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Curso de Direito Civil: Direito das Coisas

Curso de Direito Civil: Direito das Coisas

Capítulo 49. Direitos Reais de Garantia e em Garantia

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1. As garantias reais

Diz-se que a garantia do credor é o patrimônio do devedor. Na verdade, é quase isso: os bens do ativo do patrimônio do devedor configuram a garantia do credor. Ocorrendo o inadimplemento de qualquer obrigação pecuniária, o credor pode buscar em juízo sua execução. Ela se processa mediante a expropriação judicial de um ou mais bens do devedor (iniciada com a penhora, na execução individual, ou arrecadação, na concursal), para satisfazer-se o crédito em cobrança.

Quando não existe um bem específico do devedor vinculado à satisfação do crédito, a garantia chama-se pessoal ou fidejussória. É a constituída, por exemplo, pela emissão, endosso ou aval de títulos de crédito, pela celebração dos contratos em geral etc. Qualquer bem do patrimônio do sujeito passivo pode, nesse caso, ser expropriado. Será real se, ao contrário, as partes, por negócio jurídico bilateral, vincularem ao pagamento da obrigação determinado ou determinados bens do devedor.

A garantia real é mais eficiente que a pessoal. Nesta última, como todos os bens do devedor são aptos a suportar a execução, aparentemente seriam mais amplas as possibilidades abertas à recuperação do crédito; mas, em caso de insolvência, os credores com garantia pessoal entram em concurso e recebem parte proporcional de seus créditos, já que o devedor não tem patrimônio para atender a todos ( CC, art. 957). Na garantia real, como o bem está vinculado à satisfação de uma obrigação específica, o produto de sua venda destina-se inicialmente ao pagamento do credor que a titula. O saldo, se houver, será usado no atendimento dos demais créditos. Em outros termos, o credor com garantia real goza de preferência no recebimento do crédito ( CC, arts. 958 e 961; Lei n. 11.101/2005 – LF, art. 83, II), da qual deriva sua maior eficiência, quando comparada à pessoal (Cap. 18, item 7).

Se a venda do bem onerado pela garantia real não gerar recursos suficientes para o integral pagamento da obrigação garantida, o devedor continua obrigado pelo restante ( CC, arts. 1.366 e 1.430). A vinculação entre o bem e a obrigação proporcionada pela garantia real tem o objetivo de favorecer o credor, conferindo mais eficiência à recuperação do crédito. Não poderia servir, então, à exoneração do devedor no caso de insuficiência do valor do bem onerado. O crédito remanescente, porém, não goza de nenhuma garantia real e, portanto, concorre com os outros amparados pela garantia pessoal do devedor.

Enfim, convém notar que a maior eficiência da garantia real não atende apenas ao interesse do credor. Também o devedor se beneficia dela, porque certamente irá remunerar o crédito com juros menores. Como o credor titular de garantia real tem, mesmo no caso de insolvência do devedor, maiores chances de recuperar o seu crédito, ele corre menor risco e, por isso, pode cobrar menos juros remuneratórios. A eficiência da garantia real acaba gerando proveitos, em última análise, à economia como um todo por possibilitar a mobilização mais barata do crédito.

As garantias reais, ao contrário das pessoais, vinculam o produto da ­venda de determinado bem (ou bens) do patrimônio do devedor à satisfação da obrigação garantida. Essa vinculação aumenta a eficiência na execução da obrigação, ao possibilitar ao credor maiores chances de recuperação de seu crédito, mesmo na hipótese de insolvência do devedor. Dividem-se as garantias reais em duas espécies: direitos reais de garantia (que integra a categoria dos direitos sobre coisa alheia) e direitos reais em garantia (um dos direitos sobre a própria coisa).

As garantias reais classificam-se em duas categorias: direitos reais de garantia e direitos reais em garantia. A distinção foi introduzida na doutrina brasileira por Pontes de Miranda, ao discutir a dação em garantia de direitos reais sobre coisa alheia (1963, 21:403). José Carlos Moreira Alves, ao tratar da natureza e estrutura da alienação fiduciária, recuperou a distinção de Pontes de Miranda, averbou ter sido inspirada na doutrina alemã e a estendeu aos direitos reais ditos ilimitados (1973:154/155).

Os direitos reais de garantia são o penhor, a hipoteca e a anticrese (item 2); os direitos reais em garantia, por sua vez, são a alienação fiduciária em garantia e a cessão fiduciária de direitos creditórios (item 3).

Os direitos reais de garantia procuram assegurar o cumprimento de obrigação mediante a instituição de um direito real titulado pelo credor sobre bem da propriedade do devedor. Por vezes, a posse direta do bem onerado é transmitida ao titular da garantia real, como no penhor comum; mas em nenhuma hipótese o devedor deixa de ser o seu proprietário, podendo até mesmo, se achar interessado, alienar o bem gravado. A seu turno, nos direitos reais em garantia, o cumprimento da obrigação é garantido pela transferência do bem onerado à propriedade do credor. O sujeito ativo da obrigação garantida passa a titular a propriedade resolúvel do bem. Aqui, também, por vezes a posse direta do bem onerado é transmitida ao titular da garantia, como na cessão fiduciária de direito creditório; por vezes fica em mãos do devedor, na condição de depositário.

É relevante a classificação da garantia real numa ou noutra categoria em vista da forma de sua efetivação. Quando se cuida de direito real de garantia, a efetivação se alcança mediante expropriação judicial do bem (no bojo de execução individual ou concursal); enquanto a de direito real em garantia faz-se pela consolidação da propriedade do bem garantido no patrimônio do credor. Em outros termos, o titular de direito real em garantia exerce, em relação ao bem onerado, o direito constitucional de propriedade, enquanto o titular de direito real de garantia é apenas credor.

Antes de analisar as particularidades de cada categoria de garantia real, cabe o exame dos temas comuns: a proibição do pacto comissório (subitem 1.1), o princípio da indivisibilidade (subitem 1.2) e o vencimento antecipado (subitem 1.3).

1.1. Proibição do pacto comissório

A lei proíbe o pacto comissório como cláusula dos contratos instituidores de garantia real. Quer dizer, o credor não pode ficar com a coisa sobre a qual recai a garantia como forma de satisfazer seu crédito, tanto na hipótese de direito real de garantia como na de direito real em garantia (Gomes, 1970:113). Em razão dessa vedação, o titular da garantia tem o ônus de vender a terceiros a coisa onerada, ou pelo menos tentar vendê-la pelo preço atribuído de comum acordo com o outorgante. Veja que, após o vencimento, nada impede o devedor de dar a coisa onerada por direito real de garantia em pagamento da dívida ao credor, se este concordar ( CC, art. 1.428, parágrafo único); também não há óbice à entrega ao credor fiduciário, pelo devedor fiduciante, do direito que titula sobre o bem onerado, em dação em pagamento (art. 1.365, parágrafo único). Não há, nesses casos, nenhuma incompatibilidade com a proibição do pacto comissório, porque a dação decorre de ato voluntário das partes, que veem nela a alternativa mais adequada aos seus interesses para extinguir a obrigação garantida.

O fundamento para a proibição legal do pacto comissório reside na repressão à usura (Miranda, 1963, 20:65/66; Venosa, 2001:549/550; Diniz, 2002, 4:525) e na proteção ao devedor, que é a parte mais débil no contrato de mútuo (Rodrigues, 2003, 5:346). Normalmente, os bens dados em garantia real de certo crédito têm valor superior ao do crédito garantido. É prática largamente disseminada no mercado, justificada pela desvalorização que em geral o bem experimenta quando alienado com vistas a tornar efetiva a garantia, judicial ou extrajudicialmente. O credor, assim, para garantir-se de verdade, não pode aceitar que o ônus incida sobre bem cujo valor se iguale ao de seu crédito. Caso contrário (isto é, equivalendo), a venda judicial provavelmente não conseguiria gerar o suficiente para a satisfação do devido, seus consectários e mais as despesas de cobrança.

Como o valor do bem onerado é, então, em geral superior ao da obrigação garantida, se do inadimplemento desta pudesse decorrer a mera transferência de sua propriedade ao credor, verificar-se-ia seu enriquecimento indevido. Em outros termos, não fosse a proibição do pacto comissório, o credor estaria adquirindo coisa mais valiosa por preço equivalente ao crédito. Isso equivaleria à cobrança de juros usurários. Por essa razão a lei proíbe expressamente o pacto comissório nos negócios jurídicos instituidores de direitos reais de garantia (penhor, hipoteca, anticrese) e propriedade fiduciária sobre bens móveis ( CC, arts. 1.428 e 1.365).

Na disciplina da alienação fiduciária de bem imóvel, porém, a lei não estabelece expressa proibição do pacto comissório, mas ela existe implicitamente. O procedimento legal estabelecido para a efetivação da garantia representada pela propriedade fiduciária sobre bem imóvel não corresponde, bem examinado o tema, à admissibilidade do pacto comissório. Também na alienação fiduciária em garantia de bens imóveis não é jurídico estabelecer-se em contrato a transferência do bem onerado do patrimônio do devedor para o do credor em razão apenas da inadimplência daquele. Seria nula uma cláusula nesse sentido eventualmente inserida em contrato de alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel, por aplicação analógica dos arts. 1.365 e 1.428 do CC. A proibição ao pacto comissório, aqui, não é expressa, mas existe: é nula a cláusula estabelecendo a transferência da propriedade ao credor fiduciário não mediatizada pelo procedimento administrativo e pelas tentativas de venda em leilão previsto em lei.

O procedimento estabelecido para a efetivação da garantia representada pela propriedade fiduciária sobre bem imóvel prevê, é certo, a consolidação da propriedade em nome do fiduciário, mas o obriga, igualmente, a tentar vender em 30 dias o bem em …

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23 de Maio de 2024
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