Página 11069 da Suplemento - Seção II do Diário de Justiça do Estado de Goiás (DJGO) de 19 de Outubro de 2020

intransferível, de conhecimento exclusivo da parte autora. Precedente: TJ-DF: Acórdão n. 1087425, 20170110123514APC, Relator: Mário-Zam Belmiro, 8ª Turma Cível, Data do julgamento: 05/04/2018) . 7. Afigurando-se descabido imputar à instituição financeira os prejuízos advindos da desídia do autor, a sentença guerreada merece reparos . 8. Entretanto, em relação aos crediários efetuados , ainda que se subentenda que há manifestação tácita (por conta da digitação correta da senha) da vontade do correntista, o que não se coaduna com o art. 111 do Código Civil, a situação não pode render ensejo à prevalência da obrigação de pagar por um empréstimo que não se perfectibilizou com ele. Com efeito, ainda que o CDC ateste a

o

vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (art. 4 , I) e a impositiva interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável a ele (art. 47), referida conclusão sequer necessita de recurso à legislação de consumo. É que, restando incontroverso que o empréstimo fora feito em caixa eletrônico – e que o valor fora auferido por terceiros meliantes – não há como, do ponto de vista jurídico, concluir-se pela existência de relação contratual de mútuo entre a recorrida e o recorrente. Com efeito, relembre-se que a hipótese não é de mera realização de saques na conta-corrente da recorrida (quando, então, a subtração dos valores decorreria apenas da relação jurídica principal relativa ao contrato de conta-corrente), mas de realização de empréstimo (mútuo) através do caixa eletrônico. Veja-se, então, que o mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis, enquanto o comodato é o empréstimo de bem infungível. Em ambos os casos, tratam-se de contratos que não se aperfeiçoam solo consensu, ou seja, são modalidades contratuais que dependem, para se perfazerem, de que haja a tradição do objeto (fungível ou infungível) para as mãos do mutuário ou do comodatário (contrato real). É o que resulta dos arts. 579 e 586 do Código Civil: “Art. 579. O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto (…) Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”. Do quanto resulta do contexto dos autos, não há dúvida, a coisa não foi recebida pela recorrida, portanto, não há como se falar, logicamente, em restituição, por conta dela, daquilo que não recebeu. A doutrina também é unânime em afirmar que o empréstimo, em ambas as suas modalidades (comodato e mútuo) é contrato real. A respeito, límpida e conclusiva é a lição de José de Oliveira Ascenção (Contrato Real, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 20, p. 92-96): "Se há acordo, mas não há entrega, há um trecho do contrato previsto por lei, mas não se realizou ainda toda a facti species. Isto nada tem de nulo: por isso, logo que se der a traditio o contrato está perfeito. Antes não: não produz efeitos, mas simplesmente porque não há ainda contrato. Nada impõe que o acordo e a traditio sejam simultâneos, de maneira a taxar de nulos os acordos que não foram acompanhados daquela". No mesmo sentido: HIRONAKA, Giselda (Contratos reais e o princípio do consensualismo, in Revistas USP, p. 84); GOMES, Orlando GOMES, 1994, p. 75-77) e BITTAR, Carlos Alberto, o qual, aliás, leciona: “Dividem-se os contratos em consensuais e reais com supedâneo na circunstância de aos primeiros bastar, para se tornarem perfeitos e acabados, a integração entre proposta e aceitação, exigindo os segundos a efetiva entrega da coisa. Entre os primeiros, encartam-se a compra e venda, a locação e o mandato; entre os segundos, o comodato, o mútuo e o depósito. Os consensuais formam-se solo consensu, ao passo que os reais, além do consentimento, exigem a traditio para se formarem” (in A classificação dos contratos no Direito brasileiro vigente. Senado Federal: acesso em 22 de julho de 2020). De consequência, se o mútuo depende da tradição para se perfazer, não há como dizer que a recorrida é mutuária da quantia auferida por terceiros meliantes, pois o valor (a coisa) não foi por ela recebido. Se não foi por ela recebido, repita-se, não há como lhe impor a obrigação de restituí-lo, razão pela qual devem cessar os descontos em sua conta-corrente, bem como ser-lhe restituída a quantia já descontada, por se caracterizar como pagamento indevido, em sua modalidade objetiva (CC, art. 876). Precedentes: TJSP, Apelação nº 100XXXX-98.2018.8.26.0224; Apelação Cível Nº 100XXXX-79.2018.8.26.0625 e Apelação Cível nº 100XXXX-55.2014.8.26.0533, todos pelo afastamento do contrato de empréstimo. 9. Ressalte-se, apenas, que a restituição deve se dar na forma simples, e não em dobro, pois a ação criminosa de terceiros sustenta a hipótese de engano justificável, prevista no art. 42 do CDC, em favor da instituição financeira. No caso em apreço, na exordial consta o desconto apenas no mês 06.2016 – CREDIÁRIO AUTOM 01/37, sendo nos valores de R$ 212,44, e outro no valor de R$ 275,16. 10. Em matéria de responsabilidade contratual, a indenização por danos morais somente deve ser deferida em casos excepcionais, situação afastada nos autos, ante a constatação da excludente de responsabilidade civil objetiva . 11. Recurso conhecido e parcialmente provido , reformando-se a sentença para declarar a inexistência dos débitos relativos aos dois CREDIÁRIOS ITAU 070 e 624, bem como determinar a restituição simples na quantia de R$ 487,60 (quatrocentos oitenta e sete reais e sessenta centavos), acrescida de correção monetária devida a partir do efetivo desembolso, mais juros de mora de 1% ao mês, devidos a partir da citação. Sem condenação do recorrente ao pagamento das

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