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Alienação Fiduciária de Bens Imóveis - Ed. 2024

Alienação Fiduciária de Bens Imóveis - Ed. 2024

1.. Da (Im)Possibilidade de Purgação da Mora no Contrato de Financiamento Imobiliário Após a Consolidação da Propriedade Fiduciária Até o Dia da Realização do Leilão Extrajudicial

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Sumário:

1. Da (im) possibilidade de purgação da mora no contrato de financiamento imobiliário após a consolidação da propriedade fiduciária até o dia da realização do leilão extrajudicial

1.1. Considerações iniciais

Diante da mora do devedor fiduciante, assegurou o legislador brasileiro, em princípio, apenas 15 dias para o fiduciante purgar a mora e evitar a excussão e perda do seu bem alienado em garantia. Tal prazo é extremamente exíguo e insuficiente à finalidade almejada. Posto que, se o fiduciante, passando por temporária dificuldade financeira, não conseguiu pagar as parcelas devidas a cada mês, maior dificuldade ou impossibilidade terá para liquidá-las imediatamente, todas juntas, e ainda acrescidas dos encargos moratórios e de cobrança.

Durante o trâmite do processo legislativo da Lei 9.514/97 , houve sugestões para que o prazo para purgação da mora fosse superior, de 40, 60 e até de 90 dias, o que não foi acolhido.

Os então Deputados Matheus Schimdt, Chico Vigilante e Inocêncio Oliveira apresentaram a Emenda Aditiva de nº 23, durante a tramitação do projeto de lei, propondo a modificação do prazo para a constituição em mora de 15 dias para 90 dias, justificando que:

“Os prazos impostos para a execução do imóvel, em caso de inadimplência, são extremamente curtos. O mutuário que atrasar sua prestação corre o risco de num período inferior a um mês ter seu imóvel leiloado. Isso equivale a um despejo quase que imediato, que não dá chances mínimas ao mutuário para negociar seu débito ou se recuperar de uma má fase financeira. Considerando o absurdo das condições draconianas impostas à parte mais fraca do contrato de financiamento é que apresentamos a presente emenda que amplia um pouco mais o prazo para o pagamento do débito, garantindo ao mutuário um espaço, ainda que reduzido, para tentar resguardar seu patrimônio.” (Grifos nossos)

O Congresso Nacional aprovou o prazo previsto na proposta originária de apenas 15 dias para o mutuário purgar a mora, mas ainda hoje se fazem necessárias a reflexão e modificação do prazo para purgar a mora, o qual é extremamente exíguo e insuficiente para que o devedor possa buscar mecanismos e condições de regularizar sua situação de inadimplência.

Nos Estados Unidos, quando se promove a execução extrajudicial da garantia imobiliária – a mortgage –, há Estados que concedem ao devedor o prazo de 45, 90, e até de 180 dias para purga da mora, antes que o imóvel seja oferecido para venda forçada no leilão extrajudicial; tais prazos objetivam justamente conferir condições efetivas de purgar a mora e a conservação do contrato.

Antes de nos aprofundarmos na questão do limite em que se deve admitir a emenda da mora na alienação fiduciária imobiliária, faremos breve análise do quanto são deficitárias em nosso ordenamento jurídico, especialmente no que tange aos contratos de financiamento habitacional, a regulação e especificação de procedimentos que obriguem os credores fiduciários a adotarem medidas efetivas para auxiliar e viabilizar a emenda da mora pelo fiduciante, em observância aos princípios da cooperação e conservação dos contratos.

Interessante analisarmos como lidou Portugal com questão similar, notadamente com a grave crise financeira que enfrentou em 2012, com o problema do inadimplemento dos financiamentos habitacionais, especialmente dos adquirentes mais hipossuficientes financeiramente. Naquele momento, foram criadas as Leis n.º 57/2012, 58/2012, 59/2012 e 60/2012 e o Decreto-Lei n.º 227/2012, 1 por meio das quais foram cunhados o PARI: Plano de Ação para o Risco de Incumprimento, tendo por finalidade fixar “procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito que, por um lado, possibilitem a detecção precoce de indícios de risco de incumprimento e o acompanhamento dos consumidores que comuniquem dificuldades no cumprimento das obrigações decorrentes dos referidos contratos e que, por outro lado, promovam a adoção célere de medidas suscetíveis de prevenir o referido incumprimento” 2 e o PERSI: Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, 3 por meio do qual: “define-se um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor”.

A referida lei estabeleceu uma série de princípios e regras, impondo condutas claras a serem observadas pelas instituições financeiras, no que tange ao acompanhamento e à gestão de situações de risco de inadimplemento e à regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações, criando ainda uma importantíssima rede de apoio a clientes bancários no âmbito da prevenção do incumprimento e da regularização extrajudicial das situações de incumprimento de contratos de crédito.

Os princípios gerais definidos no art. 4º do Decreto-Lei 227/2012 são os seguintes:

1 – No cumprimento das disposições do presente diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adotando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registre o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa. (Grifos nossos)

Vemos aí a positivação de importantes deveres anexos, os quais, em nosso ordenamento jurídico, ainda são sobrelevados e muito pouco exigidos das instituições financeiras, quais sejam, o dever de o banco agir com diligência e lealdade e o dever de cooperação – adotando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito, ou seja, auxiliando de forma efetiva o consumidor a solucionar sua mora.

A informação, na forma de esclarecimento, advertência e aconselhamento, é importantíssima, razão pela qual foi criada por meio da referida lei uma rede de apoio ao consumidor. 4 Assim dispõe o art. 6º do Decreto-Lei 227/2012:

Artigo 6.º

Apoio ao cliente bancário

1 – Os clientes bancários que se encontrem em risco de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito ou que estejam em mora relativamente ao cumprimento dessas obrigações têm o direito a obter, de forma gratuita, informação, aconselhamento e acompanhamento por parte das entidades reconhecidas para esse efeito, no âmbito da rede extrajudicial de apoio a clientes bancários, cujo regime se encontra estabelecido no presente diploma.

2 – As instituições de crédito estão obrigadas a prestar informação aos clientes bancários sobre as entidades referidas no número anterior, designadamente quanto às suas atribuições e elementos de contacto, nos termos a definir, mediante aviso, pelo Banco de Portugal. (Grifos nossos)

As instituições financeiras em Portugal, ao constatarem a mora de um cliente bancário, têm o dever de fazer uma análise amparada em critérios objetivos definidos pela lei, para verificar se o cliente ainda tem capacidade financeira para cumprir suas obrigações e, chegando a essa conclusão, são obrigadas a lhe apresentar: “uma ou mais propostas que se revelem adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades”. 5 Deve ser documentada a apresentação de tais propostas. Temos aqui relevantíssima positivação do dever anexo de cooperação, de modo que inclusive sua observância trata-se de pressuposto para a exigibilidade do crédito, ou seja, se o banco não comprovar que analisou e tentou efetivamente auxiliar o consumidor a purgar a mora, dando-lhe alternativas de acordo com sua necessidade, inexigível será seu crédito.

A lei exige que, para o banco aferir se o cliente ainda tem capacidade de cumprir suas obrigações, deve, entre outros, diligenciar no sentido de identificar as razões específicas pelas quais ficou em mora, para saber: “se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de forma continuada, essas obrigações nos termos previstos no contrato de crédito”. 6

Depois da apresentação das propostas pelo banco, caso entenda que o consumidor ainda tenha capacidade financeira para cumprir suas obrigações, inicia-se a fase de negociação:

Artigo 16.º 1 – Caso o cliente bancário recuse as propostas apresentadas, a instituição de crédito, quando considere que existem outras alternativas adequadas à situação do cliente bancário, apresenta uma nova proposta. 2 – Quando o cliente bancário proponha alterações à proposta inicial, a instituição de crédito comunica-lhe, no prazo máximo de 15 dias e em suporte duradouro, a sua aceitação ou recusa, podendo igualmente apresentar uma nova proposta, observando o disposto no n.º 5 do artigo anterior. 3 – O cliente bancário pronuncia-se sobre as propostas que lhe sejam apresentadas no prazo máximo de 15 dias após a sua recepção.

Se o cliente não concordar com nenhuma proposta ou contraproposta apresentada pelo banco, poderá solicitar ainda a intervenção de um Mediador do Crédito, o qual, dando seguimento ao procedimento extrajudicial de renegociação, poderá auxiliar as partes a chegarem a um acordo.

Da análise detida da referida lei, em especial dos dispositivos aqui colacionados, denota-se a existência de uma verdadeira obrigatoriedade para as instituições financeiras de promoverem a renegociação da dívida com o consumidor, auxiliando-o e viabilizando que esse purgue a mora, mantendo o contrato. Havendo, para tanto, o estabelecimento de um considerável procedimento adequado para tal finalidade.

Diversamente, conforme exposto no início deste capítulo, o que temos positivado no Brasil, de forma clara, nos pactos de alienação fiduciária para garantia de contratos bancários ou de obrigações em geral, limita-se ao dever de promover a intimação do fiduciante, concedendo-lhe apenas 15 dias para que purgue a mora, sob pena de consolidação da propriedade fiduciária, o que obviamente é insuficiente e inadequado, até porque ignora a situação peculiar que envolve cada fiduciante, bem como não lhe concedendo condições de negociar a melhor forma de viabilizar a purgação da mora. 7

1.2. O caso brasileiro. O estado de coisas antes de 2017

A questão ganhou grande repercussão a partir de decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça que reabriram o prazo para purgação da mora depois da consolidação, fundamentando-se que: i) a não teria fixado data-limite para purgação da mora e essa omissão justificaria a aplicação subsidiária do art. 34 do Decreto-Lei 70/1966 , que, ao regulamentar a execução extrajudicial de crédito hipotecário, permite a purgação da mora até a data da arrematação; ii) o contrato de mútuo garantido por propriedade fiduciária não se extingue por força do inadimplemento e da consolidação da propriedade no patrimônio do credor fiduciário; e iii) a consolidação da propriedade não importa em incorporação do imóvel ao patrimônio do credor fiduciário.

Ao se analisar a questão do prazo para purgação da mora, o intérprete deve ter em mente de forma muito clara uma situação jurídica que por vezes causa confusão. Depois da mora do fiduciante, pagamento do ISTI e consolidação da propriedade, ao contrário do que se pensa, não ocorre a consolidação da propriedade plena em favor do credor fiduciário. Até então, o credor fiduciário detinha uma propriedade fiduciária resolúvel, limitada e com a finalidade de garantia; depois da consolidação, extingue-se apenas e tão somente a propriedade fiduciária resolúvel, mas a propriedade que recebe o credor ainda não é plena, permanece limitada e com a finalidade de garantia, 8 ou seja, o contrato não foi extinto, porque ainda subsistem deveres ao credor dele decorrentes.

O credor fiduciário apenas receberá a propriedade plena do imóvel se no segundo leilão não houver arrematante e então o imóvel lhe for transferido com a finalidade específica de pagamento da dívida. 9

Se fosse admissível entendimento em sentido contrário, teríamos uma situação teratológica, em que haveria a consolidação da propriedade plena do imóvel em favor do credor por duas vezes, e de forma subsequente; a primeira, depois da constituição em mora e, a segunda, depois da inexistência de arrematação nos leilões, o que é absurdo. 10

Bresolin destaca com clareza que a consolidação da propriedade após a não purgação da mora não pode “ser considerada verdadeiramente plena”, fundamentando sua posição:

Como argutamente anota G. G. FELICIANO, “a propriedade consolidada não atinge a plenitude do artigo 524 do Código Civil (a referência é ao dispositivo do Código de 1916; no atual, regra análoga se encontra no artigo 1.228); por tal razão, aqui também cabem as lições de Moreira Alves sobre o caráter sui generis do direito real gerado pela alienação fiduciária em garantia, mesmo após a consolidação da posse ou da propriedade. O credor fiduciário não poderá usar, gozar e dispor do imóvel ao seu talante; antes, deverá tê-lo alienado em hasta pública” (Tratado de alienação fiduciária em garantia: das bases romanas à lei n. 9.514/97, 1999 p. 463). Daí J. M. ARRUDA ALVIM criticar o emprego da expressão consolidação, adotada pelo texto legal, observando que, em verdade, com o inadimplemento do devedor, fica o credor legitimado a proceder aos leilões e, se no segundo leilão (não houver resultado prático, aí, então, tornar-se-á o credor proprietário propriamente dito (art. 27, § 5º). Ou seja, é neste momento que ocorre real consolidação” (Comentários ao Código Civil Brasileiro: livro introdutório ao direito das coisas e ao direito civil, t. I, v. XI, 2009, p. 243). 11

A purgação da mora consiste no pagamento, em um único ato, das parcelas já vencidas ordinariamente da dívida, acrescidas de juros, multa, correção monetária, e das despesas com a cobrança que o credor fiduciário tenha tido, ou seja, não se incluem as parcelas vincendas, o que tornaria necessária a liquidação imediata de toda a dívida.

Os credores fiduciários entendem que o prazo que o fiduciante tem para purgar a mora é de apenas 15 dias após o fiduciante ser intimado pelo oficial do cartório, sustentando que tal direito decorre do expressamente previsto no art. 26, § 1º, da Lei 9.514/97 . 12

Tendo em vista a adoção da referida interpretação, após ser intimado o fiduciante, e transcorrido o prazo de 15 dias, e, principalmente, se já houver ocorrido a consolidação da propriedade fiduciária, o fiduciário não permite mais que o fiduciante faça a purgação da mora.

O Poder Judiciário inicialmente adotou o entendimento de que o prazo para purgação da mora não se finaliza com o transcurso do prazo de 15 dias, após a intimação do fiduciante, e nem com a consolidação da propriedade fiduciária, mas que tal prazo tem como termo final a lavratura do auto de arrematação, ou seja, até lá, o fiduciante teria o direito de purgar a mora 13 .

A base para o referido entendimento do Poder Judiciário decorreu da interpretação conjunta do art. 39, inciso II, da Lei nº 9.514/97 e dos artigos 29 a 41 do Decreto-Lei nº 70/66 .

O art. 39, inciso II, da Lei nº 9.514/97 preceitua que “(...) às operações de crédito compreendidas no sistema de financiamento imobiliário, a que se refere esta Lei: (...) II – aplicam-se as disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-lei nº 70, de 21 de novembro de 1966 ”.

Já o caput do art. 34 do Decreto-Lei nº 70/66 , em que, conforme disposto anteriormente, aplicava-se a sistemática da excussão da garantia fiduciária de imóvel, preceitua expressamente que até a assinatura do auto de arrematação poderá o mutuário purgar a mora: “Art. 34. É lícito ao devedor, a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação, purgar o débito totalizado de acordo com o art. 33, e acrescido ainda dos seguintes encargos: (...)”.

Assim sendo, com a análise conjunta do art. 39, inciso II, da Lei nº 9.514/97 e o art. 34 do Decreto-Lei nº 70/66 , o Poder Judiciário tem entendimento de que até a assinatura do auto de arrematação poderá o fiduciante purgar a mora.

O julgado a seguir do Superior Tribunal de Justiça ilustra bem o entendimento exposto anteriormente:

RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL. LEI Nº 9.514/1997. PURGAÇÃO DA MORA APÓS A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DO CREDOR FIDUCIÁRIO. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO DECRETO-LEI Nº 70/1966. 1. Cinge-se a controvérsia a examinar se é possível a purga da mora em contrato de alienação fiduciária de bem imóvel ( Lei nº 9.514/1997 ) quando já consolidada a propriedade em nome do credor fiduciário. 2. No âmbito da alienação fiduciária de imóveis em garantia, o contrato não se extingue por força da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, mas, sim, pela alienação em leilão público do bem objeto da alienação fiduciária, após a lavratura do auto de arrematação. 3. Considerando-se que o credor fiduciário, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.514/1997 , não incorpora o bem alienado em seu patrimônio, que o contrato de mútuo não se extingue com a consolidação da propriedade em nome do fiduciário, que a principal finalidade da alienação fiduciária é o adimplemento da dívida e a ausência de prejuízo para o credor, a purgação da mora até a arrematação não encontra nenhum entrave procedimental, desde que cumpridas todas as exigências previstas no art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966 . 4. O devedor pode purgar a mora em 15 (quinze) dias após a intimação prevista no art. 26, § 1º, da Lei nº 9.514/1997 , ou a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação (art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966 ). Aplicação subsidiária do Decreto-Lei nº 70/1966 às operações de financiamento imobiliário a que se refere a Lei nº 9.514/1997 . 5. Recurso especial provido (STJ – REsp: 1.462.210/RS XXXXX/XXXXX-0, Rel. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 18/11/2014, TERCEIRA TURMA). (Grifos nossos)

Importante se faz transcrevermos e destacarmos outro importante julgado do Superior Tribunal de Justiça sobre a presente questão:

HABITACIONAL. SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO. PURGAÇÃO DA MORA. DATA LIMITE. ASSINATURA DO AUTO DE ARREMATAÇÃO. DISPOSITIVOS LEGAIS ANALISADOS: ARTS. 26, § 1º, E 39, II, DA LEI Nº 9.514/97; 34 DO DL Nº 70/66; E 620 DO CPC . 1. Ação ajuizada em 01.06.2011. Recurso especial concluso ao gabinete da Relatora em 07.02.2014. 2. Recurso especial em que se discute até que momento o mutuário pode efetuar a purgação da mora nos financiamentos vinculados ao Sistema Financeiro Imobiliário. 3. Constitui regra basilar de hermenêutica jurídica que, onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo, sobretudo quando resultar em exegese que limita o exercício de direitos, se postando contrariamente ao espírito da própria norma interpretada. 4. Havendo previsão legal de aplicação do art. 34 do DL nº 70/99 à Lei nº 9.514/97 e não dispondo esta sobre a data limite para purgação da mora do mutuário, conclui-se pela incidência irrestrita daquele dispositivo legal aos contratos celebrados com base na Lei nº 9.514/97 , admitindo-se a purgação da mora até a assinatura do auto de arrematação. 5. Como a Lei nº 9.514/97 promove o financiamento imobiliário, ou seja, objetiva a consecução do direito social e constitucional à moradia, a interpretação que melhor reflete o espírito da norma é aquela que, sem impor prejuízo à satisfação do crédito do agente financeiro, maximiza as chances de o imóvel permanecer com o mutuário, em respeito, inclusive, ao princípio da menor onerosidade contido no art. 620 do CPC , que assegura seja a execução realizada pelo modo menos gravoso ao devedor. 6. Considerando que a purgação pressupõe o pagamento integral do débito, inclusive dos encargos legais e contratuais, nos termos do art. 26, § 1º, da Lei nº 9.514/97 , sua concretização antes da assinatura do auto de arrematação não induz nenhum prejuízo ao credor. Em contrapartida, assegura ao mutuário, enquanto não perfectibilizada a arrematação, o direito de recuperar o imóvel financiado, cumprindo, assim, com os desígnios e anseios não apenas da Lei nº 9.514/97 , mas do nosso ordenamento jurídico como um todo, em especial da Constituição Federal. 7. Recurso especial provido (REsp XXXXX/DF, Rel. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 18/06/2014). (Grifos nossos)

No referido julgado, entendeu inclusive o STJ pela aplicação analógica ao presente caso do art. 620 do CPC/73 : 14 “Art. 620 – Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”.

Portanto, não havendo prejuízo ao fiduciário, eis que o fiduciante deverá pagar todas as parcelas vencidas com os respectivos encargos moratórios, as custas para intimação e eventualmente da consolidação da propriedade fiduciária, e tendo em vista ainda a função social dos contratos e da propriedade, tem-se tornado uma tendência cada vez mais crescente no Poder Judiciário admitir a purgação da mora até que ocorra a lavratura do auto de arrematação, nesses casos.

1. 1.3.As alterações da Lei 13.465/2017 e o STJ

O Poder Legislativo, no anseio de atender exclusivamente aos interesses do credor fiduciário, em detrimento do fiduciante, em regra consumidor, tentou reagir contra o referido entendimento do Poder Judiciário, sem, no entanto, ter alcançado o esperado êxito.

O legislador inseriu na Lei 9.514/97 o art. 27, § 2º-B, por meio da Lei 13.465/2017 . O referido dispositivo legal dispõe que:

(...)

§ 2º-B. Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor …

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15 de Junho de 2024
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