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26 de Maio de 2024

Os incentivos fiscais como fomento à contratação de egressos do sistema carcerário e seus impactos na redução da reincidência criminal do Brasil

Publicado por Cecília Sales
há 5 meses

Resumo: Os egressos do sistema prisional, muitas vezes, enfrentam óbices para reinserção no mercado de trabalho, por diversos motivos. Essa dificuldade para recolocação profissional representa um dos fatores que culmina na alta reincidência criminal, que, no Brasil hodierno, configura um empecilho significativo. Desse modo, urge que medidas sejam tomadas com o fito de incentivar a contratação de ex-detentos, representando os incentivos fiscais, nessa conjuntura, uma solução para tanto, em observância, sobretudo, ao caráter extrafiscal que o tributo possui.

Palavras-chave: ex-detentos; contratação; incentivos fiscais; reincidência.

Na contemporaneidade, a reincidência criminal emerge como um significativo empecilho enfrentado pelo sistema de justiça criminal em todo o mundo, incluindo o Brasil. Sobretudo no contexto brasileiro, a reincidência configura um problema complexo e multifacetado, com várias causas interligadas. Uma delas, que será objeto de abordagem pelo presente artigo, efetivamente, é a dificuldade de reinserção no mercado de trabalho, em virtude, principalmente, do estigma social associado ao histórico criminal, que acarreta preconceito e discriminação por parte dos empregadores e, consequentemente, das políticas de seleção adotadas, as quais, muitas vezes, excluem automaticamente candidatos com antecedentes criminais.

Nesse sentido, tem-se que a estigmatização do egresso configura um fator que dificulta sobremaneira a reinserção social deste e sua recolocação no mercado de trabalho. Esse preconceito social inerente às pessoas que foram privadas de liberdade culmina em uma espécie de perpetuidade dos efeitos de uma sentença condenatória, de modo que o infrator fica, muitas vezes, eternamente estigmatizado como tal, mesmo já tendo cumprido devidamente a pena pela qual foi condenado¹.

Essa nefasta realidade foi retratada pela reportagem “Vida de Ex-Detento”, produzida pelo site UOL, que entrevistou egressos do sistema carcerário a fim de entender as situações enfrentadas e suas perspectivas após o cárcere. Um dos entrevistados, Ezequiel, relata as intensas dificuldades enfrentadas para obter êxito em sua pretensão de ser contratado, mesmo tendo estudado e comparecido a mais de quarenta entrevistas de emprego, e imputa essa situação ao fato de ser egresso do sistema carcerário:

“Ezequiel completou o ensino médio na penitenciária de Tupi Paulista (SP). Está inscrito no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Estudou mecânica de motores a diesel quando já cumpria pena no semiaberto. Devagar para não assustar, ele foi mudando a rotina, a cabeça. Até que as portas se abriram... para o nada. Fora da prisão desde dezembro, ele foi a 40 entrevistas de emprego antes de desistir da contagem. O diagnóstico de Ezequiel para tamanho insucesso é simples, e, provavelmente, compartilhado por muitos: ‘Muita gente acha que se contratar vai por um bandido dentro da empresa, essas coisas, ne ? A dificuldade maior que eu tenho é essa’.”²

Assim, é indubitável que os egressos do sistema carcerário são, frequentemente, estigmatizados por empregadores e preteridos na fase de análise de currículos, o que ocasiona contextos em que, sem oportunidades para recomeçar no meio lícito, o ex-detento precisa recorrer à prática criminosa para sua subsistência. Essa conjuntura representa um dos fatores da alta taxa de reincidência criminal no Brasil, estimada em 37,6%, segundo pesquisas da Secretaria Nacional de Políticas Penais, realizada com 979 mil presos, no período de 2008 a 2021, que considera reincidência qualquer entrada após saída por decisão judicial, fuga ou progressão de pena³.

Dessa maneira, tornam-se pouco relevantes os esforços para melhorar o sistema prisional brasileiro, quando, ao libertar o homem, a sociedade o rejeita, o estigmatiza e o força a voltar à criminalidade por falta de opção. Os egressos, de fato, precisam de oportunidade de recuperação de suas identidades, sendo, para tanto, imprescindível um recomeço por meio de um emprego digno.

Diante da resistência dos empregadores à contratação de egressos do sistema carcerário, faz-se necessária a intervenção do Poder Público para o fomento de tal prática e, assim, gradativamente, minorar a taxa de reincidência criminal no Brasil. Nesse contexto, a adoção de incentivos fiscais revela-se uma solução viável ao estímulo da contratação da mão de obra de ex-detentos, tendo em vista a vantagem financeira que pode decorrer de tal contratação, sobretudo ao serem levados em consideração os aspectos tributários, de grande relevância para as atuações das empresas, que, constantemente, buscam planejamentos tributários mais eficientes.

Acerca dessa temática, cumpre, primeiramente, destacar que o tributo possui, além da função arrecadatória, a característica extrafiscal, que possibilita ao Estado estimular comportamentos por meio da tributação. Como exemplo de tributos com função notadamente extrafiscal, tem-se o imposto de importação e o de exportação, que têm alíquota majorada ou minorada de acordo com a pretensão estatal de incentivar ou desincentivar a importação/exportação de determinado produto. Situação semelhante concernente ao caráter extrafiscal dos tributos ocorre nos casos em que o Poder Público concede uma isenção ou imunidade tributária a pessoas que apresentem determinado comportamento ou característica. A título de exemplificação, é possível mencionar a isenção de IPVA para carros elétricos, medida que tem como fito estimular a compra destes em vez dos veículos a combustão, culminando em diversos benefícios de cunho ambiental.

Faz-se relevante mencionar, nesse ínterim, que a concessão de isenções fiscais a fim de incentivar comportamentos não vai de encontro ao princípio da isonomia, que veda o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente4. Acerca dessa temática, por exemplo, decidiu o STJ que não viola a isonomia a norma que concede tratamento tributário favorecido às empresas que contratam empregados com mais de 40 anos5. A referida medida tem claro efeito de incentivar, de maneira legítima, a contratação de profissionais com idade que as empresas costumam preterir, e o referido julgado é importante para assegurar a eficácia prática do efeito extrafiscal da tributação.

Portanto, de modo análogo à interpretação do Superior Tribunal de Justiça acima referida, a concessão de incentivos fiscais em prol de incentivar a contratação de egressos do sistema prisional não viola o princípio da isonomia, sendo totalmente lícita e consonante à aplicação da função extrafiscal dos tributos.

Desse modo, dada a legalidade da adoção de incentivos fiscais para tais fins e diante da problemática exposta anteriormente, atinente às dificuldades de contratação dos egressos do sistema criminal, o Senador Veneziano Vital do Rêgo (PSB/PB) apresentou, em 2019, o Projeto de Lei nº 4653, o qual propõe a instituição do Plano Nacional de Incentivo ao Emprego e Ressocialização de Presos e de Egressos do Sistema Prisional – PINEPE6. O referido Projeto de Lei estabelece que as pessoas jurídicas regularmente instituídas que empreguem ou tomem serviços prestados por presos e egressos do sistema prisional ficam isentas do pagamento das contribuições destinadas à Seguridade Social, previstas nos incisos I, II e III do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, referentes às remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título a aqueles indivíduos. Determina, ainda, no que se refere a empresas tributadas com base no lucro real, a possibilidade de deduções da base de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido, em cada período de apuração, quantia correspondente ao total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título ao empregado ou prestador de serviço preso ou egresso do sistema prisional. Atualmente, o Projeto de Lei encontra-se em tramitação, aguardando designação do relator desde 08/04/2021.

Em que pese existirem críticas relevantes, sobretudo nos aspectos tributários e trabalhistas, acerca, por exemplo, do modo pelo qual ocorreriam as deduções previstas e o suprimento de tais recursos, de modo a garantir a observância de todos os direitos trabalhistas inerentes ao empregado, o aludido Projeto de Lei, inequivocamente, representa um incentivo para a contratação de egressos do sistema carcerário, e sua aprovação possui o condão de, efetivamente, estimular a contratação de ex-detentos.

Com a implementação do referido incentivo fiscal, de modo cumulado a outras medidas, tais como o investimento na profissionalização das pessoas privadas de liberdade e a promoção de educação social para a paulatina desestigmatização em face dos egressos do sistema prisional, poder-se-á oferecer mais oportunidades de emprego e, gradativamente, diminuir a reincidência criminal no Brasil, deixando, assim, paulatinamente, de ter a sentença criminal condenatória efeitos perpétuos ao indivíduo condenado.

1 De tal forma, é possível aferir que o estigma é fator determinante no futuro do indivíduo, pois embora ele cumpra a sua pena, esta nunca será suficiente para a sociedade, dado que o estigma é uma marca quase indelével. (BACILA, 2015, p. 33).

2 Disponível em: https://tab.uol.com.br/ex-detentos/.

3 Disponível em: https://www.gov.br/senappen/pt-br/assuntos/noticias/depen-divulga-relatorio-previo-de-estudo-inedito-sobre-reincidencia-criminal-no-brasil.

4 Registre-se que o princípio da isonomia não veda a concessão de isenções, de maneira geral, mas impede que estas sejam instituídas de maneira discriminatória, a partir de critérios não razoáveis, até como forma de preservação da livre concorrência, no que tange a isenções concedidas a agentes econômicos que concorrem com outros eventualmente não isentos (BONFIM, 2011, p. 243-244).

5 Pleno, ADI 1.276/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, j. em 29/8/2002, v. u., DJ de 29/11/2002, p. 17.

6 Disponível em < https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/138235>.

BIBLIOGRAFIA

BACILA, Carlos Roberto. Criminologia e estigma: um estudo sobre os preconceitos. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

BONFIM, Diego. Tributação e livre concorrência. São Paulo: Saraiva, 2011.

BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 4653, de 2019. Institui o Plano Nacional de Incentivo ao Emprego e Ressocialização de Presos e de Egressos do Sistema Prisional – PINEPE. Brasília: Senado Federal, 2019. Disponível em: < https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/138235>. Acesso em 12 de junho de 2023.

BRITO, Anny Eva Schwamback. As Empresas no Processo de Ressocialização do Ex-detento. 9º Simpósio de Ensino de Graduação UNIMEP - 08 a 10/11 de 2011. Disponível em: < https://www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/9mostra/4/528.pdf>. Acesso em 10 de junho de 2023.

BRITTO, Marco. Vida de Ex-Detento. UOL. Disponível em < https://tab.uol.com.br/ex-detentos/>. Acesso em 14 de junho de 2023.

DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL. Reincidência Criminal no Brasil: Relatório de Pesquisa. Brasília: DEPEN e UFPE, 2023. Disponível em: < https://www.gov.br/senappen/pt-br/assuntos/noticias/depen-divulga-relatorio-previo-de-estudo-inedito-sobre-reincidencia-criminal-no-brasil>. Acesso em 15 de junho de 2023.

MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Manual de Direito Tributário. 12a ed. São Paulo: Atlas, 2023.

SANTOS, Gilson Cássio de Oliveira; CORRÊA, Ana Paula. Estigma em Relação aos Egressos do Sistema Penitenciário. Revista da Universidade Vale do Rio Verde. Belo Horizonte, 2021.

TOLEDO, Isadora D’ Ávila. O trabalho e seus sentidos para egressos do sistema prisional: estudo de uma experiência de reinserção no mercado formal de trabalho. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de São João Del-Rei. São Joao Del-Rei, 2012.

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