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23 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça de São Paulo
há 7 meses

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Turma da Fazenda

Publicação

Julgamento

Relator

Marta Oliveira de Sa

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-SP_RI_10204581220228260564_70a47.pdf
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Inteiro Teor

Registro: 2023.0000137592

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado Cível nº XXXXX-12.2022.8.26.0564, da Comarca de São Bernardo do Campo, em que é MONICA APARECIDA DE SOUZA FELINTO, é recorrido MUNICÍPIO DE SÃO BERNARDO DO CAMPO.

ACORDAM , em sessão permanente e virtual da Turma da Fazenda do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Juizes JOSÉ PEDRO REBELLO GIANNINI (Presidente) E EDUARDA MARIA ROMEIRO CORRÊA.

São Paulo, 20 de outubro de 2023

Marta Oliveira De Sá

Relator

Assinatura Eletrônica

XXXXX-12.2022.8.26.0564 - Fórum de São Bernardo do Campo

RecorrenteMONICA APARECIDA DE SOUZA FELINTO

RecorridoMunicípio de São Bernardo do Campo

Voto nº 87.1/23

Recurso inominado Servidor Público municipal Redução da jornada de trabalho, para cuidar de filho deficiente, sem necessidade de compensação e nem diminuição do vencimento Direito amparado na Constituição Federal, na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, Estatuto da Pessoa com Deficiência e princípio da dignidade da pessoa humana

Ausência de violação ao princípio da legalidade ou da separação dos poderes - Sentença reformada Recurso provido. Liminar confirmada.

Vistos.

Trata-se de recurso oferecido pela parte autora, contra a r. sentença de p.259/260 que julgou improcedente o pedido inicial, consistente na redução da jornada de trabalho (vinte horas semanais), sem compensação e sem a redução de vencimentos.

É o relatório. Decido.

O recurso comporta provimento.

O cerne da questão consiste em aferir a legalidade da redução da jornada de trabalho da parte autora sem compensação de horário e redução de vencimentos.

Trata-se de ação na qual a autora pediu a redução de sua jornada de trabalho como auxiliar de educação, sem compensação e nem diminuição do salário, diante da necessidade de cuidar de seu filho, pessoa portadora do Transtorno do Espectro AUTISTA (CID F84.0), conforme documentos de p.25, e que necessita de cuidados especiais.

O pedido comporta acolhimento.

A questão já foi objeto de apreciação judicial nos seguintes termos:

(...) a legislação assegurou tratamento privilegiado aos deficientes por meio do art. 98 8, § 2ºº, da Lei nº 8.112 2/90 Estatuto dos Servidores Públicos Federais. O Decreto nº 6.949/09 tratou de tutelar os direitos à saúde e à reabilitação das pessoas com deficiência nos arts. 25 e 26. Também cita-se a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabeleceu diretrizes para sua consecução. A despeito da inexistência de norma específica no estatuto dos servidores públicos do Estado, a legislação deve ser interpretada como um todo, sempre tendo como um norte a Constituição Federal, que traz dentre seus pilares o princípio da dignidade da pessoa humana. Levando em conta tais elementos há plausibilidade da tese invocada pela parte autora. Com a devida vênia, não vislumbro a violação ao princípio da legalidade e nem à separação dos poderes, pois a pretensão da autora possui amparo legal na legislação acima citada e compete a todos os entes públicos a efetivação de direitos fundamentais .

Muito embora a pretensão da parte autora não encontre previsão no Estatuto dos Servidores Públicos do Município de São Bernardo do Campo, seu pleito encontra amparo na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (art. 2º), internalizada no ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto Legislativo nº 186/2008, e na própria Constituição Federal que preconiza a proteção à família (art. 226) e assegura à criança, com absoluta prioridade, o direito à saúde, educação e convivência familiar e comunitária (art.

227) e, sobretudo, no princípio constitucional dignidade da pessoa humana (artigo 3º, inciso III, da Carta Magna).

A Constituição exige que se compreendam os direitos fundamentais, emprestando-lhes a maior força normativa possível e evitando interpretações que impliquem restrição a outros princípios constitucionais. A norma constitucional deve ter plena eficácia e utilidade social, máxime porquanto cabe ao Poder Público "concretizar" a ordem constitucional (PIOVESAN, Flávia, in Proteção Judicial contra Omissões Legislativas, RT, 2a ed., p. 20).

Considerando a necessidade notória de levar o infante para atendimentos médicos especializados, com vistas a se desenvolver e levar uma vida independente, a presença paterna/materna se faz necessária, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional e esvaziar os direitos fundamentais.

Além disso, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 12.146/15), dispõe que "é dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde , à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem- estar pessoal, social e econômico" (art. 8º) e que "o processo de habilitação e de reabilitação é um direito da pessoa com deficiência" (art. 14).

Uma vez que as pessoas com deficiência gozam de proteção especial, nos termos da Constituição Federal, da legislação ordinária e de Tratados Internacionais, e que a proteção abrange acesso a tratamentos e cuidados necessários à promoção da participação plena e efetiva da pessoa com deficiência na sociedade, por uma interpretação teleológica e sistemática são indispensáveis os cuidados da genitora com seu filho, o que torna necessária a redução da jornada de trabalho para efetivação da norma protetiva, sem necessidade de compensação nem redução do salário, as quais acabariam prejudicando o infante de maneira reflexa.

Nesse mesmo sentido cite-se o seguinte precedente do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Apelações cíveis Servidora pública municipal Enfermeira Pretensão a redução de jornada de trabalho para 30 horas semanais para o fim de prover os cuidados especiais de que necessita o seu filho menor, deficiente visual Possibilidade mediante redução proporcional dos vencimentos Aplicação analógica ao caso concreto, do art. 98, § 3º, da Lei 8.112/90 Inaplicabilidade da Súmula 410 do E. STJ Verba honorária mantida Recurso de apelação da Prefeitura Municipal de Morro Agudo desprovido, provido parcialmente o recurso de apelação da autora (AP nº XXXXX-17.2015.8.26.0374; Relator (a): Renato Delbianco; Órgão: 2a Câmara de Direito Público; julgamento: 07/02/2017).

Não há que se falar em violação ao princípio da legalidade, eis que o Estado deve obediência não apenas às Leis Estaduais, mas sobretudo à Constituição Federal, e à legislação ordinária. Não é possível justificar a desobediência com base na autonomia do ente federado. Tampouco há violação ao princípio da separação dos poderes. Ao Judiciário cabe aplicar a lei, interpretando-a, e é isto o que ocorre na hipótese dos autos.

Por fim, anoto a inexistência de violação à Súmula Vinculante nº 37 do E. Supremo Tribunal Federal, eis que não se está aumentando vencimento em função da isonomia.

Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO ao recurso da parte autora para julgar o pedido procedente e determinar que a requerida promova a redução da carga horária da requerente para 20 (vinte) horas semanais, sem a redução de vencimentos e sem necessidade de compensação.

Tendo havido pedido de liminar, confirmo-o em acórdão, oportunidade em que não se fala em probabilidade do direito alegado, mas sim em certeza do direito da parte, sendo que o perigo da demora decorre do óbice hoje existente para cuidados do menor.

Incabíveis honorários advocatícios nos termos do artigo 55 da Lei 9.099/95. Por fim, consideram-se prequestionadas toda a matéria e disposições legais

discutidas pelas partes.

Marta Oliveira de Sá

Relatora

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/2015456286/inteiro-teor-2015456303