16 de Junho de 2024
- 2º Grau
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Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro TJ-RJ - APELAÇÃO: APL XXXXX-25.2018.8.19.0024 202300128327
Publicado por Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
Detalhes
Processo
Órgão Julgador
PRIMEIRA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 8ª CÂMA
Publicação
Julgamento
Relator
Des(a). MÔNICA MARIA COSTA DI PIERO
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Ementa
APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZATÓRIA. SERVIÇOS NOTARIAIS. ABERTURA E RECONHECIMENTO DE FIRMA DE SUPOSTO PROPRIETÁRIO. FRAUDE. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO CLONADO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO TABELIÃO DE NOTAS NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES. INOBSERVÂNCIA DO DEVER DE CAUTELA. DANOS MATERIAL E MORAL CONFIGURADOS. REFORMA DA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
1. Trata-se de ação indenizatória proposta sob a alegação de falha na prestação de serviço do réu, tabelião titular do Cartório do 3º Ofício de Notas de Itaguaí, que teria reconhecido a autenticidade da assinatura de fraudador, quando da celebração de contrato de compra e venda de veículo.
2. A sentença recorrida julgou improcedente o pleito autoral, sob o fundamento de ausência de nexo causal, ante o fato exclusivo de terceiro, insurgindo-se o autor, que reitera a tese de que trata o caso de fraude de fácil constatação, não tendo sido adotados os procedimentos corretos para verificação.
3. O fato narrado na exordial restou incontroverso, limitando o réu em alegar a adoção de todas as medidas pertinentes ao caso, aduzindo que o documento apresentado pelo criminoso estava em papel moeda, tornando impossível a constatação de sua inidoneidade.
4. Cinge-se a controvérsia, portanto, quanto à responsabilidade do notário que, ao proceder à abertura e ao reconhecimento de firma de terceiro que se dizia proprietário do veículo, teria induzido o apelante a celebrar a compra e venda, causando-lhe prejuízo, ante a fraude concretizada.
5. Tabelião que é dotado de fé pública, a quem é delegado a atribuição de velar pela segurança, validade, eficácia e publicidade dos negócios jurídicos, cuja responsabilidade é de natureza subjetiva, de acordo com o que dispõe o art. 22 da Lei nº 8.935/94, sendo certo que o fato ocorreu em 2017, ou seja, após a alteração promovida na redação do artigo pela Lei nº 13.286/2016. Precedentes.
6. Como se sabe, o reconhecimento de firma é o ato pelo qual o tabelião, que tem fé pública, atesta que a assinatura constante de um documento corresponde àquela da pessoa que a lançou. Ou seja, é uma declaração pela qual o tabelião confirma a autenticidade ou semelhança da assinatura de determinada pessoa em um documento.
7. In casu, segundo consta da autorização para transferência de propriedade de veículo, o reconhecimento de firma se deu por autenticidade. Nessa modalidade, o usuário comprova, pessoalmente, que é signatário do documento apresentado para o reconhecimento de firma.
8. Para tanto, o usuário deve assinar, diante do tabelião, o documento que pretende ter a firma reconhecida como autêntica, de forma que, caso o documento já esteja assinado, será exigida nova assinatura no documento, devendo este assinar, além do documento, um termo em livro próprio do cartório. Esse termo será a prova da aposição da assinatura perante o agente dotado de fé pública.
9. Nesse contexto, desinfluente o fato de ter o fraudador apresentando documento de identidade original, uma vez que, ao contrário do que entendeu o magistrado sentenciante, há flagrante divergência entre as assinaturas do suposto proprietário do veículo, caracterizando a fraude como de fácil constatação, sendo até mesmo desnecessária prova pericial grafotécnica.
10. Com efeito, o que se espera dos serviços notariais e de registro, atividades extrajudiciais de caráter estatal, exercidas em virtude de delegação feita pelo Poder Público, e sob sua fiscalização, é a observância do dever de cautela imposto pela lei, com a adoção de medidas de prevenção à ação de fraudadores, sob pena de comprometer-se a credibilidade da atividade, dotada, repisa-se, de fé pública.
11. Desse modo, configurado o nexo de causalidade entre a conduta do apelado, ao reconhecer firma de terceiro que, de forma, fraudulenta, se dizia proprietário de veículo, e os danos materiais sofridos pelo demandante, que deve ser indenizado pelo prejuízo consubstanciado no valor pago pelo automóvel.
12. Dano moral inconteste, ante a angústia e a frustração pela aquisição fantasiosa de bem. Com efeito, evidentes os dissabores experimentados pelo autor/apelante, diante da desídia do tabelião, que faltou ao não verificar com acuidade a prova da identidade do suposto proprietário do bem, cuja divergência da assinatura não era de difícil verificação, contribuindo, ainda que não intencionalmente, para o sucesso da empreitada fraudulenta, a qual acarretou prejuízo extrapatrimonial ao autor, pelo qual deve ressarcir.