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21 de Maio de 2024

O ANPP Pode ser utilizado para afastar o reconhecimento do tráfico privilegiado ?

Possibilidade de afastamento da minorante do §4 do art. 33 da lei 11.343/06 por ANPP anterior a conduta apurada

Publicado por Jadson Reis
há 2 anos

Em 2019, a lei 13.964/19 (pacote anticrime) trouxe diversas mudanças processuais e materiais para a justiça criminal, uma dessas foi a previsão legal do Acordo de Não Persecução Penal, ou apenas ANPP.

Trata-se de um importante instrumento jurídico de justiça negocial criminal (plea bargain), ou seja, possibilita que os atores do processo penal (órgão acusador, na figura do Ministério Público) e acusado possam, segundo determinadas condições legais, negociar sobre aplicação de algumas sanções diversas da prisão, com o fim de evitar toda a marcha processual para aplicação da sanção penal.

Apesar de só surgir no Código de Processo Penal em 2019 o instituto já era previsto na Resolução 181/2017 do CNMP, com a finalidade de trazer celeridade na resolução de casos menos graves, possibilitando que o órgão acusador se dedique na persecução penal de crimes mais graves. [1] Outro argumento, mas não menos importante, quem sabe até o mais importante, é diminuição dos efeitos negativos de uma sentença penal condenatória.

O STF já reconheceu a estrutural e sistemática violação de direitos fundamentais no sistema carcerário brasileiro. [2] É inegável que o instituto também tem o potencial de atuar como medida alternativa ao problema do encarceramento em massa, evitando que determinadas pessoas que preenchem alguns requisitos legais sejam violadas por esse estado de coisas inconstitucional que é o sistema carcerário nacional.

Enquanto o instrumento de justiça negocial foi previsto e regulamentado pelos parágrafos do art. 28-A do CPP, foi regulamentado no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06 ( Lei de Drogas) o benefício da causa de diminuição de um sexto a dois terços da pena, usualmente chamado de tráfico privilegiado. Para a sua aplicação a lei traz quatro requisitos cumulativos.

O primeiro requisito para o reconhecimento da figura privilegiada é a primariedade do agente, que é comprovada pela Folha de Antecedentes Penais (FAP) do acusado juntada aos autos, ela comprova que o réu não possui nenhuma ação penal transitada em julgado. Este também é um dos requisitos legais para a oferta pelo Ministério Público do Acordo de Não Persecução Penal.

O segundo requisito é possuir bons antecedentes, o que também pode ser comprovado pela FAP juntada aos autos, de maneira que fique demonstrado que o acusado não possui uma má conduta na sociedade. Inclusive, podem ser valorados negativamente os atos infracionais cometidos quando o acusado era menor de idade.

Nesse requisito pode surgir um problema, que é quando existe um ANPP prévio, ainda não cumprido na sua integralidade e nem formalmente rescindido, nos termos do § 10 do art. 28-A do CPP. Essa situação pode levar, de maneira equivocada, ao afastamento da aplicação da causa de diminuição.

Primeiramente, um único ANPP não capaz de afastar os bons antecedentes e ser usado como maus antecedentes para impedir o reconhecimento da minorante prevista no § 4º do art. 33 da LAD, em virtude da vedação legal prevista no § 12º do art. 28-A do CPP que traz em sua redação: “A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º deste artigo “ [3]. Ou seja, o ANPP ainda não rescindido somente pode ser usado para impedir o agente de obter os benefícios despenalizadores novamente dentro do prazo de 5 anos.

O terceiro requisito é de que o agente não se dedique às atividades criminosas, entretanto, a existência de ANPP prévio pode gerar interpretações equivocadas e implicar no afastamento da minorante, porque pelo ANPP prévio, ao menos em tese, é capaz de se deduzir que o agente efetuou um acordo com o Parquet pelo suposto cometimento de determinado fato considerado delituoso, sendo uma das condições legais para o seu oferecimento a confissão formal e circunstancial do delito objeto do acordo. Ou seja, o agente reconheceu junto ao Parquet que cometeu determinado delito. O que é diferente de o agente reconhecer que se dedica a atividade criminosa como meio de vida.

Por isso, o ANPP prévio não é suficiente para comprovar a habitualidade e a ação reiterada de atividades criminosas pelo agente, e consequentemente, afastar a aplicação da minorante, devendo a reiteração criminosa ser comprovada por outros meios de prova, além do ANPP.

Como já dito anteriormente, o ANPP não pode ser utilizado para finalidade diversa da prevista no § 12º do art. 28-A do CPP. Ainda, enquanto o ANPP não for formalmente rescindido, nos termos do § 10º do art. 28-A do CPP, ele somente poderá ser utilizado às finalidades do § 12 do CPP, conforme a previsão trazida pelo legislador.

Por fim, o último requisito, para o reconhecimento do tráfico privilegiado é que o acusado não faça parte de organização criminosa, caracterizada pela divisão de funções, estrutura orgânica e hierarquizada para o cometimento de crimes. Assim, desde que o agente não tenha cometido o crime em razão do pertencimento a organização criminosa ou com facilidades fornecidas por essa, não poderá ser afastada a causa de diminuição de pena.

Logo, não se pode utilizar um único ANNP prévio para afastar a causa de diminuição de pena prevista, primeiro por conta das vedações legais trazidas pelo legislador e segundo, porque admitir que este seja utilizado para afastar a incidência da minorante seria esvaziar a finalidade da criação do instrumento legal, que objetiva evitar os efeitos deletérios da condenação criminal e o aumento da população carcerária, transformando-o em uma armadilha processual, que de maneira objetiva presume a dedicação à atividade criminosa. Isso não impede que o ANPP seja utilizado como fundamento para afastar a minorante, desde que o afastamento esteja também fundamentado em outras provas colhidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

  1. Lima, Renato Brasileiro de Manual de processo penal: volume único / Renato Brasileiro de Lima – 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2020, fl. 275

  2. STF. Plenário. ADPF 347 MC/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 9/9/2015 (Info 798)

  3. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm

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