Inaplicabilidade do Pacta Sunt Servanda nos Contratos Consumeristas
RESUMO
A ideia de que o contrato deve ser considerado como lei entre as partes, estando desvinculado das previsões normativas de caráter consumerista, evidencia a sobreposição do princípio do Pacta Sunt Servanda aos contratos regidos pelo Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, vale evidenciar que tal concepção encontra-se obsoleta, visto que o contrato, que antes era estritamente particular (segundo as disposições do Código Civil de 1916), passou a visar interesses extensivos à toda a coletividade. De igual modo, houve a relativização do princípio da Autonomia da Vontade, que rege a soberania contratual. Assim, tal definição, outrora inquestionável, encontra-se limitada pela intervenção normativa do Estado. A saber, nos contratos orientados pelo Código de Defesa do Consumidor
Palavras-chave: Contrato, Código de Defesa do Consumidor, pacta sunt servanda.
1. INTRODUÇÃO
A concepção moderna de Pacta Sunt Servanda, tal como citado nas diversas teses de defesa das empresas , já não encontra amparo em seu conceito originário, como era cabível durante a vigência do Código Civil de 1916. Após a elaboração do Novo Código Civil, em 2002, os princípios da legalidade e da boa-fé nos contratos passaram a orientar a submissão dos demais à não-obrigatoriedade absoluta do caráter legal que o contrato exerce.
É possível observar que nas relações litigiosas entre empresa e consumidor, não há uma clara igualdade entre os entes que compõem os polos ativo e passivo. Isto é, o procedimento probatório favorece a posição do fornecedor perante o consumidor. Para tanto, a fim de sanar tal discrepância, há a intervenção procedimental do Código de Defesa do Consumidor.
O consumidor obtém, em muitos casos, o ônus de assegurar a veracidade das alegações, porém, com a desvantagem de não possuir os meios de prova, tais como: requisições de serviços para resolução de problemas anteriores ao ajuizamento da ação, protocolos de atendimento presencial e/ou à distância, comprovantes de pagamento, ressarcimentos e estornos, registros audiovisuais obtidos por sistema de segurança do estabelecimento, etc.
O fato de o consumidor não ser o detentor de tais instrumentos probatórios, evidencia, por si só, o desequilíbrio na relação processual. O CDC surge, então, como um texto normativo de amparo e proteção aos direitos do consumidor, a fim de regulamentar as relações consumeristas de modo a atribuir devidamente as responsabilidades próprias do fornecedor e do consumidor através do estabelecimento de procedimentos, prazos e penalidades.
2. PACTA SUNT SERVANDA E AUTONOMIA DA VONTADE
Atualmente, é possível compreender a não admissão da aplicação plena do pacta sunt servanda. Nesse quesito, o principal ponto de questionamento tem como base o impedimento do exercício ilimitado dos direitos individuais de modo a sobrepujar a expressão de vontade do consumidor. Nas palavras de Renata Mandelbaum:
"Antes mesmo de romper-se com a questão do dogma da autonomia da vontade, falava-se em sua limitação, tendo cada ordenamento através de leis específicas, para situações concretas, determinadas em razão da necessidade do tráfico negocial, imposto limitações ao poder de contratar das partes. Em resumo, observe-se que inicialmente a autonomia da vontade era limitada pela impossibilidade de serem firmados pelos particulares, negócios ilegais ou imorais, sendo que a ilegalidade era observada não somente como fraude a lei, mas a toda a ordem pública". (MANDELBAUM, 1996: p. 78).
Dessa forma, a existência das cláusulas abusivas ou demasiadamente onerosas ao consumidor, ainda que com firmamento (demonstrando a clara anuência de ambas as partes), pode ter sua eficácia mitigada em face da aplicação de outros princípios que se impõem de forma superior aos da Autonomia da Vontade e do Pacta Sunt Servanda, quais sejam, os princípios da Legalidade e da Boa-fé.
A aplicação dessas cláusulas, tendo em vista o Novo Código Civil de 2002, apresenta-se como ofensivas à ordem pública, sendo caracterizada como ilegalidade. Assim, os paradigmas liberais que norteavam o código consumerista, a partir dos conceitos principiológicos do contrato como “Lei entre as partes” e do Pacta Sunt Servanda passaram a ser relativizados. Logicamente, eles necessitam atenção, visto que o contrato não pode ser meramente desconsiderado, para todos os efeitos.
Ou seja, é necessário observar qual foi a intenção do fornecedor ao estabelecer tais cláusulas e se elas contemplam a existência do fumus boni Iuri, visto que tal relação consumerista deve estar dentro dos parâmetros de ordem pública e segurança jurídica. O estado de hipossuficiência do consumidor em relação ao seu fornecedor propicia um ambiente favorável ao abuso e à onerosidade desmedida e, a partir de tal percepção, é aduzida a aplicação das disposições do Código do Consumidor como limitação ao exercício da Autonomia da Vontade.
Nesse quesito, a proteção no Código de Defesa do Consumidor se faz presente ao ponto de assegurar a devida intervenção no universo contratual para impedir a aplicação das clausulas contraditórias, ambíguas, obscuras e abusivas. Não há, portanto, a posição omissiva do Estado em relação às relações consumeristas, conforme argumenta Caio Mario da Silva Pereira:
Ante influências tais [...] medrou no Direito moderno a convicção de que o Estado tem de intervir na vida dos contratos, seja mediante a aplicação de leis de ordem pública, que estabelecem restrições ao princípio da autonomia da vontade em benefício do interesse coletivas, seja com a adoção de uma intervenção judicial na economia do contrato, instituindo a contenção dos seus efeitos, alterando-os ou mesmo liberando o contratante lesado, por tal arte que logre evitar que por via dele se consume atentado contra a justiça. PEREIRA, Caio Mario da Silva (2006, p.27).
Assim, o posicionamento do Estado em face das relações entre particulares permanece incorporada e ativa para imprimir suas determinações de encontro à vontade das partes. Não ocorre a apreciação rígida de impossibilidade da observância revisora das cláusulas, principalmente quando se tratar de estabelecimentos de prestações que afetem o equilíbrio contratual por conta de sua desproporcionalidade.
Ou seja, apesar da obrigatoriedade, o contrato poderá, conforme entendimento judicial, revisado para dirimir questões que envolvam a iminência de prejuízo a uma das partes. Vale ressaltar que isso não fica restrito ao sentido Consumidor – Fornecedor, mas é valido, também, em sentido contrário, conforme o caso.
A superveniência de fatores que extrapolem o atendimento isonômico dos interesses das partes, ainda que não previstas em contrato, poderão ser trazidas à tona para que sejam levadas em consideração juntamente com as cláusulas revisoras.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 6. ed. rev. e atual. de acordo com o novo código civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2002, v. 1.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
JUSTEN FILHO. Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 8. ed. São Paulo: Dialética, 2000.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15. ed. ref., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003.
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
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