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6 de Maio de 2024

A judicialização da política na democracia delegativa

Publicado por Thiago Sabóia
há 4 anos

A JUDICIALIAZAÇÃO DA POLÍTICA NA DEMOCRACIA DELEGATIVA

Autor: Maécia Veras Marques Teixeira

Autor: Acadêmica de Direito da Faculdade Luciano Feijão

  1. INTRODUÇÃO

Este trabalho objetiva abordar o ativismo judicial no que tange atuação da judicialização da política no modelo de democracia delegativa com base no conceito de Guillermo O’Donnel (2013) que se consolidou no Estado democrático brasileiro, bem como a acentuação dos seus efeitos na crise da separação dos poderes e na interferência nos mandatos eletivos e, consequentemente, na soberania do voto popular

2. TEMÁTICA ABORDADA

Busca-se analisar os diferentes tipos de democracia em seus conceitos formais e históricos até a nova conjuntura apresentada por O’Donnell que a classifica como delegativa, cujo enfoque comporta a democracia brasileira e sua correlação com a judicialização da política. Para fins metodológicos de escrita foram utilizados o método hipotético dedutivo, o procedimento monográfico e a técnica de pesquisa bibliográfica pautada nos autores: Guillermo O’Donnell (2013) Hans Kelsen (2000), Luís Roberto Barroso (2012), Paulo Bonavides (2005), entre outros. Sabe-se que a estrutura democrática brasileira tem como fundamento o Estado Democrático de Direito sob a égide constitucional, bem como a Separação dos Poderes conforme preceituado no art. da Constituição Federal de 1988. Além disso, possui o judiciário a função precípua de guardar e proteger a Constituição, prevista no art. 102 da CF/88, cabendo-lhe decidir quando acionado, sobretudo, quanto à inconstitucionalidade ou descumprimento de preceito fundamental. Essa estrutura contribui para o fortalecimento e a hipertrofia do poder judiciário ante aos demais poderes, embora no modelo de separação dos poderes sejam independentes e harmônicos entre si, exercendo um controle mútuo para fiel execução dos interesses democráticos. Na perspectiva de O’Donnell (2013) a democracia brasileira é delegativa, porquanto não atinge o ideal representativo democrático. A mudança de um governo arbitrário ou ditatorial para inserção de uma democracia representativa requer tempo e o fortalecimento das instituições, primordiais para sua consolidação.

Palavras-chave: Judicialização da política. Democracia delegativa. Ativismo judicial. Separação dos poderes.

  1. INTRODUÇÃO

Este trabalho trata do ativismo judicial, especialmente sobre a judicialização da política no modelo de democracia delegativa com base no conceito de Gluillermo O´donnell (2013), além disso, intenciona abordar seus efeitos na separação dos poderes e na interferência da soberania do voto popular e nos mandatos eletivos.

Para efeitos didáticos o trabalho está dividido em quatro capítulos com seus respectivos subitens. No primeiro capítulo busca-se apresentar os conceitos e analisar historicamente o termo democracia, sua origem grega e o poder maior que se concentra no povo, além dos diferentes tipos e calcificações elaboradas no decorrer dos anos.

No segundo capítulo procura-se apresentar seus conceitos formais até a nova conjuntura apresentada por O´donnell (democracia delegativa), suas características e como ela se aplica ao modelo democrático brasileiro instituído.

No terceiro capítulo anota-se o fenômeno da separação dos poderes, bem como do neoconstitucionalismo, pois se torna trivial apresentar o papel da separação dos poderes no Estado moderno e sua missão de garantir autonomia e equilíbrio ao governo, desde os fundamentos apresentados por Aristóteles (2001) até autores atuais como Bonavides (2005), os quais delineiam as mudanças e adaptações sofridas na conjuntura da separação dos poderes e surgimento do sistema de freios e contrapesos e quanto à atuação destes no Estado democrático de direito.

No quarto capítulo busca-se correlacionar a judicialização da política num Estado que vivencia a democracia delegativa e favorece a instalação dessa participação jurídica da política em razão do enfraquecimento das instituições democráticas.

Cabe inferir aqui que entre os referidos autores não se despreza a existência de condições que conduzem ao ativismo judicial e, por conseguinte, a judicialização da política, em função da própria estrutura do Estado, pois o ato de conduzir questionamentos sociais ao conhecimento do judiciário em um Estado constitucional é um fato quase que inevitável. Além da força do neoconstitucionalismo, da supremacia judicial, da implantação do Estado democrático, outros fatores – inclusive situações de âmbito interno da política brasileira, como a crise de representação política – tendem a favorecer a judicialização.

2 CONCEITOS E TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS DA DEMOCRACIA

O termo “DEMOCRACIA” tem origem grega e etimologicamente significa a fusão das palavras demos=povo + kratein, kratos = governo, poder, soberania, ou seja, governo ou poder do povo. Não há uma definição de quando surgiu essa nomenclatura, mas estima-se que no século V a.C, conforme o entendimento de José Ribeiro Ferreira (1990, p.12-13) “o termo democracia, como é sabido, teve a certidão de nascimento na Grécia, como o regime a que se aplica. Segundo Forrest e Ehrenberg, teria surgido numa data imprecisa do segundo quartel do século V”. Portanto, tem-se como surgimento da democracia nos idos dos anos 500 em Atenas, momento em que o governo era exercido pelo tirano Pisístrato e, posteriormente, por seus filhos Hípias e Hiparco, os quais após o assassinato do seu pai saíram de Atenas, a partir de então que se abriu espaço para mudanças na constituição da Polís e a instalação de um novo regime: a democracia grega, a qual teve como precursores: Sólon, Clístenes, Péricles e outros.

2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO TERMO DEMOCRACIA

O conceito de democracia é formado por composição conforme apresentado anteriormente, assim como a Aristocracia, aristoi = “os melhores” e a Plutocracia, plutos, plousioi = ricos, no qual o poder está calcado na riqueza. Considera-se a democracia uma evolução quanto aos outras formas de governo, conforme menciona Arístóteles (2001, p. 149) “a tirania, sendo a pior dos governos, é necessariamente a forma mais afastada da forma bem constituída; a seguir vem a oligarquia, e por último a democracia, que é o mais tolerável dos três desvios” tendo em vista o valor axiológico abrangente do termo demos que significa povo, o qual traz para a participação política quem outrora era excluído pela oligarquia, tirania que governava à época na pólis grega.

2.2 CLASSIFICAÇÕES DOS TIPOS DE DEMOCRACIA

Segundo Aristóteles (2001) há várias formas de constituições e os participantes dessas conjunturas se comportam diferente em cada uma delas, por exemplo, na Aristocracia os títulos são entregues aos melhores, ou seja, são convidados ao governo os melhores; nas Oligarquias, a qualificação para exercer o poder devem ser os ricos, ou seja, o critério é o plousioi. Na Democracia por sua vez os cidadãos são chamados ao governo, portanto, nesses regimes o poder está centralizado em formas distintas, porém sem desvirtuar-se da finalidade última do Estado:

A conclusão é evidente: os governos que têm em vista o interesse comum está constituído em conformidade com os princípios de justiça e, portanto, estruturados corretamente, mas aqueles que têm em vista apenas o interesse dos governantes são todos falhos e formas desviadas das constituições corretas, visto que são despóticos, enquanto a cidade é uma comunidade de homens livres. (ARISTÓTELES, 2001, p. 123-124).

Embora o autor declare como sendo a liberdade inerente ao homem político, social que conduz seu destino de forma que possa, livremente, fazer suas escolhas sem, no entanto, prejudicar aos demais, não representa uma liberdade absoluta ou unânime, pois a política é a moral social que visa o bem-estar, portanto, é superior e perfaz-se na figura do Estado, enquanto a individualidade é a moral do ser humano. Nem tampouco a liberdade comporta todos os indivíduos, pois a comunidade de homens livres citados por Aristóteles é composta basicamente de pessoas virtuosas e escravos, logo, pobres e mulheres e os escravos propriamente ditos não inserem nesse contexto de liberdade. Ademais, traduzindo esse pensamento para os dias atuais, com a participação minorada do homem na vida pública – visto que este não é mais essencialmente político, mas somente parcialmente e preponderantemente econômico – com o surgimento da representação dos partidos políticos, os mandatos seriam, em tese, ofertados a pessoas virtuosas que promoveriam o bem comum por meio da política, contudo, não como bem entenderem, mas representando os interesses dos cidadãos.

2.2.1 Democracia delegativa

Após apresentar sob a perspectiva de vários pensadores a estrutura e a formação do Estado democrático, bem como suas características e classificações, conforme as observações discutidas pelos autores, doravante passa-se a analisar sob a ótica de que a consolidação da democracia representativa é um ponto a ser perseguido pelo Estado, mais especificamente a semidireta que é a vigente no Brasil, a qual servirá como o parâmetro, para posteriores correlações, análises e ponderações, embora um estudioso do porte de O’donnell (2013) suscite que a própria democracia representativa delega mais do que realmente representa.

O´donnell aponta que muitos regimes democráticos se aproximam mais de uma Poliarquia do que uma democracia propriamente dita. Sobre poliarquia cabe apresentar uma breve síntese, que se faz de forma bastante lúcida por Pereira (2014, p.10 e 101):

O conceito de “Poliarquia”. Segundo o autor, a palavra “democracia” evoca o cenário grego original, de participação direta. As democracias contemporâneas são pobres aproximações dos ideais democráticos, e que por isso devem ser classificadas como “poliarquias”. Mais especificamente, ele desenvolveu uma teoria que procura compreender quais as condições que favorecem ou desfavorecem a transição de um regime não poliárquico para um regime poliárquico. [...] A teoria de Dahl define “poliarquia” como a competição relativamente aberta de elites políticas por meio de disputas eleitorais periódicas, num sistema em que há uma pluralidade de forças, organizações e formas de influências políticas sobre a tomada de decisões. Noutras palavras, a poliarquia pode ser entendida como um sistema político em que uma pluralidade de organizações competem pela influência e, especificamente, em que os eleitores – cidadãos adultos considerados politicamente iguais – podem escolher entre vários partidos em eleições. A existência de diversos grupos ou diversas minorias garante o caráter poliárquico desse regime.

A expressão Poliarquia foi cunhada por Robert Dahl e manifesta a não consecução dos ideais democráticos, ou análise dos níveis e dos regimes de democracias, nos países que têm certa estrutura industrial ou de desenvolvimento, por meio de métodos que basicamente visam mensurar a participação ou a competição na política.

3 A SEPARAÇÃO DOS PODERES E O NEOCONSTITUCIONALISMO

Após apresentar conceitos, aspectos históricos e demais classificações sobre democracia até chegar ao título de democracia delegativa, passa-se agora a analisar a separação dos poderes e o neoconstitucionalismo, tratando dos conceitos e suas funções, bem como investigar em que circunstâncias se manifestam a crise na separação dos poderes e suas nascentes, a supremacia constitucional e introduzindo com a judicialização da política e suas razões.

Preliminarmente, há que mostrar a origem da separação dos poderes e, ainda, que de forma superficial a evolução do constitucionalismo até chegarmos à supremacia constitucional moderna e identificar sua interferência e os efeitos na estrutura do Estado democrático.

3.1 O PAPEL DA SEPARAÇÃO DOS PODERES NA DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL.

A teoria da separação dos poderes ou como chamam hodiernamente, isto é, a tripartição de poderes tem sua fundamentação histórica no pensamento de diversos atores, entretanto, foi Montesquieu com maior protuberância, teve seu nome diretamente envolvido? a essa teoria, contudo, naturalmente, seu pensamento sofreu influência dos teóricos clássicos, sobretudo Aristóteles por meio de seu livro “A política”, ao abordar, ainda que não fosse forma sistêmica, a discordância de que o poder do Estado, ou seja, as funções estivessem todas reunidas em uma só pessoa.

Em suma, a teoria da separação dos poderes consagra que os eles são autônomos e independentes, contudo, estão imbricados numa coesão inseparável, tendo em vista que o poder do Estado é uno, a tripartição visa à operacionalização e preservação desse valor, bem como a proteção dos interesses individuais e coletivos que antes estavam à mercê da vontade do soberano, que detinha o poder para si sem nenhum controle superior sobre seus atos. Porém, a atuação e aplicação dos poderes devem ser acima de tudo equilibrada, pois há a possibilidade desses regimes sobreporem um ao outro, desvirtuando o ideal democrático de sua separação, como, por exemplo, pode ser citado o ativismo judicial, quando o Judiciário avoca para si decisões que em regra não lhe compete. Em razão disso, surgiu o mecanismo de controle, trazido pela doutrina americana, chamado de Sistema de Freios e Contrapesos ou checks and balances, o qual determina os limites de atuação de cada poder sobre o outro, pois deve um poder se manifestar sempre que seu par ultrapassar ou limites de atuação, portanto, se o legislativo aprova uma lei eivada de vício material que contrariam os preceitos constitucionais poderá o executivo, por meio do veto, rejeitar o projeto de lei, a fim de garantir a legalidade e os interesses gerais. Da mesma forma, pode o judiciário na aplicação do sistema de freios e contrapesos declarar a inconstitucionalidade da lei, caso o executivo a sancione.

3.2 A EXPANSÃO DO NEOCONSTITUCIONALISMO E DO PODER JUDICIÁRIO NO ESTADO DEMOCRÁTICO

O constitucionalismo possui raízes no iluminismo francês, embora não se possa declarar que somente este fato histórico seja o responsável pela existência do constitucionalismo, mas pode-se afirmar que foi fator bastante relevante, por exemplo, as revoluções liberais, como a revolução gloriosa na Inglaterra, com o surgimento da Bill of rights de 1689, bem como a Revolução Francesa, que abriram cominho para o Estado democrático. O constitucionalismo é fruto das transformações sociais e políticas trazendo consigo os Estado de direitos que representaram amplas mudanças no escopo social e jurídico com a criação das dimensões dos direitos individuais. Nesse sentido, o surgimento desses direitos será mostrado neste trabalho em decorrência de mudanças sofridas pelo Estado.

Em primeiro lugar, as revoluções iluministas, principalmente a revolução francesa, buscaram impor limites a atuação do Estado, como, por exemplo, a separação dos poderes, a declaração de diretos de individuais. Dando início ao Estado liberal, o qual se caracterizava pela positivação nos textos constitucionais, a segmentação dos poderes e os direitos ligados a liberdade, como o voto, liberdade de pensamento, consubstanciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.

A predominância do liberalismo exerceu enorme influência junto ao Estado: deu-lhe uma orientação quase que exclusivamente passiva, numa acepção um tanto cínica, na medida em que conservava os direitos dos que já os possuíam (sobretudo os de cunho patrimonial), mas nada faziam pelos que não tinham direito a conservar, nem a defender. (UCHOA DE PAULA, 2016, p.29).

Nesse sentido, o Estado passa a exercer um papel de mantenedor dos direitos, tendo em vista o viés liberalista, individualista criado pelo movimento. Cabe ao Estado conservar os direitos adquiridos, no entanto, os mais fracos foram sendo excluídos, pois na medida em que se garantiam mais direitos aos que já possuíam como o direito de propriedade ia minguando os direitos dos mais pobres, nessa nova concepção de Estado, praticamente, passivo. Contudo, esse é marco histórico do Constitucionalismo em que o Estado deve contemplar uma lei magna que vise não somente a estrutura do Estado, mas também impor limite à sua atuação.

3.3 A ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E A PRESERVAÇÃO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

Conforme já mencionado, o poder judiciário ganhou notoriedade com o constitucionalismo moderno, sobretudo em função da ideologia criada pelo princípio democrático, devido a tamanha relevância ganhou lugar no escopo da constituição federal sendo positivado no caput art. da CF/88 “A república federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e municípios e do distrito federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos”. Assim, se origina da ideia central da existência do Estado e a partir disso se irradia por todo o ordenamento, preceitos e princípios inerentes ao Estado democrático. Como exemplo a proteção aos direitos individuas e coletivos, a organização do Estado, a separação dos poderes e demais garantias de cunho constitucional.

Noutras palavras, como se verá em capítulo específico, o Estado democrático de Direito é aquele que se pretende aprimorado, na exata medida em que não renega, antes incorpora e supera, dialeticamente, os modelos liberal e social que o antecederam e que propiciaram o seu aparecimento no curso da história. (MENDES, 2010, p.213).

4 A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA NA DEMOCRACIA DELEGATIVA.

Como é sabida a importância e quiçá imponência conferida ao poder judiciário no Estado democrático e em razão da expansão constitucional no século XX teve seus desencadeamentos que se impuseram à sociedade e ao próprio Estado, determinando poderes capazes de intervir noutros poderes como última forma em temas de cunho não necessariamente jurídico, mas sim político ou administrativo, em que o judiciário se vale do “interesse coletivo” determinando condutas ou proibindo determinadas ações do Estado. Nesse contexto, manifesta o ativismo judicial que abrange diversos ramos do direito, bem como diversos aspectos relevantes da sociedade e dentre eles podem se vir a judicialização da política a qual será devidamente explorada a seguir.

4.1 O FENÔMENO DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E O ATIVISMO JUDICIAL

O constitucionalismo moderno ou neoconstitucionalismo, como já fora fartamente explorado no capítulo anterior, teve suas vertentes mais agudas no pós Segunda Guerra Mundial, que foi determinante para que se modificasse o ideologia estatal, tendo em vista o total fracasso do Estado social, bem como todas as suas mazelas deixadas aos governados e à humanidade como um todo. Posteriormente com o surgimento de algumas constituições na Europa, Suíça, Alemanha, Inglaterra, deu-se vazão para a expansão do constitucionalismo no mundo, do mesmo modo o surgimento e fortalecimento do Estado democrático, em que a Constituição passa a ser quem detém o poder máximo e nela consiste a base edificante do Estado que representa os anseios sociais conservando seus direitos e garantias, bem como sua estrutura e formação, em detrimento do modelo anterior que privilegiava o poder do executivo, favorecendo governos ditatoriais.

Nesse sentido, menciona Barroso (2012, p. 5) “essa expansão da jurisdição e do discurso jurídico constitui uma mudança drástica no modo de se pensar e de se praticar o direito no mundo romano-germânico”. A partir desse momento histórico percebe-se, o protagonismo do poder judiciário em razão de caber a este a defesa, manutenção, preservação a aplicação em último caso da constituição, que representa a força da existência do Estado, não restando dúvida quanto a proeminência do poder judiciário. Desse modo exibe-se com mais latência o ativismo judicial e consequentemente a judicialização da política, embora não signifique necessariamente a marginalização dos demais poderes.

É relevante frisar que o ativismo judicial e a judicialização não são fenômenos idênticos, embora este esteja contido naquele, sendo que o Ativismo judicial consiste em o judiciário agir de diretamente, ante o comportamento negativo dos demais poderes, de forma a dar maior abrangência à atuação constitucional, por meio de interpretação extensiva, enquanto a judicialização é um modelo institucionalizado no Brasil, ou uma circunstância da própria democracia brasileira. Em ambos casos o Judiciário deve ser devidamente provocado, por força do princípio da inércia, além disso, há também o preceito previsto no art. , XXXV da CF/8) que estabelece o princípio da inafastabilidade do judiciário, ou seja, o judiciário pode ser sempre acionado e não cabe a este se recusar a apreciar quando for demandado. De tal modo explicita Barroso (2012, p. 5):

Judicialização significa que questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo decididas, em caráter final, pelo Poder Judiciário. Trata-se, como intuitivo, de uma transferência de poder para as instituições judiciais, em detrimento das instâncias políticas tradicionais, que são o Legislativo e o Executivo.

Portanto, no caso da judicialização observa-se que questões da natureza eminentemente política são levadas pelas instituições ou poderes do Estado à apreciação do judiciário, sobretudo o STF, como garantidor da pacificação social.

Normalmente, ele se instala – e este é o caso do Brasil – em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que determinadas demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. O oposto do ativismo é a autocontenção judicial, conduta pela qual o Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes. A principal diferença metodológica entre as duas posições está em que, em princípio, o ativismo judicial legitimamente exercido procura extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional, inclusive e especialmente construindo regras específicas de conduta a partir de enunciados vagos (princípios, conceitos jurídicos indeterminados). Por sua vez, a autocontenção se caracteriza justamente por abrir mais espaço à atuação dos Poderes políticos, tendo por nota fundamental a forte deferência em relação às ações e omissões desses últimos. (BARROSO, 2012, p. 10).

Grosso modo, a judicialização é a atuação do judiciário sobre assunto de responsabilidade em regra, dos demais poderes ou uma interferência do judiciário em outro poder quando acionado. Entretanto, quando se opera de maneira indevida busca-se no judiciário apaziguar, corrigir eventual distúrbio social, ofensa, distorção ou não aplicação dos preceitos constitucionais.

Diante disso, observou-se que o judiciário brasileiro teve seu papel majorado com advinda da CF/88 a qual representa a afirmação da reimplantação da democracia, alinhando-se aos anseios nacionais e internacionais influenciado pelo neoconstitucionalismo em função da implementação de Estado democrático, com valores, princípios e direitos positivados na carta constitucional. Por outro lado, em face da supremacia constitucional e de Estado de direito é que a Carta maior determinou como função primordial do STF a guarda da constituição federal, o que, fundamentalmente, lhe confere poderes de grandes proporções, embora, sejam obrigação de todos os poderes e instituições as funções de salvaguardar a constituição da república em defesa do Estado democrático:

No Brasil, o fenômeno assumiu proporção ainda maior, em razão da constitucionalização abrangente e analítica – constitucionalizar é, em última análise, retirar um tema do debate político e trazê-lo para o universo das pretensões judicializáveis – e do sistema de controle de constitucionalidade vigente entre nós, em que é amplo o acesso ao Supremo Tribunal Federal por via de ações diretas. [...] No Brasil, como assinalado, a judicialização decorre, sobretudo, de dois fatores: o modelo de constitucionalização abrangente e analítica adotado; e o sistema de controle de constitucionalidade vigente entre nós, que combina a matriz americana – em que todo juiz e tribunal pode pronunciar a invalidade de uma norma no caso concreto – e a matriz europeia, que admite ações diretas ajuizáveis perante a corte constitucional. (BARROSO, 2012, p. 6-7).

A atuação do judiciário brasileiro e a judicialização teve influência como advento da constituição Federal de 1988 que trouxe as funções delimitadas no texto constitucional, e posteriormente, com a criação da lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999 a qual dispões sobre o processo de julgamento da ação direta de inconstitucionalidade ou declaratória de constitucionalidade, que compete privativamente ao STF julgar tais ações quando devidamente provocado, exercendo o chamado controle concentrado de constitucionalidade. Nesse sentido, diversos assuntos de natureza constitucional, ou seja, que envolva direitos fundamentais, estrutura organização do Estado ou qualquer outra matéria que tenha residência na constituição federal, poderão doravante ser decididos em sede de tribunal jurídico. Ao estender a atuação do judiciário, caberá interpretar a carta magna e tomar uma decisão que atingirá diretamente grande parte da sociedade, senão toda ela, exercendo um poder político e não restritamente jurídico como idealizado originariamente, conforme listou Barroso (2012, p. 6) temas de natureza política que já estão em análise ou já foram objetos de apreciação pelo judiciário.

A judicialização da Política tende a florescer em democracias não estabilizadas, nas democracias em construção que são identificadas facilmente, sobretudo, em países que buscaram se democratizar após governos autoritários que estão concentrados com costumes alheios aos anseios democráticos e, portanto, servem as democracias delegativas em detrimento das democracias representativas, as quais necessitam das instituições democráticas, comportamentos e participação popular para sua consolidação, inclusive exige que o judiciário e as instituições estejam fortes, presentes e atuantes, porém cada um exercendo seu papel conforme determinado na Constituição.

Tem-se como características do Estado moderno que favorecem a manifestação do judiciário, validando como no caso, ora mencionado, do emprego das algemas, pois uma violação ao princípio constitucional se manifesta suficientemente para legitimar a atuação do judiciário ainda que legisle indiretamente, afinal por meio de ADI o STF resolveu uma questão que há muito aguardava regulamentação, desde a promulgação da lei de execucoes penais em 1984, mas somente em 2008 por meio da Súmula vinculante nº 11 é que a norma foi complementada.

Típico fato de judicialização de natureza política, visto que claramente o judiciário exerceu uma função que precipuamente deveria ser do poder executivo. Essa atuação positiva do judiciário traz diversas críticas sejam boas, sejam ruins, alguns autores dizem que essa supremacia do judiciário se materializando por meio do ativismo e da judicialização da política, não possui legitimidade democrática, em razão da investidura dos membros no judiciário, tendo em vista que não são eleitos diretamente pela manifestação popular e consequentemente a representação democrática, prevista para os outros dois poderes, em que o povo escolheria quem os governa.

Observa-se que o judiciário se vale de uma espécie de avocação ou até usurpação das outras funções políticas. De outra forma, não é desejável que ao judiciário caiba a função de exercer, prioritariamente, atribuições políticas típicas dos demais poderes da república, logo, quando o judiciário intervém a uma determinada situação criando normas que a priori caberia ao executivo ou ao legislativo estaria, fatalmente, exercendo um papel político, sobretudo quando sobre o ato cujo vício não é de natureza formal que consiste em respeitar o procedimento legal na elaboração. No entanto, está previsto constitucionalmente que por meio do controle de constitucionalidade, dos mecanismos de ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade) cabe exclusivamente ao judiciário decidir com efeitos erga omnes, sobre a constitucionalidade ou não, exercendo de fato um poder de legislar indiretamente.

4.2 OS EFEITOS DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA NA CRISE DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

A discussão agora aprecia os efeitos e a correlação do fenômeno da judicialização da política discorrido no tópico anterior, com a crise da separação dos poderes. Antes adentrar no mérito da questão é interessante apresentar o que seria a crise na separação dos poderes, conforme apontado no item 3.1 do capítulo anterior, a Separação dos poderes consiste, hodiernamente, em uma divisão de funções estatais, a qual não se vale mais do modelo histórico conforme propagado pelo pensador francês Montesquieu por volta do XVIII, mas sim de uma nova perspectiva cuja aplicação é flexível para o bom funcionamento do estado, haja vista a impossibilidade da valer-se de um sistema de separação rígida.

Portanto, como fora mencionado o modelo de separação dos poderes ou funções do Estado comporta em si um sistema de freios e contrapesos, bem como outras influências sofridas pela tripartição de poderes na democracia moderna, com a supremacia judicial, o Estado democrático constitucional, a ampliação e criação de direitos de natureza abstrata, crise de representatividade parlamentar e acima disso a não consolidação de uma democracia potencialmente representativa.

A tripartição de poderes moderna fundamenta a base da divisão de funções de maneira que os poderes exerçam a função estatal de forma independente e harmônica entre si, conforme preceituado no art. da Constituição Federal de 1988. Desse modo, o texto constitucional define os poderes e quais suas funções, portanto, compete ao legislativo a função típica de legislar e fiscalizar; cabe ao executivo, que é exercido pelo presidente da república, a missão de administrar e representar o Estado no âmbito interno e internacional, com a função de assumir o rumo e progresso do país como chefe maior da nação, cabendo-lhe o controle da contas públicas, inclusive a aprovação dos orçamentos dos demais poderes, com autonomia financeira, administrativa e política, para exercer a função de chefe do Estado e do governo e, por último, cabe ao poder judiciário a função típica de interpretar e aplicar a lei. Ademais o CF/88 atribuiu órgão máximo do judiciário, STF, a função precípua de ser o guardião da Constituição.

METODOLOGIA

Para que os objetivos propostos neste trabalho possam ser atingidos, nos valoremos da metodologia de pesquisa bibliográfica.

CONCLUSÕES

Diante da pesquisa desenvolvida é possível concluir-se que o fenômeno da judicialização da política é inerente a própria conjuntura do Estado democrático de direito em virtude da supremacia judicial, promovida pelo neoconstituicionalismo e, principalmente, quando se vale da perspectiva da democracia com base nos conceitos de O´Donnel, os quais denotam claramente que a democracia brasileira é essencialmente delegativa. Trata-se de um regime político que não incorpora a representação da soberania popular, mas sim um modelo no qual ao representante eleito é concedido uma espécie de delegação, tendo em vista que este não estará adstrito aos limites das relações de poder institucionalizadas, passando a governar como lhe convém.

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