contrariar um pedido de arquivamento de inquérito instaurado pela PGR, na esfera menor, que é o pedido da PGR para não realizar a diligência, o STF também não pode contrariar”, diz a advogada, que classifica a ação como “incomum e equivocada”.
Em sua visão, porém, é “uma questão polêmica e não é tão preto no branco”, que abre espaço para discussões. “Mas eu entendo que a partir do momento em que o MP diz que é desnecessário, não caberia ao ministro contrariar e determinar essa medida que é tão invasiva, ainda mais na casa de outro Poder, que é o Senado”, diz.
Para o advogado e mestre em Direito Penal pela USP Conrado Gontijo, a decisão não desrespeita nenhum preceito legal ou constitucional, e é comum juízes de instâncias inferiores agirem assim. Entretanto, diz que a decisão de Barroso pode abrir espaço para questionamentos sobre sua imparcialidade e sobre o papel do juiz em investigações e ações penais.
“Em tese, da forma como o ordenamento jurídico está colocado hoje, ele poderia fazer isso. Mas de fato o juiz deveria ficar numa situação mais neutra na fase da investigação, porque ele é a pessoa que vai promover no futuro o julgamento da causa”, opina Gontijo.
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