Página 2381 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 22 de Setembro de 2014

acerca da capacidade econômica dos genitores da autora foram juntados (fls. 366/647). As partes reiteraram manifestações precedentes (fls. 349/360, 654 e 656/658). Relatei. Decido. Rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva. Inadmissível defesa meramente processual de dever ser integrada a lide o Estado e a União, com o claro objetivo procrastinatório de determinar a alteração de competência e obstáculos ao imediato socorro ao direito da criança. Ademais, é típico caso de litisconsórcio facultativo e não necessário, dado que o cumprimento da obrigação pode ser exigido de um ou de todos os devedores, respeitado o direito de regresso. Portanto, despicienda a inclusão dos demais entes no pólo passivo da ação apenas para criar resistência meramente burocrática. De mais a mais, tem-se que a responsabilidade pela saúde pública não pode ser vista de maneira fracionada, cabe a qualquer dos entes federados tal providência, com ação de regresso a posteriori. Incluir a União no presente feito e com isso remeter o feito para a Justiça Federal, seria negar o resultado prático da decisão, na medida em que o Município é o ente mais próximo da infante que corre sérios riscos de lesão à sua saúde e/ou vida. De mais a mais, é do art. 198 da Constituição Federal e arts. 87 e 88, do ECA, que em virtude do princípio da descentralização, o atendimento de crianças e adolescentes dever ser exercido, preponderantemente, pelo Município. Inconcebível, pois, que se aguarde o consenso da ré, Estado e União acerca de quem deverá custear o tratamento, para só então dar o devido tratamento à criança. Não bastasse, após o deferimento da tutela antecipada, a ré, pessoa jurídica mais próxima da infante, entregou a bomba de infusão e vem fornecendo, regularmente, os insumos à criança, a evidenciar que sua proximidade com a parte em muito colabora para a efetividade da medida. O resto é mérito e passo a julgar antecipadamente a lide, diante da desnecessidade de produção de prova em audiência, pois a matéria é exclusivamente de direito. É dos autos que a menor L.T.A.R. é acometida de diabetes mellitus tipo 1, doença grave e degenerativa e está sob tratamento médico desde junho de 2009. Ocorre.que, em média umas oito vezes ao dia a criança se submetia a controle de glicose com aplicação de insulina por meio de “furo no dedo” e, quase sempre aplicava a injeção de insulina. Todavia, a médica lhe prescreveu o uso de bomba de infusão de insulina, tratamento por meio do qual não são necessários os “furinhos na pontinha dos dedos” com tanta constância. Referida bomba possui um transmissor minilink que fica ligado em seu corpo e manda informações para a bomba de infusão. Desta forma, caso os níveis de glicemia não estejam aceitáveis, a bomba emite um aviso sonoro avisando da anormalidade, o que é impossível no controle pelas pontinhas dos dedos. Ou seja, a bomba faz o monitoramento do nível glicêmico e poupa a saúde e a vida da criança e o faz com menos sofrimento. Por outro lado, os genitores não possuem recursos financeiros hábeis à manutenção do tratamento da filha, conforme se infere dos documentos juntados a fls. 366/647, notadamente se considerarmos o preço da bomba de infusão e insumos de uso constante (fls. 84/85). Os relatos e receituários dos médicos que acompanham LARISSA, juntados a fls. 43, 48, 49, 52/83 e 51, são extremamente esclarecedores e evidenciam que para o controle do diabetes não basta a ingestão de insulina - é necessário o monitoramento constante dos níveis glicêmicos para que se apure a dose mais adequada da insulina, evitando picos de hipo e hiperglicemia. Inclusive, a endocrinologista que a atende, Dra. Camila Giannotti Chaves, salientou que a criança “Por se tratar de criança, onde o risco de hipoglicemia compromete o desenvolvimento neuropsicomotor, é sabido que o uso do sistema de infusão continua de insulina minimiza o risco de hipoglicemias, pois dá maior segurança ao tratamento, possibilitando a infusão de insulina em velocidade diferente ao longo de todo o dia, conforme a necessidade individual de cada paciente (...) Com um controle glicêmico adequado e com menor variabilidade glicêmica poderemos tentar evitar as complicações graves e irreversíveis desta doença que compreendem perda total da função renal, perda da visão, infarto agudo do miocárdio, amputação de membros inferiores; sendo que todas estas podem comprometer a capacidade produtiva do paciente e onerar ainda mais o Estado” (fls. 51). Vê-se, pois, que a hipo ou hiperglicemia poderá ocorrer a qualquer momento do dia e o controle glicêmico deverá ser de imediato, sob pena de risco de morte ou de sequelas irreversíveis à criança. Por outro lado, os controles expressos a fls. 31/48, bem evidenciam a alta variação do quadro de hipoglicemia intercalado com hiperglicemia. Portanto, o pedido se justifica, sobretudo, se considerarmos que assiste ao médico, profissional legal e tecnicamente habilitado, avaliar caso a caso e aferir e prescrever qual o melhor tratamento indicado. Posteriormente, veio aos autos relatório médico da mesma endocrinologista, salientando que em relação ao uso da bomba de insulina na autora “(...) Ressalto que pela frequência aumentada de hipoglicemias, esta paciente não apresenta mais sinais de alerta, mesmo em hipoglicemias severas, aquelas onde há neuroglicopenia e alto risco de dano neurológico (glicemais menores que 40 mg/dl), sendo esta uma indicação incontestável da indicação do uso de bomba de insulina” (fls. 159). No particular, a endocrinologista demonstrou que a autora necessita fazer uso da bomba de infusão, não sendo razoável indeferir o fornecimento dos mecanismos adequados para o seu efetivo e adequado tratamento, sob alegação de que há outros mais baratos e disponíveis na rede pública e que a bomba de infusão seria um luxo na vida da criança. Não passa despercebida a existência de outros tratamentos disponíveis na rede pública para a patologia de Larissa, contudo, o relatório médico informou que esta já utilizou a insulina fornecida pelo sistema público, mas manteve a instabilidade, oscilando de hipoglicemia a hiperglicemia e que ela pode ensejar coma hipoglicêmico ou convulsão, além de danos neurológicos irreversíveis (fls. 159). É da inicial que a terapia com a bomba de insulina melhorou o controle glicêmico da paciente e diminuiu o risco de complicações crônicas. Ora, não se trata de mero conforto, como quis fazer crer o representante do Ministério Público a fls. 341, eis que o uso do uso do aparelho não decorre de comodidade pra autora, mas de necessidade, tendo em vista que os tratamentos anteriores não se mostraram satisfatórios ao mal que a acomete. Por óbvio que com a disponibilização da bomba de infusão, serão necessários os insumos compatíveis para utilizá-la. Doutra banda, o fato de estarem padronizados tratamentos diversos e supostamente indicados à enfermidade não podem servir de argumentos ao indeferimento do pedido, na medida em que se a padronização desatende aos princípios constitucionais do direito à vida, à saúde, à dignidade da pessoa humana e outros, torna-se odiosa e não prevalece sobre a Constituição Federal. Ressalte-se que não se trata de ignorar o princípio da separação dos poderes (artigo , da Constituição Federal), mas de preservar a vida da criança mediante a concessão de medida que tem previsão constitucional. Portanto, restam prejudicadas quaisquer alegações no sentido de que a autora busca tratamento particularizado para o mal que o acomete, sendo certo que o deferimento do pedido não significa intromissão na utilização e gestão das verbas públicas, mas tão somente garantia de integral assistência à saúde. Ressalte-se que a própria Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu artigo , inciso III, alínea b, aponta que o orçamento anual dos entes federativos deverá conter reserva de contingência, cuja forma de utilização do montante, definido com base na receita líquida, será destinada ao atendimento de passivos contingenciais e outros riscos e eventos imprevistos, tais como o fornecimento de tratamentos de alto custo para pessoas carentes, portadoras de graves doenças. Mas, ainda que não fosse este o caso, a emergência na disponibilização do tratamento enquadra-se nas hipóteses de dispensa de licitação de que trata o artigo 24 da Lei nº 8.666/93.3. Não se pode olvidar que os artigos 196 e 227 da Constituição Federal de 1988 inibem a omissão do ente público em garantir o efetivo tratamento médico à pessoa necessitada, inclusive com o fornecimento de tratamento de forma gratuita. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar o direito à saúde da criança a um plano diverso daquele que o coloca como uma das mais belas e justas garantias constitucionais. Com relação a eventual onerosidade ao erário, é de se ressaltar que ainda caso o Município entenda que o custo irá onerar sobremaneira seus cofres, poderá se valer da ação de regresso em face das Fazendas Estadual e Federal. O

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