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5 de Maio de 2024

Provas ilícitas e suas teorias no Processo Penal brasileiro

Publicado por Giovanna Landro
há 5 anos

Provas ilícitas e suas teorias no processo penal brasileiro

RESUMO: O presente artigo visa construir uma análise histórica e social sobre a produção de provas no processo penal brasileiro, no tocante à sua classificação levando em conta se o meio de obtenção destas, viola ou não preceitos do ordenamento, bem como o exame de teorias quanto a provas ilícitas no bojo do processo penal.

Palavras-chave: Provas. Provas ilícitas. Teoria da arvore dos frutos envenenados. Teoria da fonte independente. Teoria da descoberta inevitável.

1 INTRODUÇÃO

Sabe-se que, o magistrado da área penal, ao lidar com o direito a locomoção do réu – consagrado em diversos diplomas legais no ordenamento brasileiro, principalmente na Carta Magna, sendo este indisponível – deve julgar aproximando-se da verdade real, isto é, deve instrumentar para que haja o descobrimento dos fatos verdadeiros ocorridos no plano material, entretanto esta dificilmente será obtida pelo magistrado com certeza absoluta. Ademais, o objeto utilizado pelo juiz para que sua função jurisdicional seja exercida de maneira justa e condizente com a realidade, são as provas.

Dessa forma, importante se mostra a analise deste mecanismo, uma vez que, através dele será feito o juízo de valor dos casos levados aos tribunais, e o direito penal poderá cumprir suas funções de tutela sob os bens jurídicos mais importantes para que garantidos a sociedade uma convivência pacifica e segura.

2 DESENVOLVIMENTO

Como ensina Renato Brasileiro de Lima (2017, p. 583), a acepção da palavra prova, tem sua origem etimológica de probo (do latim, probatio e probus), remetendo à ideia de aprovação, confirmação.

Inicialmente, a definição de provas, consoante o mestre Edilson Mougenot Bonfim (2019, p. 417), considerado o maior tribuno do direito contemporâneo, dá-se por: “ o instrumento usado pelos sujeitos processuais para comprovar fatos da causa, isto é, aquelas alegações que são deduzidas pelas partes como fundamento para o exercício da tutela jurisdicional”.

Assim, como explicitado acima, ela é instrumento, fundamento para o órgão julgador.

Entretanto, não se pode deixar esse conceito adstrito somente como objeto do juiz, uma vez que, elas também são destinadas as partes, que, são as maiores interessadas, em primeiro plano, em demostrar a realidade dos fatos.

Por isso, ao se falar em prova no processo penal brasileiro, podem se extrair três diferentes conceitos.

O primeiro, refere-se à atividade probatória, ou seja, são os atos praticados dentro do processo, tendo como objetivo inicial o convencimento do juiz quanto a sinceridade ou não dos fatos alegados. Dessa forma, conclui-se que, ela é direito das partes, derivado do direito de ação que as assiste, sendo protegido e garantido constitucionalmente.

O segundo conceito é a prova como resultado, sendo esta, a certeza ou convicção que é obtida da análise sobre os episódios ressaltados

A terceira definição pode ser de prova como meio utilizado para que seja demonstrada a subsistência de feitos do mundo real.

Pode-se concluir, portanto, que estas são direito das partes, objeto do juízo e espirito de conclusão do mesmo.

2. MEIOS DE PROVA

Quando se fala em meio de prova, este diz respeito aos recursos que serão utilizados ao decorrer do processo penal, podendo ser diretos ou não, através do qual será obtido um juízo de valor com certo grau de probabilidade quanto a verdade de um fato delituoso transgressor de direitos. Ou seja, o objetivo do meio é alcançar uma finalidade, chegar a um resultado, é o caminho percorrido pelos sujeitos processuais.

Dentro do sistema normativo, podem ser encontrados diversos meios de prova, e dentre uma de suas diversas classificações, tem-se a análise de sua compatibilidade jurídica, no que diz respeito a princípios protegidos pelo legal system, quais sejam os meios: lícitos ou ilícitos.

O primeiro diz respeitas àquelas que são produzidas em absoluto respeito aos preceitos que permeiam o ordenamento; o segundo, aos que carregam consigo violações contrarias ao estado democrático de direito.

A licitude das provas é aferida através da arguição se esta é obtida por meios moralmente legítimos, respeitando os direitos individuais e fundamentais. Coincidente com esta afirmação, o Código de Processo Civil, prevê em seu artigo 369: “ as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz”. Tendo assim, ampla liberdade de produção de provas, não ficando estas adstritas apenas àquelas taxadas em lei, desde que não sejam contrarias ao ordenamento.

3. PROVAS ILÍCITAS

Analisando o princípio da liberdade probatória, nota-se que há sua limitação, não sendo este absoluto, encontrando restrição na própria Constituição Federal em seu Artigo , inciso LVI, que aduz: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. De encontro com a nossa Carta Mãe, vem o Código de Processo Penal, o Artigo 157, caput, estabelecendo: “as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”

Diante o exposto, é possível conceituar as provas ilícitas como sendo aquelas por meio das quais sua obtenção traz violações de ordem constitucional ou material, infraconstitucional.

Dessa forma, as provas que carregam consigo transgressões, não podem ser usadas no processo, e se nele estiverem devem ser desentranhadas deste, não podendo sequer influenciar o magistrado na construção de seu convencimento. Caso alguma sentença seja fundamentada em prova ilícita, esta deve ser considerada nula.

Notadamente, o Brasil adota também, além da inadmissibilidade da prova ilícita, o sistema da prova ilícita por derivação consagrado no parágrafo 1º do Artigo 157 do CPP, in verbis: “ São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. ”

Trata-se da conhecida Teoria da arvore dos frutos envenenados.

4. TEORIA DA ÁRVORE DOS FRUTOS ENVENENADOS

A teoria da arvore dos frutos envenenados, traduzida do inglês (fruit of the poisonous tree doctrine) tem origem no direito norte americano, surgindo na suprema corte do referido país, no caso SILVERTHORNE LUMBER CO v. US, de 1920, onde foi considerada invalida determinada intimação, cujo conteúdo era baseado em fatos descobertos através de uma busca ilegal.

Posterior ao julgado, sua menção no ordenamento nacional, surge inicialmente no ano de 1995 pelo Supremo Tribunal Federal, onde foi refutada essa teoria, sob alegação de que a constituinte nada aduziu sobre as provas derivadas das ilícitas.

No entanto, no ano seguinte, a posição foi rechaçada, iniciando então a aceitação das provas ilícitas por derivação.

Seguindo entendimento da nossa Suprema Corte, a Lei nº 11.690/08 trouxe a referida tese expressamente para o nosso Código de processo Penal, constando no Artigo 157, parágrafo 1º.

Explanando sobre a referida teoria, entende-se que, não prospera a vedação de provas violadoras, se as provas que irão surgir a partir desta também não forem consideradas ilícitas.

Por isso, vale sustentar que, não só a prova obtida por meio ilícito deverá ser afastada, mas as derivadas desta também, uma vez que, em ambas há o veneno da ilicitude. Se fosse aceito a prova secundaria, indiretamente estaria validando o ordenamento, a possibilidade de abuso nos meios de obtenção de prova, contrariando o objetivo da Constituição.

A prova que advém da ilícita carrega consigo a mesma característica de sua originaria, por melhor dizer, está também, maculada pela violação, abuso de direito.

Para a definição de quais provas serão derivadas das ilícitas, é necessário identificar o nexo causal entre uma e outra, ou seja, a relação de causalidade entre a obtenção da segunda prova a partir da primeira.

Por isso, vale ressaltar, que essa teoria não é absoluta no ordenamento, encontrando mitigações advindas da própria Suprema Corte norte-americana e sendo estas também recepcionadas no sistema pátrio.

Destarte o entendimento de Guilherme de Souza Nucci (2017, p. 511) sobre o assunto: “Considerando-se que a prova ilícita não pode gerar outra ou outras que se tornem licitas, ao contrário, todas as que advierem da ilícita são igualmente inadmissíveis, a única exceção concentra-se na prova de fonte independente”.

Conforme adstrito, para que uma prova esteja contaminada por derivação, é necessário que haja ligação de causalidade entre uma e outra, por isso tanto a teoria da fonte independente como a da descoberta inevitável são utilizadas para análise das provas pelos magistrados.

5. TEORIA DA FONTE INDEPENDENTE

Por essa teoria, os órgãos investigatórios podem demonstrar que durante a persecução penal, de forma legitima, foram obtidos novos elementos de informação, sem guardar relação de causalidade com o primeiro (ilícito).

Aqui, a teoria da contaminação é mitigada, uma vez que é excluído o nexo causal entre uma e outra prova, ou seja, a prova nova, é independente da maculada, não carregando aquela, o veneno presente na prova ilícita, uma vez que é interrompido o vínculo de causa e efeito.

Pode-se concluir que, a prova será licita quando não houver dependência entre sua fonte de obtenção e a prova ilícita, ou seja, de forma autônoma, esta prova foi aferida.

Sendo também referida teoria, originada do direito norte-americano, mais uma vez em sua Suprema Corte, desta vez no caso Bynum v. U.S., de 1960 conforme explica Renato Brasileiro de Lima o caso em concreto (2017, p. 628):

“a Corte determinou inicialmente a exclusão de identificação dactiloscópica que havia sido feita durante prisão ilegal do acusado Bynum. Ao ser novamente processado, valeu-se a acusação de um antigo conjunto de planilhas dactiloscópicas de Bynum que se encontrava nos arquivos do FBI e que correspondiam ás impressões digitais encontradas no local do crime. Como a polícia tinha razão para verificar as antigas planilhas de Bynum, independentemente de prisão ilegal, e como as impressões digitais de tais planilhas tinham sido colhidas anteriormente sem qualquer relação com o roubo investigado dessa vez, as antigas planilhas foram admitidas como prova obtida independentemente, de maneira alguma relacionada à prisão ilegal”

Através do exemplo fica claro de que maneira essa teoria pode ser aplicada nos casos concretos.

O STF, em agosto de 2004, admitiu o uso desta, afastando naquele caso a teoria da arvore dos frutos envenenados, e posteriormente em 2008, ao ser alterado o Código Processual Penal, o legislador faz expressa menção a teoria da fonte independente.

A mesma reformulação legal, ao referir-se à teoria ora estudada, também traz conceitualmente a teoria da descoberta inevitável, no parágrafo 2º, do artigo 157, do CPP, quando diz “considera-se fonte independente aquela que, por si só, seguindo os tramites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”.

Pode-se afirmar que a parte final do artigo faz referência não a teoria da fonte independente, mas a teoria da descoberta inevitável, uma vez que traz uma possibilidade.

5. TEORIA DA DESCOBERTA INEVITÁVEL

Essa teoria aduz que, se for comprovado que a prova derivada seria, de forma licita, produzida de maneira inevitável, sem guardar relação de dependência com a prova envenenada pela ilicitude, esta deve ser considerada válida e poderá ser utilizada no processo.

Para tanto, não basta a mera hipótese remota de descoberta, esta deve ser concreta, muito provável de ocorrer.

Mais uma vez, assim como as demais teorias analisadas acima, sua origem se encontra no direito norte-americano, no caso Nix v. Williams-Williams II, em 1984: foi obtida uma declaração do suspeito, de forma ilegal, por meio da qual foi possível localizar o cadáver. Apesar da localização ter sido feita através da declaração ilícita, o corpo estava localizado a beira da estrada e a equipe de busca contava com cerca de 200 voluntários e o plano que por eles era utilizado, teria resultado inevitavelmente na descoberta do corpo.

Dessa forma, a Suprema Corte americana reconheceu que a teoria da arvore dos frutos envenenados não se aplicaria a este caso, uma vez que, apesar dela ser ilícita por sua obtenção se dar através de declaração ilegal, ela seria impreterivelmente encontrada.

Como dito anteriormente, sua previsão legal, acreditam alguns autores, está no artigo 157, parágrafo 2º, do CPP, ao prever o legislador, no final do texto normativo que seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”. Assim, apesar de não ser expressa a nomenclatura dessa teoria, entende-se que, ao conjugar o verbo dessa forma, estaria o mens legislatoris aceitando a teoria da descoberta inevitável no ordenamento brasileiro.

Consoante o entendimento acima, da mesma forma procede o julgado do Superior Tribunal de Justiça, aceitando a referida teoria, mais uma vez afastando a teoria da arvore dos frutos envenenados.

6. CONCLUSÃO

Diante o exposto, conclui-se que o ordenamento jurídico brasileiro, veda a utilização das provas que violam direitos e garantias, considerando-as ilícitas, para que, dessa forma, seja evitado o abuso por parte das autoridades persecutórias, limitando o princípio da livre produção probatória, pois, apesar de ser importante que o juiz chegue a uma decisão, que seja o mais condizente possível com a realidade dos fatos, esta não pode ocorrer se forem violados direitos fundamentais que norteiam o sistema jurídico brasileiro.

O legislador, ao analisar o choque de valores, ocorrido entre a decisão jurisdicional condizente com a verdade, e os direitos assegurados a todos os cidadãos, não só pela carta magna, como nos tratados internacionais que o Brasil é signatário, escolhe por garantir, que, a produção probatória, por mais importante que se mostre, não pode ser meio para abusos.

Assim, ao nos depararmos com provas obtidas por meios ilícitos, bem como as provas desta derivada, que também são consideradas maculadas, pela teoria da arvore dos frutos envenenados, devemos desentranha-las do processo, inutilizando-as.

Vale ressaltar, que, mais uma vez, há ponderação de valores, tanto pelo legislador como por parte do judiciário, uma vez que a teoria da arvore dos frutos envenenados foi mitigada através da utilização da teoria da fonte independente, que assegura a utilização de provas que inicialmente se mostrem derivadas das ilícitas, mas foi na realidade obtida por outro meio, licito, sem guardar nexo causal com a prova violadora. Também foi entendido pela possibilidade de uso da teoria da descoberta inevitável, por meio da qual a prova secundaria, apesar de ter aparente origem ilícita, seria, de forma inevitável, descoberta licitamente pelas autoridades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituição/ Constituição.htm. Acesso em: 1 de novembro de 2019

BRASIL. Decreto-Lei n.º 3.689/41, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em: 01 de novembro de 2019

Lima, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: volume único/ Renato Brasileiro de Lima – 5. Ed. Ver., ampl. e atual – Salvador: Ed. Juspodivm, 2017

Mougenot, Edilson. Curso de processo penal – 13. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019

Nucci, Guilherme de Souza. Curso de Direito Processual Penal - 15 ed. - [2. Reimpr.] - Rio de Janeiro: Forense, 2018.

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