Página 376 da Judicial do Diário de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte (DJRN) de 23 de Junho de 2017

(Informativo nº 468). Além disso, imperioso também afirmar, ainda que em juízo inicial, a legitimidade do Ministério Público para o caso, pois, na esteira dos artigos 127, caput, da Constituição Federal, 1º, II, da Lei 7.347/94, e 82, I, do CDC, é o Ministério Público legitimado para propor a ação civil pública objetivando a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.Na espécie, a pretensão coletiva está embasada em suposta ofensa aos deveres de transparência e segurança de diversos consumidores eventualmente lesados, inclusive mediante alegada coação, fato que se amolda perfeitamente ao conceito de direito coletivo, ou até mesmo individual homogêneo indisponível, estando, assim, presente em ambos os casos a legitimidade do parquet para a promoção de sua defesa.Feitos esses esclarecimentos, e conquanto a existência de diversos fundamentos e pedidos no bojo da ação, passo à análise exclusivamente da tutela de urgência requestada, diante da permissibilidade de sua concessão liminar pela legislação processual (art. 300, § 2º, CPC), caso preenchidos os demais requisitos legais.Nesse sentido, observo que a pretensão de urgência fundamenta-se tanto no regime da tutela de urgência de natureza antecipada, quanto na de natureza cautelar.Em que pese a abolição do livro que tratava especificamente do procedimento cautelar, a legislação processual em vigor não impossibilitou a utilização de medidas cautelares. Nesse sentido é o que dispõe o artigo 301, do CPC/2015: "A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito".Apesar das naturezas diversas das tutelas requeridas, houve uma verdadeira unificação do regime das tutelas provisórias pelo CPC atual, de modo que necessita o autor demonstrar, para a concessão de ambas, a probabilidade do direito (fumus boni iuris) e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora), requisitos analisados em sede de cognição parcial e sumária.Analisando detidamente os autos, constato a presença da probabilidade do direito da parte demandante. Explico.Considerando que a demanda envolve suposta lesão a diversos contratantes que figuram na qualidade de consumidores, incidem as regras insertas no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), que corresponde a um mandamento constitucional de tutela da parte vulnerável na relação consumerista, de acordo com o que dispõe o artigo , XXXII, da Constituição Federal, na medida em que estabelece:“o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.Trata-se, assim, de um microssistema de proteção que visa ao equilíbrio entre as partes juridicamente desiguais, com o afã de promover, em primeira e última análise, a tutela da dignidade da pessoa humana (art. , III, CF/88), bem como a observância da boa-fé contratual nas relações negociais.A referida legislação dispõe que:Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995) I -reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;Art. 6º São direitos básicos do consumidor:III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012) VigênciaIV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais

coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.§ 1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.§ 3º Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço. Na hipótese, após análise dos documentos que acompanharam a exordial, ressoa presente, neste juízo de cognição sumária próprio das tutelas provisórias, a lesão a uma relevante categoria de consumidores, especialmente turistas, que foram captados pela empresa ré com a promessa de aquisição de plano de férias, mas, na realidade, acabaram firmando contrato com objeto diverso do desejado, bem assim do ofertado.Nessa toada, os relatos de inúmeros consumidores constantes no bojo do Inquérito Civil instaurado pelo Ministério Público dão conta de que a empresa ré, por meio de uma rede de prepostos, captam turistas em trânsito nesta Capital, levando-os a local de propriedade da demandada, ocasião em que estes acabam celebrando contrato com objeto diverso do pretendido e oferecido, após rigorosa insistência dos vendedores, inclusive mediante pressão psicológica no sentido de retardar o retorno dos turistas antes do final da apresentação, mesmo depois de manifestado o desinteresse na contratação.Referido contexto inegavelmente representa desrespeito ao princípio da boa-fé objetiva contratual, a qual demanda o respeito aos interesses da outra parte, proibindo condutas que gerem desconfiança, ou impliquem na quebra do que foi prometido ou estabelecido anteriormente. Criam os deveres de cuidado, respeito, atenção, transparência e segurança. Na seara das relações de consumo, referidos deveres assumem ainda mais relevo, diante da hipossuficiência do consumidor.Além disso, a prática noticiada nos autos tem a aparência de notória publicidade enganosa, tanto na forma comissiva (induzimento ao erro, por meio da realização da contratação em ambiente supostamente incompatível com a necessidade de compreensão das cláusulas contratuais), quanto de maneira omissiva (ausência de dado referente à aquisição de imóvel, e não simples plano de férias). Circunstâncias aptas a caracterizar abuso no direito de divulgação dos produtos/serviços oferecidos ao mercado, o que vai de encontro ao imperativo constitucional da defesa do consumidor no âmbito das atividades econômicas (art. 170, V), já que o exercício da atividade empresarial não pode ocorrer de forma dissociada da defesa da parte hipossuficiente, sob pena de não se caracterizar o verdadeiro desenvolvimento nacional elencado como objetivo da República (art. , II, CF/88).Importante destacar que já existem decisões judicias proferidas em demandas individuais ajuizadas por consumidores suspendendo os efeitos dos contratos firmados (Id. 11012691), além de investigação penal instaurada em face da empresa ré (Id. 11012716), revelando, portanto, a probabilidade da pretensão veiculada na exordial.Quanto ao perigo de dano, por outro lado, faz-se imprescindível analisá-lo individualmente para cada pretensão de urgência, uma vez que não visualizo sua presença em todos.Em relação ao pedido de suspensão da venda fracionada de imóveis sob promessa de planos de férias, resta presente o perigo de dano, pois a continuidade desse tipo de contratação feita em desacordo com o imperativo de transparência, mediante a utilização de publicidade enganosa e de métodos coercitivos, acarretará, não só a permanência da atividade abusiva e danosa aos consumidores,

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