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22 de Maio de 2024

Breve Histórico do Voto no Brasil

Publicado por Ana Davids
há 8 anos

Quando falamos em voto no Brasil é necessário lembrarmos o fato de que o país possui hoje o terceiro maior eleitorado do mundo, atrás apenas da Índia e os Estados Unidos. E que o Estado é democrático há pouco tempo, por isso falamos de uma democracia ainda incipiente que tem como problemas a presença de influência de poderes regionais e coerções, além do abuso da condição miserável de uma grande parte da população.

A construção desse problema se verifica historicamente, e está enraizada na própria sedimentação do processo eleitoral no país. Portanto, para chegarmos a um panorama atual do voto brasileiro e refletirmos sobre sua obrigatoriedade ou não, é necessário ponderar a respeito da história da democracia no país e sobre as questões nacionais ligadas a ele historicamente.

Pensando a respeito de hoje:

Atualmente o Brasil conta com 73.101 cargos políticos:

- 1 presidente e 1 vice-presidente

-513 deputados federais

-81 senadores

-27 governadores e 27 vice-governadores

- 1.058 deputados estaduais

- 5.559 prefeitos e 5.559 vice-prefeitos

- 60.277 vereadores

Possuímos, portanto um grande número de cargos eletivos que vão desde a esfera municipal até a estatal e nacional, organizados em um sistema racional muitas vezes ineficaz e burocratizado, gerido por profissionais corruptos e ineficientes, o que tem gerado uma descrença em relação à política no país e tem relegado à participação pública nas questões do Estado uma boa dose de alienação e rejeição.

No entanto, mesmo diante desse panorama devemos lembrar as conquistas históricas do voto no Brasil, que acompanharam a própria evolução social. Começaremos aqui pelo Império, o período compreendido entre 1824 e 1889. Lembremos que o sistema político de então era a monarquia constitucional parlamentarista de influência britânica, no entanto com a presença do poder moderador. O chefe de Estado na época era o Imperador Dom Pedro I e o Estado era organizado pela Constituição de 1824, com base na Constituição Francesa de 1791 e na Espanhola de 1812.

Os cargos eletivos eram os de juiz de paz e vereador. De acordo com Jairo Nicolau, no livro “História do Voto no Brasil”, cabiam aos vereadores a administração das vilas e cidades. As câmaras eram formadas por 7 vereadores nas vilas e 9 vereadores nas cidades e eram presididas pelo vereador mais votado. Votava-se também para a Assembléia Provincial, de função legislativa e para Deputados e Senadores. Cabia ao Imperador escolher um entre três senadores para a posse de um cargo vitalício. Também cabia ao Imperador escolher os presidentes das províncias.

Portanto, o sistema político, embora contemplasse alguns cargos eletivos não era democrático por inteiro, estando o poder centralizado nas mãos de D. Pedro. O eleitorado era dividido entre os votantes e os eleitores. Os votantes determinavam quais seriam os eleitores. Votantes teriam que ter renda mínima de 100 mil réis. Eleitores, de 200 mil réis. Só poderia ser eleitor aquele que fosse homem, com no mínimo 25 anos de idade, 21 se fosse casado, militares, clérigos ou bacharéis. Por aí tempos um perfil do poder social imperial, compreendido pela Igreja, pela ciência e pela força e pela supremacia masculina na participação dos assuntos do Estado.

A questão do voto no país foi ganhando complexidade. Por exemplo, entre os anos de 1824 e 1842 (é de 1824 a primeira lei eleitoral), a Constituição passou a exigir que as cédulas fossem assinadas pelo eleitor, o que mostra um começo de preocupação de evitar as fraudes no sistema. E também tivemos como evolução o fato de que o juiz começou a determinar quais cidadãos estavam aptos a participar do pleito. Em 1875 já temos como novidade o surgimento do primeiro título de eleitor, que deveria ser acompanhado de documentação que comprovasse a renda do indivíduo. Em 1846, passou a ser obrigatório que o próprio votante depositasse nas urnas sua cédula.

A Lei de 1875 veio com uma novidade de extrema importância para as eleições nacionais: foi ela que decretou o sigilo do voto no Brasil. Essas mudanças visavam à proteção da minoria do eleitorado, que ficava, assim, menos suscetível às coerções dos grupos majoritários do poder. Nessa época o voto ainda não era obrigatório, mas era, sim, um direito de poucos.

Durante a Primeira República, período compreendido entre os anos de 1889 e 1930, o direito ao voto começa a tornar-se mais democrático, com a conquista, por exemplo, da abolição da exigência de renda para participar do processo eleitoral. Trata-se de voto que ainda não era obrigatório, no entanto só era possível aos homens com 21 anos ou mais que soubessem ler e escrever. A legislação que regulamentou essa prática foi o Decreto nº 200-A, a primeira lei eleitoral do regime.

Com a proclamação da República, os principais postos de poder do país tornaram-se eletivos. A primeira constituição republicana criou o sistema presidencialista. No entanto, durante esse período, as fraudes eram comuns nas eleições, como exemplo tem o famoso “bico de pena”, em que havia a adulteração do voto pelos próprios mesários.

Outro aspecto de corrupção ligado ao voto na época ficou conhecido como a “Degola”, em que candidatos eleitos não assumiam os cargos por conta da força dos coronéis locais, que ainda impunham aos seus “governados” o voto de cabresto. Portanto, se existia um processo de eleições, ele era democrático apenas no nome, pois na prática, servia para legitimar o poder informal local.

Ainda assim, a democracia não estava completa, pois o comparecimento era pouco. Em 1912, na eleição para a Câmara dos Deputados, compareceu para votar somente 2,6% da população. Em 1930, na eleição para presidência da República, pouco mais de 5% foi às urnas. Número baixíssimo. Os analfabetos na época somavam mais de 50% da população. As mulheres eram excluídas do direito ao voto.

Em 1930, com o regime de Getúlio Vargas, de acordo com o Código eleitoral de 1932, as mulheres também poderiam votar (o Brasil foi o segundo país da América latina a instituir o voto feminino, atrás do Equador). O alistamento para votar era feito voluntariamente ou ex-officio, onde os chefes de empresas ou repartições públicas inscreviam seus subordinados.

O Congresso também nessa época passou a prever sanções para aqueles que não se inscrevessem. Para ser aceito em um cargo público, era necessário apresentar o título de eleitor, prática comum até os dias de hoje. A idade para votar passou a ser 18 anos.

A Constituição Federal de 1934 regulava as questões ligadas ao voto, como o descrito abaixo:

“Art 23 - A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos mediante sistema proporcional e sufrágio universal, igual e direto, e de representantes eleitos pelas organizações profissionais na forma que a lei indicar.

§ 1º - O número dos Deputados será fixado por lei: os do povo, proporcionalmente à população de cada Estado e do Distrito Federal, não podendo exceder de um por 150 mil habitantes até o máximo de vinte, e deste limite para cima, de um por 250 mil habitantes; os das profissões, em total equivalente a um quinto da representação popular. Os Territórios elegerão dois Deputados.

§ 2º - O Tribunal Superior de Justiça Eleitoral determinará com a necessária antecedência e de acordo com os últimos cômputos oficiais da população, o número de Deputados do povo que devem ser eleitos em cada um dos Estados e no Distrito Federal.

§ 3º - Os Deputados das profissões serão eleitos na forma da lei ordinária por sufrágio indireto das associações profissionais compreendidas para esse efeito, e com os grupos afins respectivos, nas quatro divisões seguintes: lavoura e pecuária; indústria; comércio e transportes; profissões liberais e funcionários públicos.

§ 4º - O total dos Deputados das três primeiras categorias será no mínimo de seis sétimos da representação profissional, distribuídos igualmente entre elas, dividindo-se cada uma em círculos correspondentes ao número de Deputados que lhe caiba, dividido por dois, a fim de garantir a representação igual de empregados e de empregadores. O número de círculos da quarta categoria corresponderá ao dos seus Deputados.

§ 5º - Excetuada a quarta categoria, haverá em cada círculo profissional dois grupos eleitorais distintos: um, das associações de empregadores, outro, das associações de empregados.

§ 6º - Os grupos serão constituídos de delegados das associações, eleitos mediante sufrágio secreto, igual e indireto por graus sucessivos.

§ 7º - Na discriminação dos círculos, a lei deverá assegurar a representação das atividades econômicas e culturais do País.

§ 8º - Ninguém poderá exercer o direito de voto em mais de uma associação profissional.

§ 9º - Nas eleições realizadas em tais associações não votarão os estrangeiros.

Art 24 - São elegíveis para a Câmara dos Deputados os brasileiros natos, alistados eleitores e maiores de 25 anos; os representantes das profissões deverão, ainda, pertencer a uma associação compreendida na classe e grupo que os elegerem. “

É do tempo de Vargas a criação da Justiça Eleitoral. Como golpe de 37, o congresso fecha e acabam as eleições e partidos. Até 1945 não houve eleição para Câmara dos Deputados. Neste ano, Vargas cria um decreto lei regulando as eleições. Essa é considerada historicamente a primeira eleição presidencial verdadeiramente democrática do Brasil. Alguns dos decretos estão listados abaixo:

Lei Constitucional nº 9, de 28 de fevereiro de 1945 Altera a Constituição de 1937 e autoriza a convocação de eleições Decreto-Lei nº 7.586, de 28 de maio de 1945 Regula, em todo o País, o alistamento eleitoral e as eleições a que se refere o art. 4º da Lei Constitucional nº 9, de 28 de fevereiro de 1945 Decreto-Lei nº 7.700, de 3 de julho de 1945 Dispõe sobre o afastamento dos membros dos Tribunais Regionais e Juízes Eleitorais Decreto-Lei nº 7.750, de 17 de julho de 1945 Torna possível ao eleitor, nas capitais dos Estados e no Distrito Federal, até o ato de inscrição, escolher o domicílio eleitoral Decreto-Lei nº 7.926, de 3 de setembro de 1945 Dispõe sobre o alistamento eleitoral Decreto-Lei nº 7.944, de 10 de setembro de 1945 Dispõe sobre a revalidação de título eleitoral expedido na vigência do Decreto nº 21.076, de 24-2-1932, e da Lei nº 48, de 4-5-1935 (Código Eleitoral) Decreto-Lei nº 8.166, de 9 de novembro de 1945 Concede o direito de voto a brasileiros incorporados às Forças Armadas, durante a guerra, e dá outras providências”

Na era Vargas, houve crescimento de 329% no eleitorado nacional através também do alistamento de eleitores pelos sindicatos. Em 1946 o alistamento era obrigatório para os maiores de 18 anos. Em 1950 acaba o alistamento ex-officio e a responsabilidade passa a ser do eleitor. Em 1955, é criada a seção e o voto passa a ser regulamentado na cidade de residência do indivíduo. No entanto, até 1980 não votavam os analfabetos.

Pensando na história do Brasil e em todas as manobras políticas que concernem ao voto, é desestimulante pensar que o país conheceu um retrocesso político através da decretação de um golpe de origem militar em 1964, que durou até 1985. Durante o golpe militar, as eleições foram indiretas. Em 1965, era prevista uma multa de 5% a 20% do salário mínimo a quem não comparecesse para votar. Durante o período militar também concerniam ao voto sanções.

Aquele que não cumprisse com seu dever não poderia tomar posse de cargo público, não tiraria passaporte, carteira de identidade nem poderia pegar empréstimos de órgãos públicos. Atualmente o voto no Brasil é obrigatório a todos os com 18 anos ou mais sejam homens, mulheres ou analfabetos, e facultativo aos de 16 anos ou mais e o país ainda encontra problemas como voto dirigido, compra de votos e corrupção.

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