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17 de Junho de 2024
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    Valor dos Tratados Internacionais: Do Plano Legal ao Ápice Supraconstitucional? (Parte II)

    há 15 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES (www.blogdolfg.com.br) Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri. Mestre em Direito Penal pela USP. Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

    VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI Doutor summa cum laude em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS. Mestre em Direito Internacional pela UNESP, campus de Franca. Professor Adjunto de Direito Internacional Público na Faculdade de Direito da UFMT.

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Valor dos Tratados Internacionais: Do Plano Legal ao Ápice Supraconstitucional? (Parte II). Disponível em http://www.lfg.com.br. 13 de agosto de 2009.

    (b) tratados com valor supralegal: além dos tratados de direito tributário, que possuem valor supralegal por força do art. 98 do CTN, ingressariam nessa categoria, em virtude da decisao do STF de 03.12.08 (RE 466.343-SP e HC 87.585-TO), os tratados de direitos humanos vigentes no Brasil mas não aprovados pelo quorum qualificado previsto no art. , , da CF ( quorum de três quintos em dupla votação nas duas casas legislativas).

    Depois dessa referida (e histórica) decisão do STF, a síntese que poderia ser feita seria a seguinte: (a) tratados de direitos humanos não aprovados com quorum qualificado: valor supralegal; (b) tratados de direitos humanos aprovados com quorum qualificado pelo Congresso Nacional: valor de Emenda Constitucional (valor constitucional); (c) tratados que não versam sobre direitos humanos: valor legal (tese da equiparação ou paridade); (d) exceção a essa regra constitui eventual tratado sobre direito tributário (visto que ele goza de valor supralegal CTN, art. 98).

    Há anos existe muita polêmica sobre o status normativo (nível hierárquico) do Direito Internacional dos Direitos Humanos no direito interno brasileiro. Um forte setor da doutrina (Flávia Piovesan, Antonio Cançado Trindade, Valério Mazzuoli etc.) sustenta a tese de que os tratados de direitos humanos (Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto Internacional de Direitos civis e políticos etc.) contariam com status constitucional, por força do art. , , da CF ( Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte ). Essa tese, aliás, foi acolhida (dentro da nossa Corte Constitucional) pelo Min. Celso de Mello (HC 87.585-TO).

    A tradicional jurisprudência da nossa Corte Máxima, desde os anos 70 do século XX, emprestava aos tratados, incluindo-se os de direitos humanos, o valor de direito ordinário (RE 80.004-SE , rel. Min. Cunha Peixoto, j. 01.06.77). Nele prosperava a corrente paritária: tratado internacional vale tanto quanto a lei ordinária. Esse entendimento foi reiterado pelo STF mesmo após o advento da Constituição de 1988 (STF, HC 72.131-RJ , ADIn 1.480-3-DF etc.).

    A EC 45/2004 (Reforma do Judiciário) autoriza que eles tenham status de Emenda Constitucional, desde que seguido o procedimento contemplado no 3º do art. da CF (votação de três quintos, em dois turnos em cada casa legislativa).

    De acordo com voto proferido pelo Min. Gilmar Mendes, no entanto, no RE 466.343-SP, tais tratados contam com (quando não aprovados pela sistemática do art. 5º, 3º da CF) status de Direito supralegal (estão acima das leis ordinárias, mas abaixo da Constituição). Nesse sentido: CF da Alemanha (art. 25), Constituição francesa (art. 55) e Constituição da Grécia (art. 28). Além do Min. Gilmar Mendes, votaram nesse mesmo sentido outros quatro Ministros (totalizando cinco votos). Essa foi a tese vencedora (no histórico julgamento do dia 03.12.08 RE 466.343-SP).

    No HC 90.172-SP decidiu-se o seguinte: A Turma deferiu habeas corpus (...) Em seguida, asseverou-se que o tema da legitimidade da prisão civil do depositário infiel, ressalvada a hipótese excepcional do devedor de alimentos, encontra-se em discussão no Plenário (RE 466343/SP, v. Informativos 449 e 450) e conta com 7 votos favoráveis ao reconhecimento da inconstitucionalidade da prisão civil do alienante fiduciário e do depositário infiel. Tendo isso em conta, entendeu-se presente a plausibilidade da tese da impetração. Reiterou-se, ainda, o que afirmado no mencionado RE 466343/SP no sentido de que os tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal, o que torna inaplicável a legislação infraconstitucional com eles conflitantes, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação e que, desde a ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da Convenção Americana sobre (art. 11) Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica , não há mais base legal para a (art. 7º, 7) prisão civil do depositário infiel. HC 90172/SP , rel. Min. Gilmar Mendes, 5.6.2007.

    O Direito constitucional, depois de 1988, conta com relações diferenciadas frente ao Direito Internacional dos Direitos Humanos. A visão da supralegalidade deste último encontra amparo em vários dispositivos constitucionais (CF, art. 4º, art. 5º, 2º, e 3º e 4º do mesmo artigo 5º)[ 1 ].

    (c) tratados com valor constitucional: essa categoria vem disciplinada no parágrafo 3º, do artigo , da CF, inserido pela Emenda Constitucional 45, que diz: Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais .

    Trata-se de corrente que emana de um consolidado entendimento doutrinário (Sylvia Steiner, A convenção americana , São Paulo: RT, 2000, Antonio Cançado Trindade, Flávia Piovesan, Valerio Mazzuoli, Ada Pellegrini Grinover, L. F. Gomes etc.), que já conta com várias décadas de existência no nosso país[ 2 ]. Em consonância com essa linha de pensamento há, inclusive, algumas decisões do STF (RE 80.004 , HC 72.131 e 82.424, rel. Min. Carlos Velloso), mas é certo que essa tese nunca foi (antes de 2006) majoritária na nossa Suprema Corte de Justiça. Somente agora é que ela ganhou reforço com a posição do Min. Celso de Mello (HC 87.585-TO).

    Vejamos as valiosas argumentações (em seus aspectos centrais) do Min. Celso de Mello:

    Após longa reflexão sobre o tema em causa, Senhora Presidente notadamente a partir da decisão plenária desta Corte na ADI 1.480- MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO -, julguei necessário reavaliar certas formulações e premissas teóricas que me conduzi (RTJ 179/493-496) ram, então, naquela oportunidade, a conferir, aos tratados internacionais em geral , posição juridicamente equivalente à das leis ordinárias.(qualquer que fosse a matéria neles veiculada)

    Mas uma coisa são os tratados de direitos humanos, outra distinta os demais tratados internacionais: As razões invocadas neste julgamento, no entanto, Senhora Presidente, convencem-me da necessidade de se distinguir, para efeito de definição de sua posição hierárquica em face do ordenamento positivo interno, entre convenções internacionais sobre direitos humanos (revestidas de supralegalidade , como sustenta o eminente Ministro GILMAR MENDES, ou impregnadas de natureza constitucional, como me inclino a reconhecer), e tratados internacionais sobre as demais matérias (compreendidos estes numa estrita perspectiva de paridade normativa com as leis ordinárias).

    A supralegalidade dos tratados de direitos humanos foi a tese defendida por Gilmar Mendes: Isso significa, portanto, examinada a matéria sob a perspectiva da supralegalidade , tal como preconiza o eminente Ministro GILMAR MENDES, que, cuidando-se de tratados internacionais sobre direitos humanos, estes hão de ser considerados como estatutos situados em posição intermediária que permita qualificá-los como diplomas impregnados de estatura superior à das leis internas em geral, não obstante subordinados à autoridade da Constituição da República.

    Para o Min. Celso de Mello o correto é reconhecer, mais que a supralegalidade, a constitucionadade dos tratados de direitos humanos. Seu pensamento conta com forte apoio doutrinário: Reconheço, no entanto, Senhora Presidente, que há expressivas lições doutrinárias como aquelas ministradas por ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE (Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, vol. I/513, item n. 13, 2ª ed., 2003, Fabris), FLÁVIA PIOVESAN (Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, p. 51/77, 7ª ed., 2006, Saraiva), CELSO LAFER (A Internacionalização dos Direitos Humanos: Constituição, Racismo e Relações Internacionais, p. 16/18, 2005, Manole) e VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI (Curso de Direito Internacional Público, p. 682/702, item n. 8, 2ª ed., 2007, RT), dentre outros eminentes autores que sustentam, com sólida fundamentação teórica, que os tratados internacionais de direitos humanos assumem, na ordem positiva interna brasileira, qualificação constitucional, acentuando, ainda, que as convenções internacionais em matéria de direitos humanos, celebradas pelo Brasil antes do advento da EC nº 45/2004, como ocorre com o Pacto de São José da Costa Rica, revestem-se de caráter materialmente constitucional, compondo, sob tal perspectiva, a noção conceitual de bloco de constitucionalidade .

    O Min. Celso de Mello altera o seu antigo pensamento, afirmando: Após muita reflexão sobre esse tema, e não obstante anteriores julgamentos desta Corte de que participei como Relator (RTJ 174/463-465 RTJ 179/493-496), inclino-me a acolher essa orientação, que atribui natureza constitucional às convenções internacionais de direitos humanos.

    Registre-se que em voto precedente também já havia se inclinado pela constitucionalidade dos tratados de direitos humanos o Min. Ilmar Galvão: Não foi por outra razão que o eminente Ministro ILMAR GALVAO, no presente caso, reconsiderando o seu anterior entendimento, tal como eu próprio ora faço neste julgamento, destacou, em momento que precedeu a promulgação da EC nº 45/2004, que o 2º do art. da Constituição - verdadeira cláusula geral de recepção - autoriza o reconhecimento de que os tratados internacionais de direitos humanos possuem hierarquia constitucional, em face da relevantíssima circunstância de que viabilizam a incorporação, ao catálogo constitucional de direitos e garantias individuais, de outras prerrogativas e liberdades fundamentais, que passam a integrar, subsumindo-se ao seu conceito, o conjunto normativo configurador do bloco de constitucionalidade.

    Na verdade, até mesmo o STF, em tempos passados, já tinha reconhecido o valor constitucional dos tratados. Mudou de posição posteriormente: Com efeito, esta Suprema Corte, ao interpretar o texto constitucional, atribuiu, em determinado momento (décadas de 1940 e de 1950), superioridade às convenções internacionais em face da legislação interna do Brasil (Apelação Civil 7.872/RS, Rel. Min. LAUDO DE CAMARGO - Apelação Civil 9.587/DF, Rel. Min. LAFAYETTE DE ANDRADA), muito embora, em sensível mudança de sua jurisprudência, viesse a reconhecer, em momento posterior (a partir da década de 1970), relação de paridade normativa entre as espécies derivadas dessas mesmas fontes jurídicas (RTJ 58/70 RTJ 83/809 RTJ 179/493-496, v.g.).

    A confirmação do novo entendimento do Min. Celso de Mello deu-se da seguinte maneira: Como precedentemente salientei neste voto, e após detida reflexão em torno dos fundamentos e critérios que me orientaram em julgamentos anteriores (RTJ 179/493-496, v.g.), evoluo, Senhora Presidente, no sentido de atribuir, aos tratados internacionais em matéria de direitos humanos, superioridade jurídica em face da generalidade das leis internas brasileiras, reconhecendo, a referidas convenções internacionais, nos termos que venho de expor, qualificação constitucional.

    A única situação em que prepondera a Constituição sobre os tratados ocorre quando estes restringem direitos previstos na própria Magna Carta: Tenho por irrecusável, de outro lado, a supremacia da Constituição sobre todos os tratados internacionais celebrados pelo Estado brasileiro, inclusive aqueles que versarem o tema dos direitos humanos, desde que, neste último caso, as convenções internacionais que o Brasil tenha celebrado (ou a que tenha aderido) importem em supressão, modificação gravosa ou restrição a prerrogativas essenciais ou a liberdades fundamentais reconhecidas e asseguradas pelo próprio texto constitucional, eis que os direitos e garantias individuais qualificam-se, como sabemos, como limitações materiais ao poder reformador do Congresso Nacional.

    Em artigo que escrevemos junto com Valério Mazzuoli (Valor dos tratados de direitos humanos no direito interno - cf. www.lfg.com.br) afirmamos o seguinte: O 3º do art. 5º da CF pretendeu pôr termo às discussões relativas à hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio, uma vez que a doutrina mais abalizada, antes da reforma, já atribuía aos tratados de direitos humanos status de norma constitucional, em virtude da interpretação do 2.º do mesmo art. 5.º da Constituição, que dispõe: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte .

    Com base nesse último dispositivo, sempre defendemos que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil têm índole e nível constitucionais, além de aplicação imediata, não podendo ser revogados por lei ordinária posterior.

    E a nossa interpretação sempre foi a seguinte: se a Constituição estabelece que os direitos e garantias nela elencados não excluem outros provenientes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, é porque ela própria está a autorizar que esses direitos e garantias internacionais constantes dos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil se incluem no nosso ordenamento jurídico interno, passando a ser considerados como se escritos na Constituição estivessem. É dizer, se os direitos e garantias expressos no texto constitucional não excluem outros provenientes dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, é porque, pela lógica, na medida em que tais instrumentos passam a assegurar outros direitos e garantias, a Constituição os inclui no seu catálogo de direitos protegidos, ampliando o seu bloco de constitucionalidade .

    Para nós, a cláusula aberta do 2.º do art. 5.º da Carta da 1988 sempre admitiu o ingresso dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos no mesmo grau hierárquico das normas constitucionais, e não em outro âmbito de hierarquia normativa. Portanto, segundo sempre defendemos, o fato de esses direitos se encontrarem em tratados internacionais jamais impediu a sua caracterização como direitos de status constitucional.

    Esse nosso entendimento doutrinário acabou não sendo sufragado pelo Min. Gilmar Mendes, que avançou um passo nessa matéria, admitindo em relação aos tratados de direitos humanos status supralegal, mas não chegou a concebê-los como normas constitucionais.

    Notas de Rodapé: Cff. MENDES, Gilmar Ferreira et alii, Curso de Direito constitucional, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 663.

    [2] Para um estudo completo do assunto, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Curso de direito internacional público, São Paulo: RT, 2006, pp. 490-510; e MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, O novo 3º do art. da Constituição e sua eficácia, in Revista Forense, vol. 378, ano 101, Rio de Janeiro, mar./abr./2005, pp. 89-109.

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