Página 1437 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 5 de Março de 2015

Civil de 2002), vale dizer, de cumprimento dos deveres acessórios de conduta (do fornecedor): dever de informação; dever de colaboração e cooperação; dever de proteção e cuidado com a pessoa e o patrimônio da contraparte. No caso vertente a conduta das requeridas encerram um verdadeiro figurino ao avesso, vale dizer, um modelo do que não se deve fazer com o consumidor. Não se coaduna com as novas diretrizes que devem pautar as relações entre fornecedores e consumidores. Dentre outras, as requeridas trilham na contramão do que há de mais moderno no relacionamento do consumidor, com o mundo corporativo: First Call Resolution (FCR), numa tradução livre: resolução no primeiro contato, ou na primeira chamada (www. repositorio.bce.unb.br). Não há razoabilidade em se impor ao consumidor a obrigação de aguardar, indefinidamente, a eventual solução pela autorizada/montadora, convertendo-o em verdadeiro agente de laboratório de ensaios da autorizada/montadora. A hipótese encerra um misto de vício de qualidade não só do produto, mas dos serviços prestados pela concessionária. Torna-se, pois, definitiva a antecipação da tutela jurisdicional. E apesar de certas idas e vindas, a Tutela Antecipada foi cumprida de modo que afasto a multa pleiteada. Resta enfrentar a questão pertinente ao dano moral. Com o advento da Súmula 37 do STJ, ficou superada a discussão quanto à possibilidade da cumulação do dano moral e material relativamente ao mesmo fato: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.” Por outra banda, a conduta das rés tem expressão, vale dizer, grandeza suficiente para afetar a esfera moral. Como é sabido, o simples descumprimento do dever legal, ou contratual, desacompanhado de qualquer fator especial que o qualifique, a rigor, não rende ensejo ao dano moral indenizável. Como já se apurou, a recalcitrância das rés, em não oferecerem um veículo adequado ao longo do tempo, por meses e meses a fio, apesar das medidas adotadas pela autora, coroando por não cumprirem também aquilo que a lei determina (a substituição do veículo mais perdas e danos, conforme opção do consumidor), tem expressão suficiente para gerar dano moral indenizável. Vale dizer, a resistência das rés em cumprirem o que a Lei determina, gera incertezas, angústias e sofrimentos intensos ao consumidor. Negar aqui, o dever de indenizar o dano moral, implicaria em dizer-se que as fornecedoras tinham o direito de fazer o que fizeram (ou não fizeram). Em direito quem erra paga pelo erro. Como assevera Antônio Jeová Santos: “Seria escandaloso que alguém causasse mal a outrem e não sofresse nenhum tipo de sanção; não pagasse pelo dano inferido. Seria o mesmo que dizer à própria vítima: causei a você um agravo moral, porém não reclame a reparação pecuniária, porque isso te desacreditaria frente aos demais. Importaria em penetrar na intimidade da consciência do ofendido para julgar os motivos internos que o impulsionaram a pedir e aceitar a reparação pecuniária, de cuja moralidade ele, e somente ele (o ofendido), é o juiz.” (Dano Moral Indenizável, RT, S. Paulo, 2003, 4ª ed., pág. 62). Rui Stoco lembra que a simples demora na solução do problema de veículo adquirido com defeito já gera dano moral: “Veículo adquirido com defeito: demora na solução do problema pela concessionária.” “Defeito de fábrica apresentado pelo veículo somente solucionado após 1 (um) ano de sofrimento experimentado pela autora que teve de ir à concessionária várias vezes, sendo sempre protelada a solução do caso. Decide corretamente o Juiz quando vê na hipótese dano moral pelo sofrimento, angústia e abatimento suportado pela autora. Aborrecimento sofrido muito acima do desgaste norma das relações negociais presentes na sociedade civil. Decisão condenatória com efeito reparador e punitivo” (TJRJ 3ª C. AC 3.171/99 Rel. Humberto Paschoal Perri j. 29.06.99 Bol. AASP 2.151/269).” (in Tratado de Responsabilidade Civil, Ed. RT, S. Paulo, 2007, 7ª ed., p. 1.834/1.835) Aliás, o E. Tribunal de Justiça de São Paulo já reconheceu, em casos parelhos, a incidência do dano moral indenizável (Ap. 000XXXX-77.2009.8.26.0281, 35ª Câm. Direito Privado, Rel. Des. Melo Bueno, v.u., j. 18/06/2012; Ap. 000XXXX-46.2012.8.26.0081, 34ª Câm. Direito Privado, Rel. Des. Rosa Maria de Andrade Nery, v.u., j. 14/01/2013). A jurisprudência adota, por vezes, uma postura um tanto dogmática, na medida em que, a despeito da gravidade de certas lesões, ora nega o agravo moral, ora fixa um padrão destoante em comparação com outros parâmetros de indenização. Uma das melhores estratégias para se definir a intensidade da lesão, é o julgador por um processo mental de “substituição”, tentar se lançar hipoteticamente no lugar da pessoa atingida. Refletir sobre o peso das lesões e sua repercussão no cotidiano do indivíduo, tendo em mente o primado da dignidade da pessoa humana. É sempre lembrado o caso de um dedicado e brilhante Juiz, que hoje cerra fileiras no E. Tribunal, que quando integrante de uma Turma de Colégio Recursal, negara peremptoriamente a obrigação de indenizar em empresa aérea, agência de turismo e operadora de turismo, pela falha mecânica de aeronave que determinou sofrido e angustioso atraso do voo internacional, com seus desdobramentos. Entretanto, por ironia do destino, anos depois, o eminente Juiz foi vítima de caso similar, oportunidade em que modificou radicalmente o seu entendimento. Como se sabe, as lições da doutrina e da jurisprudência (fora os casos das Súmulas Vinculantes do STF) valem não pelo que declaram, mas pelo que fundamentam. A jurisprudência, pressionada pelo volume cada vez mais avassalador de feitos, e a fixação de metas, em muitos casos de reparação por danos morais, fixa valores com fundamentos em conceitos demasiadamente abertos e genéricos: moderação, proporcionalidade, razoabilidade etc. E, geralmente, com valores bem reduzidos. Parece alheia ao fato de que justamente as “indenizaçõezinhas” é que encorajam os fornecedores a não cumprirem o que a lei lhes impõe. Esta política gera mais e mais ações e, consequentemente, recursos. O professor Rogério Donnini, em artigo recente no conhecido sítio “Consultor Jurídico”, adverte: “(...) Atualmente, cada vez mais se exige do Estado e da sociedade a prevenção do eventus damni. Não mais se admite apenas a reparação do prejuízo suportado que, muitas vezes, se torna despiciendo ou mesmo inócuo, se a lesão é de grande extensão e atinge um número considerável ou indefinido de pessoas (danos coletivos ou difusos), mas sua prevenção. Nas relações de consumo há disposição expressa quanto à prevenção de danos, consoante se verifica do artigo , VI, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990): “São direitos básicos do consumidor: ...VI a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.” Essa prevenção refere-se à postura, num primeiro momento, que os fornecedores devem ter para que o evento danoso não ocorra, evitando, assim, que haja prejuízo aos consumidores ou terceiros, com práticas preventivas como o recall (recolhimento de produtos defeituosos ou a substituição de peças inadequadas)[31]. Num segundo momento, cabe ao Poder Público essa incumbência, seja por intermédio de sanções administrativas (artigo 55 do CDC) ou por meio da tutela jurisdicional (artigos 83 e 84 do CDC), sempre com o escopo de evitar o dano[32]. Nas relações regidas pelo Código Civil, é inegável que a maior preocupação sempre esteve diretamente relacionada ao princípio da imputação civil dos danos[33], isto é, com o dever de reparação do dano causado (CC, 186 e 927). Todavia, a real e efetiva prevenção de danos sucede com a fixação do valor de desestímulo quando do arbitramento da indenização. Diferentemente do punitive damages do direito norte-americano, o fator ou valor de desestímulo não tem qualquer relação com o valor de eventual reparação material, pois é dever do Judiciário fixar valor da indenização a ponto de não mais estimular a prática do ato danoso pelo ofensor. Portanto, previne-se o dano com a fixação de valores indenizatórios que, efetivamente, inibam o agente. Não é, contudo, o que se verifica, em regra, em nosso país. Propaga-se a falsa ideia de uma “indústria das indenizações” que, em verdade, não existe, pois o que se constata é uma frequente e desmesurada violação de direitos por parte do Estado, dos fornecedores, nas relações entre particulares e, em vários casos, a fixação de valores indenizatórios que, contrariamente ao princípio neminem laedere, incentiva novos eventos danosos, primeiro porque os infratores apostam na parcimônia das indenizações, segundo porque sabem que inúmeros lesados não chegarão a buscar o Judiciário para que sejam reparadas os danos sofridos. Estamos, assim, diante de uma “indústria das lesões”. O fato de existirem muitos pleitos indenizatórios e alguns deles absolutamente descabidos não justifica a asserção genérica de que entre nós os pleitos indenizatórios são exagerados e criados com o intuito de enriquecimento injusto. Embora

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