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Manual de Direito Administrativo

Manual de Direito Administrativo

Capítulo 5. Agentes Públicos

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5.1. Significado e relevância da expressão

Agentes públicos são todas as pessoas que exercem de algum modo funções públicas. É a expressão mais ampla que se pode utilizar para designar as pessoas físicas que de qualquer forma possuem algum tipo de vínculo com o Estado ou com suas funções.

A definição de Maria Sylvia Zanella di Pietro é justamente esta: “agente Público é toda pessoa física que exerce função pública de titularidade do Estado ou das pessoas jurídicas da Administração Indireta” 1 .

Bandeira de Mello, realçando a largueza do conceito, menciona que a expressão agentes públicos abrange “os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente” 2 .

No que se refere à relevância da noção de “agente público”, é possível mencionar consequências bastante significativas:

- os agentes públicos são aqueles que, geralmente, estão sujeitos à impetração de mandado de segurança, aproximando-se do conceito de autoridade pública;

- os agentes públicos são aqueles que podem ser sujeitos ativos de atos de improbidade administrativa e, em consequência disso, ser réus em ação de improbidade administrativa;

- são os agentes públicos que, causando danos a terceiros, ensejarão a responsabilidade civil objetiva do Estado e poderão sofrer ação de regresso caso tenham agido com dolo ou culpa;

- são os agentes públicos e suas subcategorias as pessoas que podem sofrer enquadramento legal de suas condutas nas figuras penais dos crimes contra a Administração Pública em geral e dos crimes de abuso de autoridade.

Essas são apenas algumas das consequências que podem advir do completo entendimento sobre o significado e a abrangência da noção de agentes públicos e das espécies que compõem esse conjunto maior.

A doutrina ainda realça a relevância de se compreender que há dois requisitos para a conformação da figura do agente público: 1 – um requisito objetivo, que consiste na natureza pública da função que se exerce; 2 – um requisito subjetivo, qual seja, a regular investidura na função. A presença desses dois requisitos permite designar alguém como agente público 3 .

Não obstante essa construção, há que se mencionar o entendimento, também relevante, de que o vício na investidura não acarreta obrigatoriamente a invalidade dos atos pelo agente público irregularmente investido.

É a chamada teoria do funcionário de fato (ou do agente público de fato). Funcionário de fato é aquele cuja investidura foi irregular, mas que apresenta situação que tem aparência de legalidade. Os atos praticados pelo funcionário de fato, segundo essa teoria, devem ter sua validade preservada, se por outras razões não forem viciados 4 .

O STF aplicou referida teoria no julgamento da ADPF nº 388 . Na ocasião, decidiu o Tribunal que os Membros do Ministério Público não podem ocupar cargos em comissão nos outros poderes, em respeito ao conjunto de normas constitucionais que garantem autonomia e independência à instituição. Em razão disso, invalidou a nomeação que havia sido realizada, pela Presidente da República, de Procurador de Justiça integrante do Ministério Público da Bahia para o cargo de Ministro da Justiça. O Min. Celso de Mello, porém, fez ressalva, reconhecendo a validade dos atos até então praticados pelo agente público referido e advertindo para o histórico acolhimento da teoria do funcionário de fato pelo STF:

Cumpre rememorar, a esse propósito, a jurisprudência desta Suprema Corte que, por mais de uma vez ( MS XXXXX/DF , Rel. Min. Celso de Mello, v.g.), já aplicou a tais situações a teoria do servidor “de facto”, fundada na doutrina da aparência do direito.

Não se pode desconhecer, quanto a esse tema, o magistério jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou a propósito das questões surgidas em decorrência da investidura funcional “de facto”, orientando-se esta Corte, na matéria em causa, no sentido de fazer preservar, em respeito aos postulados da confiança e da boa-fé dos cidadãos, da segurança jurídica e da aparência do Direito, a integridade dos atos praticados pelo funcionário de fato:

“A declaração de insubsistência da nomeação de magistrado que haja participado de julgamento não implica a nulidade desse. Milita, a favor da Administração Pública, a presunção de legitimidade dos respectivos atos, sendo o magistrado considerado como servidor público de fato” ( HC XXXXX/RR , Rel. Min. Marco Aurélio, Segunda Turma).

Na realidade, a jurisprudência desta Corte Suprema tem advertido, no exame da controvérsia pertinente ao denominado servidor de fato, que, “Ainda que declarada a inconstitucionalidade da lei que permitiu a investidura de agentes do Executivo nas funções de Oficiais de Justiça, são válidos os atos por eles praticados” (RDA 126/216, Rel. Min. Aliomar Baleeiro).

Vale, por fim, advertir que o reconhecimento da pertinência e do cabimento dessa teoria exige a inexistência de elementos que indiquem má-fé dos interessados/envolvidos e a inexistência de outros vícios que possam macular o ato.

O que importa extrair da teoria é que os atos praticados pelo funcionário de fato e os seus efeitos não devem ser de todo eliminados pela simples razão da irregularidade da investidura do agente público.

É propriamente uma teoria que se constrói a partir de uma necessidade pragmática – preservação de numerosos atos praticados por agentes públicos que possam ter sua investidura invalidada a posteriori, mas que tem apoio jurídico num princípio constitucional dos mais relevantes: a segurança jurídica.

5.2. Classificação dos agentes públicos

Dada a abrangência da expressão “agentes públicos”, é possível encontrar dentro desse grande conjunto diferentes categorias de pessoas, sendo relevante, portanto, compreender os critérios que levam a uma classificação desses agentes. Dentro do grande conjunto dos agentes públicos, encontramos ao menos três categorias de pessoas:

1. Agentes políticos;

2. Servidores estatais ou servidores públicos lato sensu (em sentido amplo);

3. Particulares em colaboração com o Poder Público.

Por sua vez, esses conjuntos menores ainda se subdividem, especialmente o conjunto 2 e o conjunto 3, como se pode visualizar no esquema a seguir.

Passaremos agora à análise das principais características de cada uma dessas categorias.

5.2.1. Agentes políticos

Agentes Políticos são os titulares de cargos fundamentais na organização política do Estado. Pode-se dizer que são integrantes da estrutura constitucional do poder estatal e, de algum modo, formadores da vontade superior do Estado.

Para Marçal Justen Filho, “agente político é a pessoa física investida do exercício das mais elevadas e relevantes competências públicas, investido de regra mediante voto popular e subordinado constitucionalmente ao regime de crimes de responsabilidade” 5 .

A rigor, o aspecto técnico que os diferencia dos demais agentes públicos é que seu vínculo com o Estado não é profissional, mas sim de natureza política.

Além disso, seus direitos e deveres advêm diretamente da Constituição Federal e das leis, nunca de contrato de trabalho.

É pacífico na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que são agentes políticos os Chefes do Poder Executivo, seus assessores imediatos (Ministros de Estado, Secretários Estaduais e Municipais) e os Membros do Poder Legislativo.

A maior parte da doutrina não vê os Membros da Magistratura e do Ministério Público como agentes políticos, dado o caráter nitidamente profissional de seu vínculo. No entanto, a autorizada voz de Hely Lopes Meirelles há tempos sustentava que os Membros da Magistratura, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, por exercerem atribuições constitucionais, também se enquadrariam na categoria dos agentes políticos.

O Supremo Tribunal Federal já decidiu nesse sentido, afirmando que “os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica” 6 .

A questão é ainda polêmica. A nosso ver, nomear os Membros do Poder Judiciário e do Ministério Público como agentes políticos tem mais um sentido simbólico, de realçar sua condição de agentes de alto escalão, que exercem funções de origem constitucional. Do ponto de vista técnico, o vínculo que essas pessoas mantêm com o Estado é evidentemente distinto da relação política que se verifica com relação aos ocupantes de mandato eletivo.

5.2.2. Servidores públicos em sentido amplo

A segunda categoria de pessoas que se enquadram na noção de agentes públicos é a dos servidores estatais ou servidores públicos lato sensu. São todos os agentes que mantêm com o Estado ou com as pessoas da Administração Indireta relação de trabalho de natureza profissional, não simplesmente política ou eventual.

São pessoas físicas que entregam, em troca de remuneração, sua força de trabalho ao Estado, desempenhando um ofício ou profissão. Por isso, aponta-se que se trata de uma relação de natureza profissional.

Observe-se, porém, que nesse conjunto estão abrangidas diferentes classes de servidores públicos, razão pela qual apresenta-se aqui um rol de subespécies. Dentro do conjunto dos servidores públicos em sentido amplo, encontramos:

a)Servidores públicos em sentido estrito (funcionários públicos): são os servidores ocupantes de cargos públicos, cuja relação profissional com o Estado é de natureza estatutária. Ou seja, trata-se de uma relação profissional que é regida por um estatuto (uma lei própria daquela categoria ou grupo). Note-se que a lei que regula determinada categoria de servidores é a lei editada pela respectiva pessoa política. Cada ente federativo legisla sobre a vida funcional dos seus servidores estatutários. Por isso, a Lei Federal nº 8.112/1990 é o Estatuto dos Servidores Civis da União, mas encontraremos também leis estaduais que são os estatutos dos respectivos servidores de cada Estado e leis municipais que regulam as relações dos servidores municipais com o respectivo Município. Observe-se, ainda, que, no que se refere aos servidores estatutários, seu regime só é modificável por lei, sendo inviável ou indevido pretender modificá-lo por contrato;

b)Empregados públicos: são os agentes ocupantes de empregos públicos, postos de trabalho marcados pelo regime da legislação trabalhista em geral. Por isso, são chamados de celetistas, pela aplicação da CLT ( Consolidação das Leis do Trabalho)à sua relação profissional. Note-se que, diferentemente do que ocorre com os servidores estatutários, a lei que regula a vida funcional dos empregados públicos é a lei trabalhista federal, já que a União detém competência legislativa privativa sobre direito do trabalho (art. 22, I, CF). O regime celetista dos empregados públicos, porém, sofre algumas derrogações que se originam da própria Constituição Federal (por exemplo, os requisitos para ingresso, as regras que proíbem a acumulação etc.);

c)Servidores temporários: contratados por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX, Constituição Federal 7 ). Essas pessoas, na verdade, não ocupam um posto de trabalho fixo na Administração, apenas exercem função, sem estarem vinculados a cargo ou emprego público 8 ;

d)Servidores Militares: são os integrantes das Forças Armadas e das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, Distrito Federal e Territórios 9 . A rigor, são servidores estatutários, mas seu regime jurídico é de tal modo especial, que a doutrina costuma distingui-los dos servidores civis, alocando-os em uma categoria própria.

5.2.3. Particulares em colaboração com o Estado

A terceira e última das categorias integrantes do grande conjunto dos agentes públicos é a dos particulares em colaboração com o Estado. São pessoas físicas que prestam serviços ao Estado, sem vínculo profissional, em caráter transitório, por vezes até eventual, com ou sem remuneração.

Nessa terceira espécie, incluem-se hipóteses como:

A) Agentes que atuam por delegação do Poder Público: como os agentes das concessionárias e permissionárias de serviços públicos e os que exercem serviços notariais e de registro (art. 236, CF 10 );

B) Pessoas que agem por requisição, nomeação, designação ou outros atos similares, como os jurados no Tribunal do Júri, os convocados para o serviço militar, os mesários nas eleições, os estagiários nas repartições públicas etc.;

C) Os gestores de negócios públicos: pessoas que sponte propria (espontaneamente) assumem a gestão de coisa pública, em situações anômalas (tais como voluntários em situações de enchentes, incêndios, epidemias etc.).

5.3. Distinção e âmbito de aplicação: cargo, emprego e função públicos

Outra distinção relevantíssima é a que se deve fazer entre os institutos: cargo público, emprego público e função pública.

Cargo, emprego e função podem ser genericamente definidos como diferentes formas ou métodos de se realizar validamente a investidura de uma pessoa física no exercício de atribuições do Estado.

Os três institutos envolvem e propiciam o exercício de uma unidade de atribuições públicas pela pessoa física ali investida.

Veja-se o conceito dado pela Lei nº 8.112/1990 para os cargos públicos:

Art. 3º Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.

Parágrafo único. Os cargos públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados por lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão.

Ao conceito legal é preciso agregar outras características, que permitem distinguir entre as noções de cargo, emprego e função:

a)Cargo público: posto de trabalho criado nos quadros do Estado por meio de lei, englobando um conjunto de atribuições a serem exercidas pelo servidor público que vier a ocupá-lo, cuja vida funcional será regida por uma lei específica (um estatuto). Por isso, diz-se que o cargo se submete ao regime estatutário, isto é, a um estatuto – ou uma lei própria. O servidor ocupante de cargo público tem seus direitos e deveres previstos numa lei específica (lei do respectivo ente da federação a que se acha vinculado);

b)Emprego público: posto de trabalho criado nos quadros do Estado por meio de lei, englobando um conjunto de atribuições a serem exercidas pelo empregado público que vier a ocupá-lo, cuja vida funcional será regida pelo direito do trabalho comum (geral). Por isso, diz-se que o emprego se submete ao regime celetista, isto é, à CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. A pessoa ocupante de emprego público tem seus direitos e deveres previstos na lei trabalhista geral (com algumas derrogações do regime público que decorrem da própria Constituição Federal);

c)Função pública: um conjunto de atribuições também concebido por lei que não corresponde a um posto fixo de trabalho. Trata-se de técnica a ser utilizada quando o Estado não deseja estabelecer vínculo permanente com o servidor, seja em razão da provisoriedade da contratação (como ocorre no caso dos servidores temporários – art. 37, IX, CF), seja por conta da especificidade das funções que demandam a designação dos próprios servidores já ocupantes de postos fixos (como ocorre no caso das funções de confiança – art. 37, V, CF).

Em resumo, cargo, emprego e função públicos são todos eles unidades de atribuições. No entanto, o cargo e o emprego são unidades de atribuições que correspondem a postos fixos de trabalho, o que não ocorre com a função. Além disso, o cargo se submete a regime estatutário, enquanto o emprego se subordina a regime celetista.

Todos eles são, de algum modo, concebidos por lei. É a regra estabelecida pela própria Constituição Federal:

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:

(...)

X – criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, observado o que estabelece o art. 84, VI, b;

Como se vê, a regra é que se criem cargos, empregos ou funções públicas mediante lei 11 . A própria Constituição, porém, ressalva a hipótese do art. 84, VI, b:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...)

VI – dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos; (...).

Não se olvide, ainda, que a lei deve dispor minimamente sobre a essência da unidade criada (cargo, emprego ou função), discriminando suas competências, alocando a unidade em determinado órgão, tratando dos requisitos de sua investidura.

Frise-se, por fim, que a Constituição também trata da iniciativa de tais leis, atribuindo-a ao Chefe do Poder Executivo em diversos aspectos:

Art. 61. (...) § 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: (...)

II – disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI;

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva. (...).

De outro lado, outras normas constitucionais trazem hipóteses de exceção à exigência de lei formal, ao franquear às Casas Legislativas a criação de cargos relativos a seus serviços:

Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados: (…)

IV – dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias;

(...)

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

(...)

XIII – dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; (...).

Finalmente, ao Poder Judiciário e ao Ministério Público é assegurada a iniciativa de leis de criação de cargos nas respectivas instituições:

Art. 96. Compete privativamente: (…)

II – ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169: (…)

b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver;

(...)

Art. 127. (…) § 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento. (...).

Note-se, uma vez mais, que cargo, emprego e função são diferentes técnicas ou métodos de investidura das pessoas físicas para o exercício de atribuições públicas.

Diferentes métodos de investidura do servidor no exercício de atribuições públicas

Cargo público: conjunto de atribuições que corresponde a um posto fixo de trabalho, de regime estatutário.

Emprego público: conjunto de atribuições que corresponde a um posto fixo de trabalho, de regime celetista.

Função pública: conjunto de atribuições que não corresponde a um posto fixo de trabalho.

Discute-se sobre a pertinência de se utilizar um ou outro regime, uma ou outra técnica, pelos entes públicos.

Trata-se de tema bastante polêmico, em função do histórico legislativo e jurisprudencial que se verificou no Brasil nas últimas décadas.

Retomemos esse histórico:

1) O texto original da Constituição Federal de 1988 trouxe a exigência do regime jurídico único dos servidores públicos: “Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas” (g.n.). Desse modo, cada uma das pessoas públicas deveria adotar um regime único para seus servidores, optando pelo regime estatutário ou pelo regime celetista. A União, por exemplo, adotou expressamente o regime estatutário para os seus servidores (art. 243 da Lei nº 8.112/1990);

2) A Emenda Constitucional nº 19/1998 alterou a redação do caput do art. 39 da CF , eliminando a exigência explícita do regime jurídico único. Desse modo, passou a ser lícita a coexistência de diferentes regimes de servidores no âmbito da mesma pessoa jurídica pública. De fato, tanto a União, quanto as outras pessoas públicas, passaram a realizar contratações pelo regime celetista, ao lado de nomeações pelo regime estatutário, coexistindo no âmbito de cada uma das pessoas públicas servidores de ambos os regimes jurídicos;

3) Sobreveio, porém, no ano de 2007, decisão liminar do Supremo Tribunal Federal na ADI 2.135 , por meio da qual se suspendeu a eficácia da EC 19/98 quanto à alteração operada no caput do art. 39, reconhecendo a existência de fundados indícios da violação de normas relativas ao processo legislativo, com a consequente causação de vício de inconstitucionalidade formal da EC 19/98 nessa parte. No entanto, atento às consequências práticas da decisão, determinou o STF que se lhe reconheçam efeitos ex nunc, subsistindo, até o julgamento definitivo da ação, a validade dos atos anteriormente praticados com base em legislações eventualmente editadas durante a vigência do dispositivo suspenso 12 . Desse modo, voltou a viger o art. 39 da CF com a exigência explícita do regime jurídico único.

A par do histórico legislativo e jurisprudencial exposto, é válido também trazer à tona o debate doutrinário acerca da opção pelo regime jurídico mais apropriado aos servidores públicos.

O entendimento majoritário sustenta que, no âmbito das pessoas jurídicas da Administração Direta e das pessoas jurídicas públicas da Administração Indireta, a regra deve ser a adoção do regime estatutário. O regime estatutário foi tratado de maneira pormenorizada na própria Constituição Federal, o que já indicaria a intenção de sua adoção prioritária nas pessoas públicas. Além disso, é o regime estatutário que contempla as mais relevantes prerrogativas ao servidor público (como a estabilidade), de modo que tais instrumentos são garantias para a boa execução de suas atribuições. O enfrentamento de diversos interesses (de indivíduos ou grupos com grande poderio econômico e/ou político) por parte dos servidores públicos no exercício de suas funções exige que se lhes outorguem garantias como a estabilidade, o que, em última análise, lhes possibilita exercer com isenção e destemor suas funções, estejam diante de qual pessoa estiverem.

É bem verdade que, na atualidade, no debate leigo e por vezes até mesmo no debate jurídico, as garantias dos servidores públicos são tratadas como privilégios desarrazoados ou injustificados 13 . Não é como as vemos.

A rigor, são garantias do bom desempenho das funções públicas. As distorções obviamente devem ser corrigidas, mas não podem levar ao desprezo ou à desconstrução dos institutos que, num sentido geral, colaboram para uma cultura de qualidade dos serviços do Estado.

Assim, o regime estatutário deve ser a regra nas pessoas públicas porque consagra uma série de garantias e prerrogativas aos servidores, tudo para o bom desempenho da função pública. Portanto, a regra é a de que, na Administração Direta e nas Autarquias e Fundações, seja adotado o regime estatutário. O regime celetista ficaria reservado, nas pessoas públicas, aos serviços materiais subalternos, onde são desnecessárias as prerrogativas garantidoras de isenção dos servidores 14 .

Já nas empresas públicas e sociedades de economia mista, a regra deve ser a adoção do regime celetista, pela própria personalidade de direito privado que possuem. Além disso, com relação às exploradoras de atividade econômica, a própria Constituição Federal impõe a necessidade de se estabelecer um regime jurídico próximo ou semelhante ao das pessoas privadas (art. 173, § 1º, CF). A própria Lei nº 13.303/2016, que contempla agora o Estatuto das Empresas Estatais, faz inúmeras referências aos seus empregados, mas não aos servidores.

No âmbito das agências reguladoras, a Lei nº 9.986/2000 admite a existência de servidores (ocupantes de cargos) e empregados (ocupantes de empregos) públicos (v. art. 19).

Vale, por fim, fazer breve referência à questão do âmbito de aplicação da técnica da função pública . Esse método, como já mencionado, deve ser utilizado sempre que se esteja diante da necessidade de incumbir a alguém um determinado conjunto de atribuições públicas, sem estabelecer vínculo permanente com o servidor, seja em razão da provisoriedade da contratação (como ocorre no caso dos servidores temporários – art. 37, IX, CF), seja por conta da especificidade das funções que demandam a designação dos próprios servidores já ocupantes de postos fixos (como ocorre no caso das funções de confiança – art. 37, V, CF). Trata-se de método a ser utilizado em situações específicas, caracterizado por uma unidade de atribuições que não corresponde a posto fixo de trabalho (cargo ou emprego).

5.4. Condições de ingresso dos servidores públicos

5.4.1. Os requisitos pessoais (nacionalidade, direitos políticos, obrigações militares e eleitorais)

A Constituição Federal e a legislação infraconstitucional preveem requisitos para o ingresso de pessoas físicas nos cargos, empregos ou funções públicas.

Em primeiro lugar, alguns requisitos de natureza pessoal devem ser cumpridos.

A Constituição Federal dispõe que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei (art. 37, I, CF).

Como se vê, os brasileiros têm ampla acessibilidade garantida pela Constituição, enquanto os estrangeiros têm seu direito de acesso condicionado à disciplina de lei específica. Trata-se de norma constitucional de eficácia limitada, razão pela qual o exercício do direito de acesso por estrangeiros depende da edição de norma regulamentadora da Constituição:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. ACESSO AO SERVIÇO PÚBLICO. ARTIGO 37, I, DA CB/88. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que o artigo 37, I, da Constituição do Brasil [redação após a EC 19/98], consubstancia, relativamente ao acesso aos cargos públicos por estrangeiros, preceito constitucional dotado de eficácia limitada, dependendo de regulamentação para produzir efeitos, sendo assim, não auto-aplicável. Precedentes. Agravo regimental a que se dá provimento 15 .

É a própria Constituição, no entanto, que admite a presença de estrangeiros nas universidades, o que certamente é benéfico à qualidade dos professores, técnicos e cientistas presentes no país:

Art. 207. As universidades gozam de …

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6 de Maio de 2024
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