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26 de Maio de 2024
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    A violência doméstica em tempos de pandemia no Brasil

    Publicado por Rodrigo Bernardes
    há 2 anos

    A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM TEMPOS DE PANDEMIA NO BRASIL

    RODRIGO BERNARDES

    CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DOS CAMPOS GERAIS

    RESUMO: A necessidade de se compreender uma realidade nova durante a pandemia de COVID-19 interferiu diretamente na vida de todo o mundo. Todas as áreas precisaram se adaptar de alguma forma, gerando momentos de incerteza e de insegurança. Porém, a medida mais agressiva foi a que estabeleceu a importância de, ao máximo, permanecer em casa com os familiares para proteger os seus e os outros. Para uns, facilitando o trabalho e podendo estar mais presente na vida dos filhos, porém, para outros, o alerta mais severo de perigo. Este artigo demonstrará o aumento significativo da violência doméstica em tempos de isolamento social.

    PALAVRAS-CHAVE: COVID-19; Violência doméstica; Isolamento social; Violência contra a mulher.

    ABSTRACT: The need to understand a new reality during the COVID-19 pandemic directly interfered in the lives of the entire world. All areas needed to adapt in some way, generating moments of uncertainty and insecurity. However, the most aggressive measure was the one that established the importance of, as much as possible, staying at home with family members to protect their own and others. For some, it makes work easier and can be more present in the lives of their children, but for others, the most severe warning of danger. This article will demonstrate the significant increase in domestic violence in times of social isolation.

    KEYWORDS: COVID-19; Domestic violence; Social isolation; Violence against women.

    INTRODUÇÃO

    Em uma realidade altamente inimaginável, a pandemia de coronavírus desestabilizou qualquer forte estrutura social, trazendo grandes períodos de incertezas e medo para toda a população mundial. As mudanças restaram presentes em todos os departamentos da sociedade, causando verdadeiras revoluções em que pese a “nova realidade”. As mudanças são visíveis a nível trabalhista, por exemplo, quando observada a forte tendência ao home office, tão difundido e, agora, tão conhecido por todos.

    Considerando a linha tênue entre incertezas e medos, a rotina de todos mudou completamente. A necessidade em cuidar dos seus mesmo com as mãos atadas causou danos psicológicos em massa como a ansiedade, depressão e crises de pânico, a essa altura, tão comuns.

    Em artigo para a seção saúde da Revista Abril, Francisco Nogueira, psicólogo e psicanalista definiu muito bem a situação no próprio título quando escreve (NOGUEIRA, 2020) “As dores da alma”. Neste, diagnostica a população com danos psicológicos a serem tratados por um longo período a partir de agora. Complementa que existiram fases no decorrer do ano onde cada uma se caracterizou por um fator. O início, pela surpresa, desencadeando a ansiedade pela impotência. Em sequência, com o decorrer do tempo, a angústia, fazendo iniciar as violências. A depressão devido ao seu prolongamento e, em seguida, as negações consoantes as flexibilizações que, tempo depois, teria consequências trágicas como a que se observou nos meses iniciais deste ano (NOGUEIRA, 2020).

    Ainda precisaremos lidar com a Fase 5, que envolverá o trabalho sobre o trauma e sobre o luto mal elaborado. Entretanto, o fato é que ainda não conhecemos os contornos finais da batalha contra a Covid. Mas é incontestável que a saúde mental tenha entrado no radar de nossas prioridades. E é assim que ela deve ser tratada pelas empresas, pelo governo e pela sociedade como um todo. (NOGUEIRA, 2020)

    A romantização do “estar em família” logo trocou de lugar com a violência que por este fator estava ainda mais suscetível. A tensão gerada com a união da instabilidade emocional e a convivência forçada gerou efeitos dolorosos às mulheres que, em trágicas estatísticas, perceberam que seus lares se tornaram ainda mais hostis.

    MATERIAL E MÉTODOS

    Para a realização deste artigo será feita a análise de artigos acadêmicos, notícias e estatísticas veiculadas pela mídia, além da legislação para redigir o conteúdo com relação ao crime enraizado através da violência doméstica contra a mulher.

    RESULTADOS E DISCUSSÃO

    Para preservar a condição de vulnerabilidade da mulher frente as violências realizadas por aqueles que residem juntos, é estabelecido através da lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, a popularmente conhecida “Lei Maria da Penha” devido a luta de Maria da Penha, vítima de uma dupla tentativa de homicídio realizada por seu então marido, Marco Antonio Heredia Viveros.

    O texto, utilizado para coibir a violência doméstica familiar contra a mulher tem como objetivos principais, in verbis:

    Art. Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. (BRASIL, 2006)

    Para que a mulher tenha o direito ao descrito em lei, a violência haverá de ser dada em âmbito de domesticidade, e, mesmo que as pessoas ali pertencentes não tenham vínculo familiar com a vítima, apenas por estarem nesta condição de convivência, já incorrem neste ordenamento. Também se vale para aqueles que já tenham tido relações intimamente afetivas com a ofendida e agora não residam mais junto dela. Para tanto, observa a lei, “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual” (BRASIL, 2006).

    São admitidas como violência contra a mulher, neste sentido, (BRASIL, 2006) a violência física “entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal”, psicológica “entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou controlar suas ações, comportamentos [...]”, sexual “qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada [...] que a impeça de usar qualquer método contraceptivo [...]”, patrimonial “conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos” e moral “entendi como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”.

    Quando o agressor incorre em qualquer destas violências, fica disponível à vítima que recorra a medidas protetivas estabelecidas na mesma lei. As medidas deverão ser aplicadas de imediato pelo Juiz ao agressor quando constatada a prática de violência, e serão:

    Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

    I - Suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003

    II - Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

    III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

    a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

    b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

    c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

    IV - Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

    V - Prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

    VI – Comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020)

    VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio. (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020)

    Além de existirem as alternativas para assegurar o distanciamento do agressor, como observado acima, ainda será preservada a integridade da vítima quando em situação de risco, (BRASIL, 2006) encaminhando-a para programas de proteção, trazendo-a para sua residência após remover o agressor ou “determinar a matrícula dos dependentes da ofendida em instituição de educação básica mais próxima do seu domicílio, ou a transferência deles para essa instituição, independentemente da existência de vaga”. Além do mais, para o caso de violência patrimonial, diz o texto:

    Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

    I - Restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

    II - Proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

    III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

    IV - Prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

    Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.

    Consequentemente, caso o agressor descumpra com as medidas acima destacadas, sob todas as formas de violência, será apreciada a pena de 3 meses a dois anos de detenção, não deixando de perceber as outras possíveis sanções também devidas.

    As relações de violência ficaram ainda mais destacadas neste período de pandemia, haja vista o contato e permanência frequente da vítima com seu agressor. Em matéria de Lucila Bezerra para o site Brasil de Fato (2021) a mesma entrevista a advogada Margareth Senna, que diz:

    “Os estados onde os números de violência doméstica, através das denúncias em delegacia, aumentaram, não é que houve um aumento somente por conta da pandemia. Realmente, o que a pandemia fez foi exacerbar aquelas situações que já existiam. Não houve agressor que se tornou agressor por causa da pandemia. Essa agressão já existia, acontece que como o agressor não estava com a mulher e os filhos o tempo todo, a mulher conseguia suportar isso”. (BEZERRA, 2021)

    O medo que tomou conta das casas de todo o país resultou em uma ação colaborativa de diversos patamares da sociedade que juntos estimularam seus papéis sociais de combate a violência doméstica. Foi o caso da empresa Magazine Luisa, que em seu aplicativo dispõe de um botão discreto de denúncia. A ferramenta já havia sido implementada antes da pandemia, mas tomou ainda mais força nesta época devido à dificuldade de a mulher ficar sozinha e conseguir telefonar para a polícia.

    No Brasil, segundo a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), entre os dias 1º e 25 de março, mês da mulher, houve crescimento de 18% no número de denúncias registradas pelos serviços “Disque 100” e “Ligue 1808”. No país, o necessário isolamento social para o enfrentamento

    à pandemia escancara uma dura realidade: apesar de chefiarem 28,9 milhões de famílias, as mulheres brasileiras não estão seguras nem mesmo em suas casas.

    Dos 3.739 homicídios de mulheres em 2019 no Brasil, 1.314 (35%) foram categorizados como feminicídios. Isso equivale a dizer que, a cada sete horas, uma mulher é morta pelo fato de ser mulher. Ao analisar o aspecto vínculo com o autor, revela-se que 88,8% dos feminicídios foram praticados por companheiros ou ex-companheiros. Assim, é comum que as mulheres

    estejam expostas ao perigo enquanto são obrigadas a se recolherem ao ambiente doméstico. (VIEIRA; GARCIA; MACIEL, 2020)

    Isto posto, percebe-se que a pandemia não gerou apenas o medo de morrer pelo vírus, mas, para tantas, o medo de morrer dentro de sua própria casa, em frente aos seus filhos e, ainda, com o seu companheiro como agressor.

    CONCLUSÃO

    O presente artigo demonstrou o impacto da pandemia nas relações familiares brasileiras. Para tanto, foi necessário observar e fazer a análise dos incisos da Lei Maria da Penha, criada em 2006 após a experiência de quase morte da vítima Maria da Penha dentro de seu próprio núcleo familiar.

    A partir da conclusão das informações coletadas, restou percebido a necessidade de alternativas as denuncias via telefone, principalmente neste momento em que o contato da vítima com seu agressor é frequente. Inexiste, nesta situação, a possibilidade de ligações telefônicas para denunciar agressões devido a permanência constante do agressor na residência.

    Neste caso, também ficou claro a atuação de grandes empresas brasileiras a fim de viabilizar o acesso a uma central de denúncias de maneira silenciosa e modesta, que não colocasse a vítima em situação de risco ainda maior.

    REFERÊNCIAS

    BEZERRA, L. Após 15 anos, Lei Maria da Penha ainda esbarra em dificuldades para sua execução. 2021. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/2021/08/12/apos-15-anos-lei-maria-da-penha-ainda-esbarra-em-dificuld.... Acesso em 27 de set. de 2021.

    BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em 27 de set. de 2021.

    NOGUEIRA, F. As dores da alma mudam: os efeitos psicológicos da pandemia. 2020. Disponível em: < https://saúde.abril.com.br/blog/comapalavra/as-dores-da-alma-mudam-os-efeitos-psicologicos-da-pand.... Acesso em 27 de set. de 2021.

    VIEIRA, P. R.; GARCIA, L. P.; MACIEL, E. L. N. Isolamento social e o aumento da violência doméstica: o que isso nos revela? Revista Bras Epidemiol, 2020.

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