Página 185 da II - Judicial - 2ª Instância do Diário de Justiça do Rio de Janeiro (DJRJ) de 11 de Maio de 2018

emprego de munição, desclassificando a para a imputação do crime autônomo previsto no art. 16, caput, da Lei n.º 10.826/2003, em concurso formal com o delito de tráfico simples.Da leitura, atenta e minuciosa, do teor dos votos divergentes, e feitas as devidas confrontações entre estes, amparando-se na prova dos autos, conclui-se que os presentes embargos merecem acolhimento, com vias a se fazer prevalecer o voto vencido.Ab initio, é bem de ver que, a prova oral produzida sob o crivo do contraditório confirmou amplamente a versão dos fatos descrita na denúncia, no sentido de ter sido o embargante preso em flagrante, no interior da Comunidade da Vila Vintém, enquanto tentava se evadir em poder de uma mochila, contendo vasto material entorpecente e 05 (cinco) munições calibre 9mm.Cumpre sublinhar-se, aqui, o caráter restrito da devolutividade inerente aos embargos infringentes na seara processual penal, enquanto recurso que, ao ser interposto com base em desacordo parcial, estará sempre limitado em sua esfera de cognoscibilidade da matéria, de maneira que o thema decidendum restará circunscrito pelos lindes que delineiam a extensão precípua da divergência havida entre os votos vencido e vencedor, em estrita obediência aos ditames do artigo 609, parágrafo único, in fine, do C.P.P. Incidência, na espécie, da Súmula n.º 354 do S.T.F.Destarte, percebe-se que a controvérsia em debate gira em torno do entendimento adotado pela Juíza de piso, acompanhado pela maioria dos Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Criminal, concernente à conduta do embargante de trazer consigo munição de uso restrito, reputando-se tal fato como majorante ao crime de tráfico de drogas, nos termos do inciso IV do artigo 40 da Lei n.º 11.343/2006, ao passo que o voto vencido vislumbrou a configuração do crime autônomo previsto no artigo 16, caput, da Lei n.º 10.826/2003.De plano, chama a atenção o fato de que o próprio órgão ministerial, na condição de dominus littis, titular da ação penal, postulou à Juíza de piso, tanto na denúncia quanto em sede de suas derradeiras alegações, que o réu fosse condenado como incurso na prática dos delitos autônomos de tráfico de drogas e posse ilegal de munições de uso restrito, sendo expressamente pleiteada, ao final, a incidência do concurso formal entre os crimes imputados. Porém, a Juíza a quo decidiu de modo diverso.O que temos, portanto, entre os votos vencido e vencedor, é um caso clássico de conflito aparente de normas penais, no qual a conduta do embargante relativa à posse do material bélico tem a sua subsunção típica disputada por duas normas incriminadoras distintas. No entanto, tal ambiguidade é meramente ilusória, uma vez que somente uma norma seria, de fato, aplicável.Na hipótese dos autos, restaram apreendidos, em poder do embargante, vasto material entorpecente destinado à mercancia ilícita, juntamente com 05 (cinco) munições calibre 9mm, de uso restrito, tudo sendo arrecadado no interior de uma mesma mochila, a qual o acusado trazia consigo no momento de sua prisão em flagrante, em local conhecido como ponto de venda de drogas. Sendo assim, dessume-se do quadro fático estampado nos autos, em relação à causa especial de aumento da Lei Antidrogas, uma carência de elementos objetivos inerentes a tal adequação típica, uma vez que a norma penal em comento exige o efetivo "emprego" dos artefatos bélicos equiparados à "arma de fogo", não apenas de modo a revelar uma relação implícita ou pertinência presumida entre a posse de tais objetos e a prática da narcotraficância, mas que fosse capaz de evidenciar a sua utilização com a finalidade específica que o tipo penal prevê, ou seja, seria imprescindível que a munição estivesse funcionando, na prática, como "processo de intimidação difusa ou coletiva", com vias a se assegurar ou facilitar o comércio ilícito de drogas.Ora, considerando-se que os mencionados cartuchos de munição de uso restrito estavam escondidos no interior da mochila que o acusado trazia consigo, não restou demonstrada, in casu, a incidência da majorante prevista no artigo 40, inciso IV, da Lei n.º 11.343/2006, porquanto se mostra inviável afirmar que tais artefatos ofensivos, encontrando-se guardados, longe da vista de terceiros, pudessem estar sendo empregados como "processo de intimidação difusa ou coletiva".Imperioso ressaltar-se que, em matéria de responsabilização penal, não viceja, na seara probatória, as conjecturas, as probabilidades, as possibilidades e as suposições, devendo o decisum que reconhecer a tipicidade da majorante descrita no art. 40, inc. IV, da Lei Antidrogas, ser fundamentado concretamente, com elementos caracterizadores do dolo do tipo penal derivado indicado, pois este não se presume, sob pena de nulidade, por violação ao comando do inciso IX do artigo 93 da C.R.F.B.Nessa toada, não se pode presumir, de forma absoluta, que os cartuchos de munição arrecadados em posse do embargante estivessem destinados à função específica de carregar as armas de fogo que viriam a ser empunhadas, ostensivamente, com viés intimidativo, por integrantes da facção que domina o tráfico local, nos pontos de venda de drogas daquela comunidade, tão somente com base na circunstância das munições terem sido encontradas no interior da mesma mochila que continha as substâncias entorpecentes apreendidas, contexto este que, considerado isoladamente, sem quaisquer outros elementos de prova, ensejaria, no máximo, a adequação típica ao crime autônomo da posse ilegal de munição de uso restrito.Destaque-se, ainda, que os próprios policiais militares ouvidos em Juízo, Alexandre da Silva dos Santos e Bauer Damiao Moreira Ramos, relataram que a prisão em flagrante do réu se deu no âmbito de diligência de buscas, realizada no interior da Comunidade da Vila Vintém, motivada por delação anônima de que ali se encontrava um indivíduo baleado, o qual teria participado de um assalto em Sulacap, ocasião em que foram alvejados dois policiais, sendo um deles levado a óbito, e o outro restou ferido, de tal sorte que as munições arrecadadas com o embargante poderiam, inclusive, estar relacionadas a tal crime de latrocínio, ao invés do tráfico de drogas, ou, até mesmo, fossem ser negociadas no mercado negro do contrabando de armas.Ainda que assim não fosse, forçoso é convir ser impossível julgar com amparo em evento futuro e incerto, de maneira que, mesmo que as munições viessem a ser empregadas ostensivamente, como "processo de intimidação difusa ou coletiva" a serviço do tráfico, o fato é que tal hipótese não chegou a se consumar, não se podendo punir os atos preparatórios para tanto.No caso, não se refuta aqui a possibilidade (ou mesmo probabilidade) de que o embargante estivesse, efetivamente, associado à facção criminosa "A.D.A" na Comunidade da Vila Vintém, funcionando como "vapor" em uma das "bocas-de-fumo" locais, e que estivesse tentando se evadir diante da incursão policial com veículo blindado naquela localidade, de modo que, além de ser um dos responsáveis pela guarda das "cargas" de drogas e pela sua mercancia direta, também estivesse incumbido da posse da munição empregada no armamento que é empunhado, ostensivamente, nos pontos de venda de drogas, ou mesmo que o próprio recorrente talvez tivesse recém dispensado sua arma de fogo. Não é o caso de sermos ingênuos, ao ponto de descartarmos tal hipótese. Jamais.O que ora e tão somente se reconhece é que, diante de todos os elementos de convicção coligidos até aqui, resta, no mínimo, pairando sobre os autos, fundada dúvida acerca da materialidade da majorante do inciso IV do artigo 40 da Lei Antidrogas.Dessa forma, verifica-se que, o órgão ministerial não se desincumbiu do ônus da prova - ao contrário, sequer buscou demonstrar a ocorrência de tal circunstância fática, a qual não foi narrada expressamente na peça exordial, tal como não foi pleiteada a incidência de tal majorante, de modo que a parte acusatória nem chegou a atrair para si tal ônus probante -, evidenciando-se que a insuficiência das provas produzidas não permite extrair-se a absoluta certeza, exigida na esfera penal, a fim de manter-se a procedência de tal imputação assacada contra o réu, nos termos da sentença a quo e acórdão vergastado.Portanto, imperioso é convir que, o aparente conflito de normas ora em debate resolve-se, facilmente, por meio da simples observância ao princípio da subsidiariedade, de molde a fazer prevalecer, assim, a incidência do tipo penal autônomo do art. 16, caput, da Lei n.º 10.826/2003, como verdadeiro "soldado de reserva" da figura típica principal consistente no crime de tráfico majorado, em razão de não se ter aperfeiçoado esta adequação normativa especial.Da mesma forma, tem-se por escorreito o concurso formal próprio (ou perfeito) operado, no voto vencido, entre os crimes de tráfico de drogas e posse ilegal de munição de uso restrito, cumulação ideal esta que ora se mantém.Explica-se. Basta imaginar, para tanto, a teor da própria hipótese vertente, que o embargante não se encontrasse simplesmente em posse dos cartuchos, guardados dentro da mochila, juntamente com o material narcótico apreendido, mas estivesse efetivamente utilizando os para municiar armas de fogo, empunhadas ostensivamente na "boca-de-fumo", empregando a munição, assim, como legítimo "processo de intimidação difusa ou coletiva", com vias a assegurar o livre comércio espúrio de drogas naquela comunidade, fazendo por incidir, aí sim, a majorante do artigo 40, inciso IV,

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