Live regada a álcool: o CONAR no caso Gusttavo Lima
O cantor cometeu algum ilícito ao beber em casa?
A pandemia do coronavírus tem alterado a rotina de muitos profissionais, dentre eles, cantores, que passaram a fazer shows de sua casa, as famosas lives, se aproveitando do espaço para campanhas publicitárias.
Assim foi com o cantor sertanejo Gusttavo Lima, que acabou gerando bastante polêmica. É que durante seus home shows, intitulados "Live Gusttavo Lima - Buteco em Casa" e "Buteco Bohemia em Casa", que duraram horas, o cantor ingeriu bebida alcoólica por diversas vezes, mas ele infringiu alguma norma?
A INTERVENÇÃO DO CONAR
O CONAR, Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, abriu uma representação ética contra as ações publicitárias do aludido cantor, com base em diversas denúncias recebidas pela internet. Entre as reclamações, estavam a falta de mecanismo de restrição de acesso ao conteúdo das lives a menores de idade e a repetida apresentação de ingestão de cerveja, em potencial estímulo ao consumo irresponsável do produto.[1]
Importante ressaltar que o CONAR nada mais é do que uma associação sem fins lucrativos, formada por publicitários, que tem por missão autorregulamentar a publicidade no Brasil. Portanto, tal entidade não tem nenhuma ligação com o Estado, não podendo impor sanções jurídicas.[2]
Desse modo, as penalidades que o CONAR pode aplicar, com base nessa representação ética, são bem brandas, que vão da advertência a uma recomendação de sustação da peça publicitária, e não possuem mecanismos para impor sua decisões.[3]
A SÚMULA Nº 9 DO CONAR
As súmulas que o CONAR elabora são fruto de decisões aprovadas pelo Plenário do Conselho de Ética, e caracterizam, objetivamente, uma infração aos dispositivos do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.
A súmula nº 9, de 5 de outubro de 2017, sintetiza algumas determinações na publicidade de bebidas alcoólicas, em duas partes: a primeira, proíbe o apelo imperativo de consumo; e a segunda, dita a necessidade de expor a cláusula de advertência para responsabilidade social no consumo. [4]
O apelo imperativo pode ser entendido como o ato de ingerir as bebidas durante a publicidade, por exemplo, o que também é explicitamente proibido pelo Código;[5] e a cláusula se materializa na famosa advertência: "beba com moderação", entre outras frases semelhantes.[6]
O MECANISMO DE RESTRIÇÃO PARA MENORES
O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, na categoria que trata de bebidas alcoólicas, determina que "websites pertencentes a marcas de produtos que se enquadrem na categoria aqui tratada deverão conter dispositivo de acesso seletivo, de modo a evitar a navegação por menores"[7].
A interpretação literal do artigo faz crer que a obrigação só estaria presente, se a plataforma pertencer a marca do produto, o que afastaria sua aplicação ao caso sob análise, tendo em vista que o anunciante, no caso a Ambev, não é proprietário do youtube, onde foi veiculado a live.
No entanto, partindo para uma interpretação teleológica, a norma se aplica a este caso, e pede apenas que haja uma barreira de acesso a menores a esse tipo de conteúdo, e, inclusive, o youtube possui uma ferramenta desse tipo.
A LIVE 'BUTECO BOHEMIA EM CASA'
Durante esse show, Gusttavo Lima fez uso de diversas bebidas alcoólicas, sendo visível os momentos em que o cantor levava a bebida anunciante - e as demais - a boca, e as ingeria.
Desta feita, infringiu a primeira parte da súmula nº 9, mencionada acima, que se refere ao apelo imperativo; mas não a segunda parte, pois é possível observar, durante o show, a cláusula posicionada logo abaixo do espaço reservado à comunicação por Líbras, em tom azul: "BEBA COM MODERAÇÃO".
Entretanto, há um contrassenso entre a conduta do cantor e a advertência, pois, ao fazer uso de cerveja, pinga, gin, vodka, whisky, tequila, e licor[8], e estar visivelmente embriagado em alguns momentos, sua conduta passou longe da moderação.
Quanto ao mecanismo de restrição para menores, observa-se que mesmo o youtube possuindo ferramenta nesse sentido, ela não foi utilizada, podendo a live regada à álcool ser acessada por qualquer pessoa, independente da idade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Importante entender que o caso do cantor não foi de uma pessoa qualquer cantando em casa e bebendo cerveja: trata-se, em verdade, de um show, com publicidade de diversas empresas, como a Cielo, BMG, Casas Bahia, Abrape, Perdigão, Serasa, entre outros. Ele não estava apenas "bebendo em sua casa", como dito por alguns, ele estava, em verdade, trabalhando e ganhando para divulgar produtos. Dessa forma, é preciso seguir as normas relativas à atividade desempenhada.
Como a atividade em questão foi a publicidade, justificada está a atuação do CONAR ao caso, e deve os partícipes nos anúncios se submeterem a legislação e regras referentes a esse ramo. Ademais, sendo eles profissionais da área, conhecem bem as normas envolvidas.
Cumpre esclarecer, também, que a abertura de qualquer processo contra qualquer pessoa não aponta, em tese, a culpabilidade ou ilicitude da conduta, visto a velha máxima "inocente até que se prove o contrário". A abertura da representação pelo CONAR também se reveste dessa premissa, sendo dado oportunidade aos envolvidos para se defenderem antes que a associação chegue a algum veredicto.[9]
Assim, entende-se que Gusttavo Lima e a anunciante não cumpriram todas as normas do CONAR, e, por isso, devem receber alguma das brandas penalidades já mencionadas. Além do que, o fato de ter feito/arrecadado doações durante a live, não dá passe livre ao cantor para infringir as normas, e, assim, deve ser responsabilizado.
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REFERÊNCIAS:
[1] CONAR. Conar abre representação ética contra ações publicitárias na "Live Gusttavo Lima". CONAR, 2020. Disponível em: < http://www.conar.org.br/#/noticias/detalhe >. Acesso em 16 de abr de 2020.
[2] Cf. o Art. 1º do Estatuto Social do Conar.Disponível em: < http://www.conar.org.br/pdf/estatuto-social-conar.pdf >. Acesso em 16 de abr de 2020.
[3] Cf. Art. 50 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Disponível em:< http://www.conar.org.br/código/código.php >. Acesso em 16 de abr de 2020.
[4] A súmula nº 9, de 5 de outubro de 2017, dispõe, in verbis:
"ANÚNCIOS DE BEBIDAS ALCOÓLICAS – DIVULGADOS EM QUALQUER VEÍCULO DE COMUNICAÇÃO OU PLATAFORMA - NÃO DEVEM CONTER APELO IMPERATIVO DE CONSUMO E NÃO PODEM DEIXAR DE EXPOR OSTENSIVAMENTE UMA CLÁUSULA DE ADVERTÊNCIA PARA RESPONSABILIDADE SOCIAL NO CONSUMO DO PRODUTO, SUJEITANDO-SE OS ANÚNCIOS INFRATORES AO DEFERIMENTO DE MEDIDA LIMINAR DE SUSTAÇÃO". Disponível em: < http://www.conar.org.br/código/sumulas.php# >. Acesso em 16 de abr de 2020.
[5] O Anexo A, item "3", b, do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária dispõe que as publicidades de bebidas: "não conterão cena, ilustração, áudio ou vídeo que apresente ou sugira a ingestão do produto". Disponível em: < http://www.conar.org.br/código/código.php >. Acesso em 16 de abr de 2020.
[6] A “cláusula de advertência” é prevista no item 4 do Anexo P do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, e a RESOLUÇÃO Nº 03./08 do CONAR traz exemplos de frases que podem ser usadas na cláusula. Disponível em: < http://www.conar.org.br/código/código.php >. Acesso em 16 de abr de 2020.
[7] Anexo A, item 2, b, repetido nos anexos P e T do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária dispõe que as publicidades de bebidas: "não conterão cena, ilustração, áudio ou vídeo que apresente ou sugira a ingestão do produto". Disponível em: < http://www.conar.org.br/código/código. php >. Acesso em 16 de abr de 2020.
[8] MIYASHIRO, KELLY. Conar investiga Gusttavo Lima e Ambev por abuso de bebida alcoólica em live. Disponível em: < https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/celebridades/conar-investiga-gusttavo-limaeambev-por-abuso... >. Acesso em 16 de abr de 2020.
[9] Isso é dito para desfazer o entendimento que surgiu com a repercussão do caso: é que a mídia, erroneamente, aponta a simples atuação inicial do CONAR como punição contra o cantor, o que é de longe verdade.
FONTE DA IMAGEM: REPRODUÇÃO YOUTUBE.
4 Comentários
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Esse é aquele momento em que o Estado, que embora cobre muito mas NÃO faz nada por ninguém, mete a mão grande travestido de boas intenções. Ele estava trabalhando e bebendo? Digamos que sim. Isso influencia crianças? Digamos que sim. Onde estavam os pais da criança? Eles não vão ser chamado a responder por deixar os filhos no YouTube sem controle?
Dúvida: Esse tipo de advertência pode ser aplicada ao BBB? continuar lendo
Bom Dia, Edu. Como dito no artigo, o CONAR não faz parte do Estado, você entendeu esse ponto? continuar lendo
@nikocosta
Assim como você pontuou "Importante entender que o caso do cantor não foi de uma pessoa qualquer cantando em casa e bebendo cerveja: trata-se, em verdade, de um show, com publicidade de diversas empresas" para justificar a ação do CONAR, não podemos ignorar que este ente não existe no nada e não causa efeitos e consequências, então uma mera sanção ou comentário da entidade tem um peso e isso não pode ser ignorado.
Assim como as empresas tem obrigações a cumprir para publicidade (e aqui no Brasil há imposições bizarras), é preciso também lembrar que as crianças não existem sozinha e isso nunca vejo ocorrer. SEMPRE vejo as explicações mais absurdas para impedir publicidade, mas sempre tirando dos pais ou adultos a responsabilidade e literalmente transferindo para as empresas. Quer um exemplo? Da última vez que vi sobre o assunto, propagandas de cerveja não pode ser em horário matinal e nem pode conter animações para não estimular crianças a beber. Sério? Parece até que criança trabalha e compra bebida escondida ou pior, pode beber escondido dos pais em casa. OK, e mas os pais, não são eles a zelar pela criança? São eles que detém a OBRIGAÇÃO de vigiar a criança. Não pode vender lanches como McDonalds associado a brinquedos, como se os pais fossem rematado incompetentes e sem condições de dizer "filho NÃO vou comprar". E de boas, se os pais não tem competência para educar os filhos, que então a guarda lhes seja retirada. O que não é aceitável para mim é transferir a responsabilidade para quem está vendendo o produto.
"CONAR não faz parte do Estado, você entendeu esse ponto?"
-> Sim, claro que entendi. Mas como disse, não é um ente que existe no nada e as ações e publicações tem consequências. Além disso, o CONAR pode impedir publicidade se houver reclamação, não é? Então, é preciso que o CONAR tenha muito mais cuidado ao agir. continuar lendo
Mas no seu comentário anterior você falou em Estado, por isso o questionamento. continuar lendo