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Doutrinas Essenciais - Novo Processo Civil - Teoria Geral do Processo II

Doutrinas Essenciais - Novo Processo Civil - Teoria Geral do Processo II

24. A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Novo Código de Processo Civil

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Capítulo V - Intervenção de Terceiros

Autor:

ALDEM JOHNSTON BARBOSA ARAÚJO

Especialista em Direito Público (pós-graduação lato sensu) pela Faculdade Estácio Recife. Advogado. aldem.araujo@limaefalcao.com.br

Sumário:

Área do Direito: Civil

Resumo: Teoria surgida no direito alienígena, a desconsideração da personalidade jurídica encontrava-se positivada em diversos dispositivos do ordenamento jurídico brasileiro, sem que, contudo, tivesse um regramento que estabelecesse qual seria o seu procedimento. Com o advento do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105, de 16.03.2015) finalmente o instituto foi instrumentalizado, garantindo segurança jurídica para sua aplicação. No presente trabalho procura-se traçar um panorama sobre o tratamento dado pelo ordenamento jurídico ao instituto da desconsideração tanto em seu caráter material, como (e principalmente) nas novas regras procedimentais trazidas pelo novo Código de Processo Civil.Abstract: Theory emerged in the foreign law , the disregard of legal entitty was planned in several laws of Brazil, without, however, had rules that establish what would be your procedure in civil proceedings. With the advent of the New Civil Procedure Code (Law 13.105 of March 16, 2015) finally institute was regulated, ensuring legal certainty for your application. In the present article seeks to give an overview about the treatment by the legal system to disregard the Institute both in its material character as (and especially) in the new procedural rules introduced by the NCPC.

Palavra Chave: Desconsideração - Personalidade jurídica - Novo Código de Processo Civil.Keywords: Disregard - Legal entitty - New Civil Procedure Code.

Revista dos Tribunais • RT 967/251-303 • Maio/2016

1. Introdução

É inegável que a partir da criação da figura da pessoa jurídica, deixou de ser viável se concentrar a prática de atos empresariais unicamente na figura do empresário. A sofisticação da economia, carecendo do emprego de mão de obra e tecnologia e demandando investimentos, restou por inviabilizar que as atividades desenvolvidas pela indústria, comércio e serviços ficassem adstritas à esfera das pessoas físicas.

Se antes o artesão manufaturava o seu produto e o comercializava numa feira para dali obter o lucro necessário para o seu sustento e para a perpetuação da sua atividade, na medida em que as relações comerciais passaram a ser mais complexas, o artesão teve de contratar empregados para auxiliar na produção, passando a comercializar sua mercadoria para um intermediário ao invés de diretamente ao consumidor, restando clara a necessidade de se criar algum instrumento que não só descentralizasse a administração da atividade empresarial, como também a fomentasse.

Com a criação da pessoa jurídica, permitiu-se que fosse ela a captar recursos e a assumir os riscos patrimoniais da atividade empresarial, possibilitando que diversos investidores passassem a integrar a economia por meio de participações em sociedades empresárias.

A partir de sua personificação, as empresas passaram a ter direito ao nome, domicílio, capacidade contratual, capacidade processual, existência distinta e autonomia patrimonial. 1

A importância da separação patrimonial entre a empresa e o empresário para o fomento da economia foi devidamente destacada pelo STJ no EREsp XXXXX/SC relatado pela Min. Maria Isabel Gallotti: "a criação teórica da pessoa jurídica foi avanço que permitiu o desenvolvimento da atividade econômica, ensejando a limitação dos riscos do empreendedor ao patrimônio destacado para tal fim".

Diante das dificuldades impostas pela complexidade de determinadas atividades econômicas, o compartilhamento de bens e serviços por parte de pessoas físicas no âmbito de uma sociedade empresária permite que seja obtido um êxito que seria muito difícil de ser alcançado caso os sócios resolvessem empreender atividades empresariais em caráter individual, já que seu desforço coletivo (exercido por meio da pessoa jurídica) torna-se ferramenta para fazer frente aos riscos do negócio. 2

Entretanto, da mesma forma que se celebra a criação de pessoas jurídicas em razão dos diversos benefícios que a separação do seu patrimônio com relação ao patrimônio pessoal dos sócios que a compõem, há de atentar que se coíbe com veemência a utilização de tal separação patrimonial para fins que não se revelem consentâneos com a função social da atividade econômica, com a boa-fé nas relações negociais e com a segurança jurídica. 3

Criada no direito anglo-saxão em 1897, 4 o instituto da disregard of the legal entitty, disregard doctrine ou lifting the corporate veil recebeu entre nós o nome de teoria da desconsideração, superação ou penetração da (na) personalidade jurídica.

A desconsideração permite "levantar o véu" da personalidade jurídica da sociedade, removendo-se a barreira que separa o seu patrimônio do patrimônio das pessoas físicas que a integram, propiciando que determinadas relações jurídicas havidas pelos sócios passem a ser de responsabilidade da empresa e vice-versa, sempre que, a grosso modo, a separação patrimonial entre as pessoas naturais e a pessoa jurídica esteja violando o interesse público. 5

O interesse público (manifestado na letra da lei) restará violado pela separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios sempre que esta se verificar um óbice à boa-fé contratual, à segurança jurídica nas relações empresariais, à proteção ao meio ambiente, à ordem econômica, ao erário e ao consumidor.

Não raro, as pessoas jurídicas são utilizadas para fins atentatórios à função social da propriedade, já que ao invés de gerar emprego, renda e desenvolver a economia, tornam-se instrumentos para ocultar bens dos sócios, frustrar credores e até mesmo sonegar tributos.

Em tais casos, há um evidente abuso de direito e um flagrante desvio das finalidades lícitas que devem pautar todas as empresas, fazendo com que a separação patrimonial entre os bens da sociedade e os bens individuais dos sócios se torne um inconveniente, de modo que a lei autoriza o Estado a promover a desconsideração da personalidade jurídica. 6 - 7 - 8 - 9

Assim, restará desconsiderada a personalidade jurídica da empresa para possibilitar que os bens pessoais dos sócios sejam atingidos em virtude de responsabilização que a princípio só deveria afetar os bens da sociedade empresária, admitindo-se ainda o inverso, ou seja, que bens da pessoa jurídica se tornem objeto de eventual constrição em virtude de atos praticados pelos seus sócios (o que caracteriza a chamada desconsideração inversa da personalidade jurídica). 10

Estando disciplinada em diversos diplomas legais no Brasil, a desconsideração da personalidade jurídica sempre careceu de uma disciplina que regulamentasse o seu procedimento, o que gerava muitas dúvidas 11 na doutrina e jurisprudência acerca de como aplicar tal instituto.

A partir da edição do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105, de 16.03.2015) foi instituído um procedimento (nos arts. 133 a 137 da Lei) que confere segurança jurídica 12 à aplicação do instituto, garantindo previsibilidade e afastando o casuísmo.

Nas linhas a seguir, traçaremos um panorama sobre o regramento processual conferido à desconsideração da personalidade jurídica.

2. A desconsideração da personalidade jurídica no direito material

Como já dito, no âmbito do direito material, o ordenamento jurídico brasileiro prevê em diplomas e regimes legais distintos diversas situações que ensejam a desconsideração da personalidade jurídica.

Antes da análise acerca dos dispositivos que preveem hipóteses autorizadoras da desconsideração, há de se esclarecer que em nenhuma delas acolhe-se a possibilidade de despersonificação 13 da pessoa jurídica. Desta feita, esclareça-se: nas hipóteses que serão debatidas a seguir não há casos em que a lei autorize a extinção da sociedade empresária e sim, tão somente, o afastamento momentâneo 14 e específico 15 da sua personalidade jurídica.

2.1. Art. 135 do CTN

Talvez a primeira das hipóteses legais de aplicação da disregard doctrine previstas no ordenamento jurídico brasileiro, o art. 135 16 do CTN (Lei 5.172/1966) adotou a teoria maior 17 - 18 da desconsideração da personalidade jurídica, já que para se levantar o véu do ente coletivo e assim desconsiderar a autonomia patrimonial que há entre os sócios e a empresa, é necessário que os responsáveis tributários atuem com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos:

"As pessoas referidas no art. 134 do CTN, em regra, respondem de modo subsidiário, em relação aos atos em que intervierem e pelas omissões de que forem responsáveis, e apenas se o contribuinte não tiver condições de cumprir a obrigação tributária. Entretanto, quando agirem dolosamente, em contrariedade à lei, ao contrato ou aos estatutos, em prejuízo não só do fisco, mas também do contribuinte, sua responsabilidade passa a ser pessoal. Essa é a razão da remissão 'às pessoas referidas no artigo anterior', que mostra, ainda, que o mero inadimplemento não pode ser condição para a incidência do art. 135 do CTN, pois, do contrário, o inciso I do art. 135 tornaria inócuo todo o art. 134. O art. 135, III, do CTN cuida da responsabilidade de terceiros que tenham administrado a pessoa jurídica contribuinte, representando-a (ou presenteando-a, para usar a linguagem de Pontes de Miranda), tais como diretores, administradores ou gerentes. Não é necessário, nem suficiente, que sejam sócios. Um sócio poderá responder se for sócio-gerente, sendo juridicamente impossível responsabilizar o sócio meramente quotista, a menos que se configure situação que autorize a aplicação conjunta dos arts. 135, I e 134, VII, do CTN (dissolução irregular da sociedade). Em outros termos, se se tratar de aplicação do art. 135, III, do CTN, o sócio meramente quotista não é responsável, e o 'sócio-gerente responde por ser gerente, não por ser sócio' (...). Pode ocorrer de o terceiro, mesmo ostentando a denominação de 'diretor', não haver praticado atos de gestão. Naturalmente, o ônus de provar essa peculiaridade será dele, mas, de qualquer sorte, em tais hipóteses não haverá responsabilidade nos termos do art. 135, III, do CTN. (...) O inadimplemento de um débito tributário até pode configurar infração de lei, mas essa infração, em condições ordinárias, é praticada pelo contribuinte, ou seja, no caso do art. 135, III, do CTN, pela pessoa jurídica, e não pelo seu representante, não sendo, portanto, causa para a sua responsabilização. Apenas quando este atua fora de sua competência, com excesso de poderes, em prejuízo do Fisco e da própria pessoa jurídica, pode-se falar em infração de lei. E nem poderia ser mesmo diferente, sob pena de a responsabilidade das pessoas indicadas no art. 135 do CTN deixar de ser uma exceção à regra de que o tributo é devido pela sociedade, e passar a ser uma regra sem exceções. Por isso, 'a simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, circunstância que acarrete a responsabilidade solidária dos terceiros, nomeadamente dos sócios-gerentes, pelos débitos tributários da empresa (art. 135 do CTN)'". 19

Registre-se o caráter excepcional de tal responsabilização prevista no Código Tributário Nacional, já que ao responsabilizar diretores, gerentes ou representantes em caráter pessoal pelo pagamento dos créditos da pessoa jurídica contribuinte quando estes forem correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes, infração de lei, contrato social ou estatutos, está o diploma legal instituindo verdadeira responsabilidade subjetiva (já que vai se aferir a atuação ilegal ou com excesso de poderes do responsável tributário) 20 para a incidência da obrigação tributária quando em regra a responsabilidade é objetiva. 21

2.2. Art. 28, § 5.º, do CDC

Por seu turno, consagrando a chamada teoria menor 22 - 23 da desconsideração da personalidade jurídica, o caput e principalmente o § 5.º do art. 28 24 do CDC (Lei 8.078/1990) permitem ao juiz aplicar o instituto sempre que a personalidade jurídica do ente coletivo se mostre um empecilho para o ressarcimento do consumidor.

Assim, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, mesmo que não haja fraude ou abuso de direito na relação da empresa e os seus sócios para com os seus credores, a mera existência de uma dívida proveniente de uma relação de consumo pode ser capaz de ensejar a penetração na personalidade jurídica da sociedade para fins de possibilitar o atendimento do interesse do consumidor lesado:

"A respeito da desconsideração da personalidade jurídica no CDC, é importante registrar que tal instituto se encontra regulamentado justamente no Capítulo IV, que cuida da qualidade dos produtos e serviços e da reparação de danos ao consumidor. Isto demonstra a intenção clara do legislador em dar efetividade aos direitos do consumidor, quando tenha seus direitos violados por conta de um acidente de consumo ou de um vício do produto. Não basta dar-lhe uma sentença de mérito favorável, reconhecendo seus direitos; o importante é que o consumidor tenha seu eventual crédito totalmente recebido, seja da pessoa jurídica ou da pessoa física do sócio. O art. 28 fala expressamente em desconsideração da pessoa jurídica. Entretanto, das hipóteses enumeradas pelo legislador para a aplicação do instituto, pode-se dizer que foram criadas outras situações permissivas da desconsideração, além da fraude e do abuso de direito, que não eram tratadas pela doutrina, anteriormente (...). Parece que as situações indicadas no caput do art. 28 são meramente exemplificativas. É que a disposição contida no § 5.º autoriza o magistrado a desconsiderar a personalidade jurídica e obrigar pessoalmente os sócios pelo ressarcimento dos prejuízos causados, toda vez que a personalidade for obstáculo para tanto. É como se a disposição do § 5.º atuasse como caput e as situações listadas no caput do art. 28 atuassem como incisos meramente exemplificativos. (...) E qual poderá ser este obstáculo de que fala o § 5.º do art. 28? Parece-me que aqui a simples ausência de bens penhoráveis na pessoa jurídica, ainda …

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23 de Maio de 2024
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