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3 de Maio de 2024

A importância da orientação jurídica no departamento pessoal

Atuação conjunta entre departamento pessoal e setor jurídico é fundamental para conter demandas envolvendo as empresas, acarretando em diminuição do custo e consequente aumento do lucro.

Publicado por Murilo Lemes
há 7 anos

Tenho percebido certo afastamento do departamento jurídico (seja interno ou terceirizado) dos demais setores das empresas, independente do porte e da área de atuação.

Além da crescente segmentação e autonomia dos setores empresariais, cito como motivo para esse distanciamento a cultura empresarial contemporânea que normalmente busca o profissional da área do direito apenas quando já existe demanda envolvendo a empresa (atuação contenciosa), ao contrário de investir em consultoria preventiva.

Contudo, determinados setores das empresas, por conta do tipo do trabalho que desenvolvem, deveriam manter maior proximidade com o departamento jurídico.

Neste texto me atrevo [no melhor sentido da palavra] a promover uma reflexão sobre o impacto negativo desse afastamento, especificamente entre o departamento pessoal e o setor jurídico nas empresas, e as consequências nas demandas oriundas da falta de orientação jurídica à este vital setor empresarial.

Diferente do departamento de Recursos Humanos (RH), que se responsabiliza pela seleção, isto é, verificação se das pessoas e suas aptidões para ocupar determinado cargo da empresa, o Departamento Pessoal (DP) é responsável pela parte “burocrática” (relativo a legislação Trabalhista e Previdenciária). É o setor que elabora a folha de pagamento, faz registro das carteiras dos funcionários, calcula as guias do INSS e FGTS para pagamento, cuida da parte admissional, demissional, etc.

Por mais absurdo que possa parecer falta [muita] orientação jurídica básica no departamento pessoal. Coisas simples e que não deveria ocorrer acontecem diariamente e prejudicam muito as empresas no âmbito jurídico.

Um exemplo corriqueiro é o terrível hábito de fazer anotações em documentos.

Sim! Infelizmente, alguns profissionais da área anotam [na maioria das vezes à caneta] informações das mais diversas em documentos dos relativos aos funcionários. E não poucas vezes se tratam de informações que prejudicam a própria empresa.

Anotações são válidas, sim! Compartilhar informações no ambiente corporativo é fundamental para o bom desenvolvimento do trabalho, mas, por favor, vamos parar de anotar diretamente nos documentos! Combinado?

Ao invés disso, pode ser feito um relatório (mesmo que simples e resumido) objetivando o fornecimento de informações sobre os documentos arquivados.

Caso o profissional tenha um apreço por anotações no próprio documento, não seria mais fácil tirar cópia do documento e fazer as anotações devidas? Sei que não é a maneira mais ecologicamente correta e sustentável de se fazer a coisa, mas funciona! Ou então, simplesmente pode ser utilizado o bom e velho bloquinho de notas adesivo (sim, o post it). Genial não?!

Os empresários conhecem muito bem os impactos, mormente o financeiro, de uma ação judicial, sobretudo quando se trata de ações trabalhistas. Entretanto, algumas demandas poderiam ser evitadas com um trabalho preventivo conjunto entre setores específicos das empresas e o departamento jurídico. Em outros casos, as demandas poderiam ter uma diminuição drástica da contingência (valor estimado de uma possível condenação).

Analisemos um caso prático. Uma colega disse que certa vez foi acionada pela empresa para a qual seu escritório presta serviços, diga-se de passagem, uma das maiores empresas de varejo do país, alegando que havia um oficial de justiça esbravejando na sede da empresa.

Chegando ao local o servidor lhe disse que há mais de 2 horas aguardava ser atendido apenas para apresentar um ofício de reintegração de um funcionário, decisão originária da ação trabalhista que o funcionário movera em face da empresa. Assim, a advogada foi acionada, se deslocou até a sede da empresa e chegando lá apenas assinou o papel que o oficial apresentara.

Para seu espanto os profissionais do DP da empresa não sabiam o que deveriam fazer, totalmente perdidos foram orientados a entrar em contato com o funcionário, encaminhá-lo para o exame médico e posteriormente contatá-lo para o retorno ao trabalho. Convenhamos, esse definitivamente não é o trabalho de um advogado.

Quanto tempo foi perdido, não? Sim, perdido! Pois, nesse caso especificamente, a advogada poderia estar cuidando de assuntos de sua esfera de competência e responsabilidade. Ao invés disso, teve de se deslocar à sede do cliente (o que não deixa de ser algo positivo), mas para resolver um problema que deveria ter sido facilmente solucionado pelo departamento pessoal, mas que não o fez por pura falta de orientação, ou falta de vontade, isso nunca saberemos.

Enfim, caso a advogada não tivesse ido ao local resolver o “problema” o oficial de justiça poderia informar ao juízo da causa que a empresa estaria se negando a cumprir a decisão, o que poderia acarretar em severas consequências à companhia, certamente seria aplicada multa pecuniária com incidência diária. Que prejuízo!

Vamos a outro exemplo real do dia a dia, dessa vez na área de direito de família. Pois é... Se não houver cautela pode haver implicações às empresas em matérias do direito que a gente menos espera.

Um cliente do meu escritório é parte em uma ação de alimentos, na qual houve a estipulação de alimentos provisórios e o juízo oficiou a empregadora do alimentante (réu), informando a decisão liminar (alimentos provisórios), determinando desconto mensal do valor direto na folha de pagamento, realizando o depósito em conta corrente de titularidade da mãe. Vejamos o Ofício dirigido à empresa:

“Prezado (a) Senhor (a),

Pelo presente, requisito a Vossa Senhoria providências para efetuar descontos mensais, a título de alimentos, a partir do recebimento deste, na folha de pagamento do Sr. xxxxxxxx, Endereço xxxxxxxx, CPF xxxxxxxx, da quantia equivalente a Concedo justiça gratuita. Fixo os alimentos provisórios em importância equivalente a 33% de seu salário líquido, assim entendidos os brutos deles deduzidos a contribuição previdenciária, sindical e imposto de renda, incidindo também sobre 13º salário, férias, horas extras, abonos, gratificações, adicionais, comissões e verbas rescisórias, prêmios, participação nos lucros e o terço constitucional de férias. A pensão não incidirá sobre o FGTS..

Referida importância deverá ser paga ao (à) Sr (a). xxxxxxxx, CPF xxxxxxxx , mediante depósito em conta nº xxxx, Banco xxxx, Agência xxxx, ou outra que lhe venha a ser diretamente informada.

O não atendimento à requisição acima sujeita-se à pena de crime de desobediência (artigo 529, § 1º do CPC).

Atenciosamente.

Juiz (a) de Direito: xxxxxxxx”

Relevando alguns erros de digitação da decisão original e o fato de ter ocorrido supressão [proposital] das informações pessoais das partes, o texto do documento é claro no sentido de determinar os descontos mensais a partir do recebimento do ofício, ou seja, a empresa deve realizar descontos em todas as folhas de pagamento a partir do recebimento do ofício, observando o percentual de 33% dos rendimentos líquidos, prosseguindo-se até que haja nova ordem judicial (novo ofício revogando ou alterando os alimentos provisórios, ou ainda informando sobre a sentença do caso, a qual poderá manter, alterar ou revogar os alimentos).

Afinal o que diz o artigo 529 do Código de Processo Civil, mencionado no ofício?

“Código de Processo Civil - Art. 529 - Quando o executado for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa ou empregado sujeito à legislação do trabalho, o exequente poderá requerer o desconto em folha de pagamento da importância da prestação alimentícia.

§ 1o Ao proferir a decisão, o juiz oficiará à autoridade, à empresa ou ao empregador, determinando, sob pena de crime de desobediência, o desconto a partir da primeira remuneração posterior do executado, a contar do protocolo do ofício.”

Você pode estar se questionando qual a relação da empresa com isso, a não ser realizar os descontos e os depósitos?

Nesse caso, o departamento pessoal da empresa entendeu que deveria realizar o desconto apenas do mês em que o ofício foi recebido, por entender que deveria receber ofício sempre que fosse necessário realizar o mesmo procedimento. (É, eu sei...)

E pior, contrariando nossa orientação o DP da empresa empregadora do meu cliente realmente não promoveu os descontos do mês posterior, de forma que o alimentante foi obrigado a fazer os cálculos e realizar o depósito para evitar o inadimplemento da obrigação alimentícia.

Ok! Mas o que isso significa para a empresa na prática??

Eu explico. Não realizando o desconto dos alimentos e consequente depósito na conta da mãe da criança a empresa descumpre expressa ordem judicial, configurando em crime de desobediência (art. 330 do Código Penal).

Desobediência

“Código Penal - Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.”

Nesse caso quem incorre nas penas do crime é o responsável pela omissão do ato judicialmente imposto, o gerente ou coordenador do departamento, e na falta deste, o representante legal da empresa (administrador) e eventualmente os demais sócios não administradores, a depender da forma que ocorreram os fatos.

Evidencia-se, portanto, ser de extrema importância para haja contenção de demandas haver também interação entre setores administrativo e o jurídico, especialmente o departamento pessoal, independente de algum deles ou ambos serem terceirizados.

As reflexões aqui apontadas servem para empresas independente de seu porte ou setor. Aliás, as pequenas e médias empresas tendem a ser mais organizadas em comparação com as grandes companhias.

Não à toa, pois grandes corporações realizam análise de risco e transferem o valor do contingente jurídico ao cliente/consumidor. Porém, o aumento do preço final do produto, na maioria das vezes repassados ao consumidor final acarreta na perda de competitividade ou na diminuição da margem de lucro.

Mas isso não é regra, existem empresas cuja estrutura enxuta possibilitaria fácil administração desde que fossem organizadas e recebessem orientação adequada.

Moral da história: A prevenção é sempre a melhor opção.

No Brasil o número de demandas judiciais cresce absurdamente, o judiciário está abarrotado de processos, que na maioria das vezes não deveriam existir. Infelizmente, muitas pessoas utilizam o Poder Judiciário como uma ferramenta de “pressão” na tentativa de remediar a má gestão das empresas, que nem sempre é culpa exclusiva do dono, mas das pessoas que os cercam, esse terrível hábito vem sendo fortemente rechaçado pelo poder judiciário.

As empresas precisam investir recursos e empreender esforços em processo seletivo, não somente quando da admissão de colaboradores, mas também na contratação de prestadores de serviços, a fim de introduzir a pessoa certa na função mais adequada à sua capacidade considerando, ainda, a afinidade com o tipo de trabalho a ser executado.

Enfim, reforço que todos os setores da empresa devem ser acompanhados ativamente pelo jurídico. Havendo isso em todas as fases operacionais da empresa o resultado só pode ser redução de custo e consequente aumento de lucro.

Empresas que optem por não manter um setor jurídico internalizado, o que é comum e perfeitamente aceitável, deve redobrar o cuidado e não sair leiloando sua carteira de casos. O bom profissional não é o que cobra mais caro nem mais barato, é aquele que realiza o trabalho de maneira ética, dentro do prazo certo e cobrando o preço justo.

É importante que advogado e empresa construam uma relação de confiança, para tanto o profissional do direito deve transmitir segurança, mostrar como o trabalho será desenvolvido sem sonegar informações, deve transmitir com clareza e objetividade todas as informações à empresa por meio de seus administradores, sócios e/ou diretores.

Por fim, chega dessa história que advogado deve ficar resolvendo os casos atrás da sua mesa no escritório, esse tipo de advocacia funcionou há alguns anos, mas o mercado mudou e o profissional do direito deve acompanhar todas as mudanças que ocorrem ao seu redor. O advogado precisa atuar de forma ativa, deve buscar conhecer o negócio do seu cliente, estar fisicamente na empresa, conhecer todos os processos produtivos e operacionais, para, só assim, poder realizar um trabalho diferenciado com excelência.

Por Murilo Lemes

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