Página 1170 da Caderno Jurisdicional das Comarcas do Diário de Justiça do Estado de Santa Catarina (DJSC) de 25 de Março de 2020

Requerente: Milton Eugenio Hoffmann - 1. Da prescrição A parte ré sustenta a ocorrência da prescrição, eis que já ultrapassados mais de trinta anos da realização do negócio jurídico que se pretende a declaração de nulidade. Conforme narrado na inicial, na data de 04/03/1985, o réu José Adilson Bittencourt efetuou a transferência de 73.259.286 (setenta e três milhões, duzentos e cinquenta e nove mil e duzentos e oitenta e seis) ações, ordinárias e preferenciais, de sua titularidade para Márcio Luis Dalla Lana e Neivo Moras. Segundo autor, não ficou claro se a transferência ocorreu por doação ou venda, mas que, de todo modo, a operação seria nula porque, na Assembléia Geral Extraordinária de 01/11/193, conforme registra a Ata nº 33 (fls. 64-67), já teria sido determinado o reembolso das ações de José Adilson Bittencourt pela entrega das instalações da empresa Tríton Madeiras Ltda. Deste modo, quando José Adilson Bittencourt realizou a alienação das ações, já não seria mais o legítimo proprietário delas. Pois bem, considerando que os fatos se deram antes da vigência do atual Código Civil, em razão do princípio tempus regit actum, aplicase ao presente caso o regramento do Código Civil de 1916. O art. 145 do vetusto Código Civil dispõe sobre os atos jurídicos nulos: Art. 145. É nulo o ato jurídico: I. Quando praticado por pessoa absolutamente incapaz (art. 5).II. Quando for ilícito, ou impossível, o seu objeto.III. Quando não revestir a forma prescrita em lei arts. 82 e 130).IV. Quando for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade.V. Quando a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito. No presente caso, trata-se de ato nulo decorrente da ilicitide (inciso II), isto porque não é conferido a ninguém o direito de alienar o que não lhe pertence. Neste sentido: “A permuta de imóveis firmada por quem não detém a legítima propriedade configura a chamada troca a non domino, e é afetada de nulidade, nos termos do art. 145 do Código Civil , tendo em vista a ilicitude do objeto. É princípio comezinho do direito que somente pode oferecer à venda aquele que é o proprietário ou legítimo representante da coisa’ (Ac n. 2001.009113-5, de Criciúma, Rel. Des. Carlos Prudêncio.”(Apelação Cível n. 2006.038385-4, de Blumenau, rel. Des. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 06-03-2007). Destarte, por tratar-se de ato nulo (e não anulável), inexiste ocorrência de prescrição. O entendimento do Tribunal de Justiça aponta para a imprescritibilidade dos atos nulos: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA. SUPOSTA DOAÇÃO INOFICIOSA. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO PELA PRESCRIÇÃO. NEGÓCIO JURÍDICO CELEBRADO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. DOAÇÃO INOFICIOSA JÁ CLASSIFICADA À ÉPOCA COMO NEGÓCIO JURÍDICO NULO (ART. 1.176). JURISPRUDÊNCIA MAJORITÁRIA QUE SUBMETE O DIREITO POTESTATIVO DE DESCONSTITUIÇÃO DO PACTO AO PRAZO PRESCRICIONAL VINTENÁRIO DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. POSIÇÃO SUPERADA POR ESTA CÂMARA EM JULGAMENTO RECENTE. NEGÓCIO JURÍDICO NULO QUE NÃO CONVALESCE PELO DECURSO DO TEMPO. INTELIGÊNCIA DO ART. 169 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. DOUTRINA NESSE SENTIDO. SENTENÇA ANULADA. RETORNO AO PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO. RECURSO PROVIDO. Os negócios jurídicos absolutamente nulos, ainda que firmados sob a égide do Código Civil de 1916, não convalescem pelo decurso do tempo. Mutatis mutandis, “Resultando provado que a escritura de compra e venda for forjada, o ato é tido como nulo e não convalesce pela prescrição. A nulidade é perpétua, no sentido de que, em princípio, não se extingue por efeito da prescrição, eis que o decurso do tempo não convalida o que nasceu inválido” (STJ, REsp 12.511/SP, Rel. Ministro Waldemar Zveiter, Terceira Turma, julgado em 08/10/1991). (TJSC, Apelação Cível n. 030XXXX-72.2018.8.24.0058, de São Bento do Sul, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 11-02-2020). (grifou-se) Sobre a imprescribilidade dos atos nulos, extrai-se do voto da decisão acima ementada: “A característica fundamental de uma nulidade absoluta é de que ela não pode convalescer pelo decurso do tempo e não pode ser suprida, nem pelo juiz, nem pela vontade das partes (art. 146, parágrafo único, CC/1916). Admitir o contrário, inclusive, conduziria a situações absurdas nas quais, por exemplo, um contrato qualquer firmado por uma criança de 6 anos não pudesse mais ser anulado depois de transcorrido certo tempo. Ou, ainda, um contrato com objeto ilícito (envolvendo tráfico de drogas ou pagamento de propinas, por exemplo), viesse a se convalidar pelo simples decurso do tempo. Assim, mesmo os julgados da época do CC/1916 já admitiam, de forma tranquila, a imprescritibilidade (ou a perpetuidade) de ações constitutivas voltadas à anulação de negócios jurídicos absolutamente nulos” Pelos motivos expostos, afasto a prejudicial de mérito da prescrição. 2. Da legitimidade passiva e interesse processual O réu José Adilson Bittencourt sustenta sua ilegitimidade passiva, porque já não seria mais acionista da empresa, e a falta de interesse processual, porque o retorno ao status quo ante não traria proveito ao autor. Importante ressaltar que, “nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, as condições da ação, aí incluída a legitimidade, devem ser aferidas com base na teoria da asserção, isto é, à luz das afirmações deduzidas na petição inicial” (STJ, REsp 1834003/SP, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 17-9-2019, DJe 20-9-2019). Dessarte, para que se reconheça a legitimidade passiva e i interesse de agir neste momento processual, basta que os argumentos apresentados na exordial permitam a conclusão, em um exame puramente abstrato, de que o réu pode ser o sujeito responsável pela violação do direito subjetivo do autor. A petição inicial imputa ao réu José Adilson Bittencourt a prática do ato nulo, não havendo que se falar, portanto, em ilegitimidade passiva. Ainda, segundo o autor, o eventual reconhecimento da nulidade da alienação importaria no recálculo das ações da companhia, o que lhe traria benefício. Portanto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva e falta de interesse processual. 3. Do saneamento Partes legítimas e devidamente representadas. Há interesse processual válido. Ausentes questões processuais ou preliminares pendentes de análise. Há necessidade de dilação probatória nos presentes autos, motivo pelo qual defiro a produção da prova testemunhal requerida e o depoimento pessoal das partes, fixando como ponto controvertido: a) a nulidade da operação de alienação de ações da Tríton S.A Indústria e Comércio, realizada por José Adilson Bittencourt em 04/03/1985; b) a responsabilidade de cada uma das partes pela operação nula; c) os haveres e deveres das partes em razão do reestabelecimento do status quo ante. Designo audiência de instrução e julgamento para o dia 08.10.2020, às 13h30min. Deverão as partes depositar/ratificar o rol de eventuais testemunhas em até 15 (quinze) dias a contar da intimação da presente. Intimem-se as partes pessoalmente para prestar depoimento, fazendo constar no mandado que se presumirão confessados os fatos contra ela alegados em caso de não comparecimento (CPC, art. 385, § 1º). A intimação das testemunhas deverá ser realizada pelo advogado da parte que a arrolar, na forma estabelecida no art. 455 do CPC. Caso frustrada a intimação realizada por carta com aviso de recebimento, o advogado poderá requerer sua realização por via judicial, oportunidade na qual deverá acostar aos autos, com antecedência mínima de 20 (vinte) dias da audiência, o AR não cumprido e, se for o caso, a guia de recolhimento das diligências devidamente quitada, sob pena de preclusão. Fica a cargo do cartório realizar a intimação diretamente pela via judicial caso verificada algumas das situações descritas no § 4º do art. 455 do CPC. A oitiva de eventuais testemunhas residentes em outras comarcas, nos termos da Resolução Conjunta GP/CGJ n. 24/2019, será objeto de apreciação após a realização da audiência de instrução e julgamento acima designada. Isto posto, declaro saneado o feito. Publique-se e intimem-se.

ADV: LEONARDO FELIPE PADOVA (OAB 31507/SC), MORGAN FRANCIS DE LIMA (OAB 27475/SC)

Processo 030XXXX-78.2018.8.24.0037 - Procedimento Comum Cível - Dissolução - Requerente: Laura Uliana - Requerente: Laura Uliana

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