Página 257 do Diário de Justiça do Distrito Federal (DJDF) de 17 de Fevereiro de 2020

em que os devedores fiduciantes mantinham relação material com o bem e há provas de que o condomínio teve ciência do negócio jurídico. 8. Apelação provida. ACÓRDÃO Acordam os Senhores Desembargadores do (a) 1? Turma C?vel do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, HECTOR VALVERDE SANTANA - Relator, TE?FILO CAETANO - 1º Vogal e SIMONE LUCINDO - 2º Vogal, sob a Presidência do Senhor Desembargador CARLOS RODRIGUES, em proferir a seguinte decisão: CONHECER DO RECURSO E DAR-LHE PROVIMENTO. DECIS?O UN? NIME., de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas. Brasília (DF), 05 de Fevereiro de 2020 Desembargador HECTOR VALVERDE SANTANA Relator RELATÓRIO Trata-se de apelação interposta por Soltec Engenharia Ltda. contra a sentença proferida pelo Juízo da Primeira Vara Cível da Circunscrição Judiciária de Águas Claras. A apelante (credora fiduciária) opôs embargos à execução de título extrajudicial movida pelo Condomínio do Edifício Madison Studio Residencial Service (autos de n. 070XXXX-68.2019.8.07.0020). O apelado cobra cotas condominiais do período de fevereiro de 2018 a fevereiro de 2019. A dívida é de R$ 9.134,71 (nove mil cento e trinta e quatro reais e setenta e um centavos). A petição inicial alega que os devedores fiduciantes Vagner de Sousa Mendes e Luana Pereira Mendes são os responsáveis pela dívida. O imóvel foi comprado pelos devedores fiduciantes em 30 de abril de 2012 e dado como garantia em contrato de alienação fiduciária. Os devedores fiduciantes permaneceram na posse do imóvel até 8 de fevereiro de 2019, quando foi devolvido à apelante, em virtude do inadimplemento do contrato de alienação fiduciária. A apelante, na qualidade de credora fiduciária, consolidou a propriedade plena em seu nome. O fundamento jurídico do pedido é o art. 27, § 8º, da Lei n. 9.514/1997. Pediu o reconhecimento da ilegitimidade passiva e o afastamento da responsabilidade pelo pagamento das taxas condominiais (id 12013297). A defesa baseou-se na natureza propter rem da obrigação (art. 1.345, do CC) e no REsp n. 1.345.331/RS, julgado pelo rito dos recursos repetitivos. A respeito das teses firmadas no recurso repetitivo, o apelado informou que não teve ciência inequívoca do negócio jurídico (id 12013328). Os embargos à execução foram recebidos com efeito suspensivo (id 12013334). A apelante apresentou réplica (id 12013336). A decisão de saneamento e organização do processo determinou o julgamento antecipado do feito (id 12013337). A sentença rejeitou os pedidos formulados na ação. O Juízo de Primeiro Grau entendeu que a apelante é responsável pelas cotas condominiais, porque não demonstrou a ciência inequívoca do condomínio sobre o negócio jurídico. A apelante foi condenada a pagar honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa (id 12013338). Os embargos de declaração opostos pela apelante foram parcialmente providos, apenas para decotar a cota condominial de fevereiro de 2019 (id 12013344). O recurso requer a reforma da sentença. Aborda dois pontos. O primeiro é sobre a ciência do condomínio a respeito do negócio jurídico, matéria que foi o principal fundamento da sentença. Sustenta que os documentos e planilhas anexados demonstram que o condomínio tinha conhecimento do negócio jurídico. Os boletos de cobrança eram enviados ao devedor fiduciante Vagner de Sousa Mendes, assim como esse é o nome que consta da lista de presença nas atas das Assembleias de Condomínio. O segundo ponto baseia-se no art. 27, § 8º, da Lei n. 9.514/1997. A tese é de que o credor fiduciário somente responde pelas cotas condominiais que incidam depois da imissão na posse pela consolidação plena da propriedade. As cotas condominiais do período anterior são de responsabilidade do devedor fiduciante (id 12013346). O preparo foi recolhido (id 12013347). O apelado apresentou contrarrazões (id 12013350). Formulou questão preliminar de ausência de impugnação específica dos fundamentos da sentença. Afirmou, a esse respeito, que a apelação apenas reproduziu as alegações da petição inicial. No mérito, repetiu as alegações apresentadas na contestação: sobre a natureza propter rem da obrigação e sobre a tese firmada no REsp n. 1.345.331/RS (id 12013350). A apelante se manifestou sobre a preliminar (id 12506272). É o relatório. 3 VOTOS O Senhor Desembargador HECTOR VALVERDE SANTANA - Relator Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação. Preliminar de ausência de dialeticidade recursal A preliminar de ausência de dialeticidade recursal deve ser afastada. O fundamento adotado pela sentença, para rejeitar, em grande parte, o pedido inicial, foi de que não foi comprovada a ciência inequívoca do condomínio sobre o negócio jurídico. A apelação, entretanto, impugnou especificamente o referido fundamento. O recurso foi estruturado em dois tópicos. O primeiro é sobre a comprovação da ciência inequívoca. O recurso sustenta que os documentos trazidos pelo próprio apelado e aqueles anexados na réplica comprovam que o condomínio tinha ciência de que os devedores fiduciantes adquiriram o imóvel. O recurso, desse modo, impugnou especificamente o fundamento da sentença. Confira-se orientação da Primeira Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios a respeito do princípio da dialeticidade recursal: ?Tendo o recorrente impugnado especificamente os fundamentos da decisão impugnada, atacando os fundamentos de fato e de direito, na forma do art. 524, inciso I, do CPC, verifica-se preenchido o princípio da dialeticidade recursal.? (TJDFT, Primeira Turma Cível, AGI n. 2015.00.2.012584-7, Relatora Des.ª Simone Lucindo, j. 29/7/2015). Rejeito, portanto, a preliminar de ausência de impugnação específica dos fundamentos da sentença. Mérito A relação jurídica é de direito civil, envolvendo uma aparente antinomia entre o art. 1.345, do CC, que trata da natureza propter rem das cotas condominiais, e o art. 27, § 8º, da Lei n. 9.514/1997, a respeito da responsabilidade do credor fiduciário pelas cotas condominiais quando há consolidação plena da propriedade. O apelado cobra cotas condominiais de fevereiro de 2018 a fevereiro de 2019. A dívida pertence ao período em que os devedores fiduciantes (Vagner de Sousa Mendes e Luana Pereira Mendes) estavam na posse do imóvel. a apelante, na qualidade de credora fiduciária, alega que a dívida é de responsabilidade dos devedores fiduciantes. O imóvel foi comprado por eles em 30 de abril de 2012 e dado como garantia em contrato de alienação fiduciária. Os dois leilões realizados para saldar a dívida não obtiveram sucesso, razão pela qual a consolidação plena da propriedade foi registrada em nome da apelante em 14 de novembro de 2018, conforme consta no registro do imóvel (id 12013306, f. 3). A efetiva imissão na posse ocorreu no ano seguinte, em 8 de fevereiro de 2019, quando os devedores fiduciantes entregaram o imóvel à apelante, depois que a ação de reintegração de posse n. 070XXXX-03.2019.8.07.0001 foi proposta. Os devedores fiduciantes permaneceram na posse do imóvel de 2012 até 8 de fevereiro de 2019. A questão central consiste em definir quem é o responsável pelo pagamento das cotas condominiais relativas ao período em que os devedores fiduciantes estiveram na posse do imóvel. Dois pontos são essenciais para a solução do conflito: (1) definir se prevalece a natureza propter rem da obrigação, prevista no art. 1.345, do CC, ou a disposição do art. 27, § 8º, da Lei n. 9.514/1997, que excepciona a responsabilidade do credor fiduciário; (2) verificar se as teses firmadas no REsp n. 1.345.331/RS são aplicáveis ao caso concreto. (1) Antinomia aparente de normas Em relação à primeira questão, há uma aparente antinomia entre o art. 1.345, do CC, e o art. 27, § 8º, da Lei n. 9.514/1997. O art. 1.345, do CC, estabelece que o adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.[1] A doutrina, interpretando o referido artigo, esclarece que se trata do caráter propter rem da obrigação de pagar a cota condominial.[2] A finalidade é proteger o condomínio contra o inadimplemento.[3] O Código Civil de 1916 não tinha dispositivo correspondente.[4] Daniel Amaral Carnaúba e Guilherme Henrique Lima Reinig esclarecem que o tema da natureza propter rem das obrigações condominiais é recente, só atraiu a atenção dos juristas brasileiros a partir da década de 60, em razão do art. , parágrafo único, da Lei 4.591/1964, que responsabilizava o adquirente pelos débitos do alienante em relação ao condomínio. Na década de 80, a redação do dispositivo se alterou. A Lei n. 7.433/1984 passou a condicionar a alienação da unidade condominial à prova de quitação das obrigações para com o respectivo condomínio, sem mencionar a responsabilidade do adquirente.[5] Apesar da mudança legal, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça continuou decidindo com base na natureza propter rem da obrigação, conforme constava na redação anterior do dispositivo.[6] Um dos problemas práticos causados pelo caráter ambulatório das obrigações propter rem (capacidade de aderir à coisa, transmitindo-se automaticamente ao novo titular da propriedade) ocorre na alienação fiduciária, na hipótese de consolidação da propriedade pelo credor fiduciário. Apesar da redação do art. 1.345, do CC, há duas disposições normativas posteriores, de 2004 e de 2014, estabelecendo que o devedor fiduciante é quem responde pelas contribuições condominiais anteriores à imissão do credor fiduciário na posse do bem. A Lei n. 9.514/1997 trata do Sistema de Financiamento Imobiliário e da alienação fiduciária de coisa imóvel. O art. 27, § 8º, da referida Lei, incluído pela Lei 10.931/2004, estabelece que o devedor fiduciante responde pelo pagamento dos impostos, taxas, contribuições condominiais e quaisquer outros encargos sobre o imóvel, cuja posse tenha sido transferida para o credor fiduciário. O credor fiduciário somente responde a partir do momento em que vier a ser imitido na posse.[7] A disposição foi reforçada pelo art. 1.368-B, inserido no Código Civil em 2014, pela Lei n. 13.043. O art. 1.368-B, do CC, dispõe que o credor fiduciário que se tornar proprietário pleno do bem, por efeito de realização da garantia, em razão da consolidação da propriedade, adjudicação, dação ou outra forma pela qual lhe tenha sido transmitida a propriedade plena, passa a responder pelo pagamento dos tributos sobre a propriedade e a posse, taxas, despesas condominiais e quaisquer outros encargos, tributários ou não, incidentes sobre o bem objeto da garantia, a partir da data em que vier a ser imitido na posse direta do bem.[8] Trata-se de uma aparente antinomia entre o art. 1.345, do CC, e os arts. 27, § 8º, da Lei n. 9.514/1997, e 1.368-B,

Figura representando 3 páginas da internet, com a principal contendo o logo do Jusbrasil

Crie uma conta para visualizar informações de diários oficiais

Criar conta

Já tem conta? Entrar