Página 1918 da Judicial - 1ª Instância - Capital do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 1 de Outubro de 2014

à residência de cada uma, sob pena de aplicação de multa diária. Ao final, postula seja o pedido julgado procedente, confirmandose a tutela antecipada concedida. Com a inicial juntou documentos. A decisão de fls. 20/24 deferiu a tutela antecipada pleiteada. A ré apresentou contestação em fls. 36/45, suscitando preliminar de falta de interesse processual em relação a uma das crianças listadas na inicial, sob alegação de já ter sido ela matriculada em estabelecimentos de ensino. No mérito, alega, em síntese, que não tem se omitido para atender à demanda de vagas em creche. Afirmou ter diversas atribuições além da construção de creches. Alegou que o Poder Judiciário não pode se imiscuir em assuntos exclusivamente administrativos e que a indiscriminada determinação judicial para concessão de vagas compromete a segurança e salubridade das crianças, em razão da ausência de espaço físico para acomodação delas. Aduziu, haver impossibilidade material de cumprimento das medidas, sob pena de colapso da rede de atendimento. Assevera não haver obrigatoriedade, e tampouco exclusividade, na prestação de educação infantil pelo Município, e que a universalização do ensino infantil é meta imposta ao administrador, a ser atingida progressivamente conforme ordem de prioridades por ele mesmo estabelecida, diante da finitude dos recursos públicos. Sustenta que as normas constitucionais relativas aos direito sociais têm caráter programático, configurando-se como metas e objetivos impostos ao administrador. Por fim, argumenta ser impossível o controle da administração municipal pelo Judiciário, sob pena de se configurar a quebra do princípio da tripartição de Poderes, afirmando que no caso em tela não houve omissão do Administrador que justificasse a intervenção do Poder Judiciário. Concluindo que a imposição da obrigação de concessão de vaga em creche está em desconformidade com a legislação vigente, requer a improcedência do pedido. A petição veio instruída com documentos comprobatórios do cumprimento parcial da ordem judicial. Réplica à folha 54, discordando da extinção do feito quanto à criança já matriculada porque a matrícula ocorreu após a intimação da Prefeitura da decisão inicial. A representante de Ministério Público manifestou-se favorável no sentido de que seja confirmada a tutela concedida, julgando-se procedente o pedido inicial (fls. 66/68). É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO. O feito comporta julgamento imediato, nos termos do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil. De início, anoto que a preliminar de falta de interesse processual argüida pela ré não merece acolhida, pois somente houve mobilização da ré para atendimento ao pleito do autor após a intimação da decisão concessiva da tutela antecipada. Evidente, pois, o interesse dele na obtenção de uma sentença de mérito na demanda em questão, tornando definitiva a antecipação de tutela concedida. No mérito, a hipótese é de procedência do pedido, pois evidenciada a obrigação constitucional e legal da Municipalidade com relação às crianças listadas na inicial, bem como o descumprimento dessa obrigação pela ré, culminando no ajuizamento da ação. Em verdade, ao que se verifica da contestação da Municipalidade, esta reconhece juridicamente o pedido, ainda que parcialmente, vez que admite a sua responsabilidade e o seu dever de assegurar educação às crianças. Entretanto, a ré traz como argumento de defesa a não obrigatoriedade do ensino infantil, ao contrário do disposto em relação ao ensino fundamental, bem como a não exclusividade da obrigação do Município quanto à oferta de ensino infantil, enfatizando que sua universalização é norma de caráter programático, e meta a ser alcançada progressivamente. Aduz em sua defesa, ainda, que os recursos orçamentários são finitos, sendo inviável o pronto atendimento pleiteado pela autora, sob pena de colapso do sistema e prejuízo às próprias crianças. Ora, evidente o equívoco na interpretação dos dispositivos constitucionais e legais, pela ré. A imposição constitucional de garantir acesso à educação infantil, incluindo aí o acesso às creches, foi elaborada para o Poder Executivo. A Constituição Federal esclarece que a educação básica é obrigatória e gratuita, além da “educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 05 (cinco) anos de idade”, artigos 205 e 208, incisos I e IV, da Constituição Federal. Assim, embora os pais não tenham obrigação de matricular seus filhos em creche ou escola de educação infantil, diversamente do que ocorre no ensino fundamental, o poder público tem a obrigação de colocar à disposição vagas suficientes para todas as crianças cujos pais pretendam efetuar a matrícula. A norma constitucional, ao estabelecer a educação como dever do Estado, dispõe que a União, os Estados e os Municípios atuarão em regime de colaboração (artigo 211), mas, ao mesmo tempo, esclarece que os Municípios deverão responsabilizar-se prioritariamente pelo ensino fundamental e pré-escolar (parágrafo segundo), o que é explicitado pelos artigos 240 da Constituição do Estado de São Paulo e 201, parágrafo sexto, da Lei Orgânica do Município de São Paulo. Evidente, pois, que a ausência de exclusividade da obrigação do Município de fornecer educação infantil não o exime do cumprimento do dever que lhe é constitucionalmente imposto. Afirmar que a educação infantil não é atividade privativa ou exclusiva do Município significa, tão somente, que é facultado a outros entes públicos ou privados o exercício de tal atividade, não desincumbindo o Município da obrigação. De outro lado, não merece acolhida o já conhecido argumento da Municipalidade de que as normas constitucionais relativas à educação infantil são normas programáticas. Trata-se, em verdade, e no entender da mais abalizada doutrina, de normas constitucionais de plena eficácia, uma vez que o legislador constitucional, ao impor como dever do Estado o atendimento em creches e pré-escolas, não exigiu a regulamentação da matéria por legislação complementar. A Lei Federal 9.394/96, por sua vez, ao estabelecer prazos para adaptação dos entes políticos às inovações sobre a educação infantil não autoriza o descumprimento dos dispositivos Constitucionais de eficácia plena. Ensina GOMES CANOTILHO que: “repele a identificação da norma programática a mera intenção declaratória, para convertê-las em ‘simples programas’, em ‘exortações morais’, em ‘apelos ao legislador’, sustentando que, sob tal aspecto comprometedor da eficácia vinculante e imediata, não há normas constitucionais programáticas” (Estudos de direito constitucional, Belo Horizonte: De Rey, 1995, p. 223). O renomado constitucionalista português preceitua, de maneira categórica: “Não há, pois, na constituição, ‘simples declarações (sejam oportunas ou inoportunas, felizes ou desafortunadas, precisas ou indeterminadas) a que não se deva dar valor normativo, e só o seu conteúdo concreto poderá determinar, em cada caso o alcance específico do dito valor’ (GARCIA DE ENTERRIA). Problema diferente é o de saberem que termos uma norma constitucional é susceptível de aplicação direta e em que medida é exeqüível por si mesmo” (Direito constitucional e teoria da constituição, 3ª ed., Coimbra: Almedina, 1999, p. 1.103). Verifica-se, lamentavelmente, que o Estado a todo o momento invoca a expressão “norma programática” para justificar, de forma teórica, suas graves omissões e descumprimentos dos comandos constitucionais. No entanto, o artigo 208 da Constituição da República garante e assegura às crianças até cinco anos o direito, não em tese ou simplesmente ideal, mas concreto, efetivo, à educação infantil, em creche e pré-escola. Não há outros condicionamentos para que tal direito seja exercido. Nenhuma outra lei ou regulamento é necessário para a exeqüibilidade dessa prestação, vez que estão claramente identificados a pessoa obrigada à prestação, o grupo de cidadãos a quem se dirige a norma e o objeto dessa prestação social. À vista da força imperativa do comando constitucional, evidente que a invocação da teoria do “mínimo existencial” no caso em tela é absolutamente impertinente, configurando-se em mais um expediente na desesperada tentativa da ré de justificar o descumprimento de sua obrigação. Como se não bastasse o comando constitucional de eficácia plena, o Estatuto da Criança e do Adolescente igualmente tratou da questão, estabelecendo em seu artigo 53 que às crianças e aos adolescentes assiste o direito à “educação, visando o pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-lhes: I- ... permanência na escola; V- acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência”. Ainda, o artigo 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que “é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I- ensino fundamental obrigatório e gratuito ...; IV- atendimento em creche e préescola às crianças de zero a seis anos de idade; parágrafo 1º o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo; parágrafo 2º; o não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da

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