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23 de Maio de 2024
  • 1º Grau
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TRT5 • Ação Trabalhista - Rito Ordinário • XXXXX-58.2023.5.05.0023 • 23ª Vara do Trabalho de Salvador do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região - Inteiro Teor

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

23ª Vara do Trabalho de Salvador

Assunto

DIREITO DO TRABALHO 864
Banco de Horas 13781
Direito Individual do Trabalho 12936
Horas Extras 13769
Duração do Trabalho 13764
Compensação de Jornada 13767

Juiz

MARIANA DOURADO WANDERLEY KERTZMAN

Partes

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PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 5ª REGIÃO
23ª VARA DO TRABALHO DE SALVADOR
ATOrd XXXXX-58.2023.5.05.0023
RECLAMANTE: P. C. R. M. C.
RECLAMADO: E. B. S. H. E.


Vistos etc.

1. RELATÓRIO

P. C. R. M. C., na Reclamação Trabalhista nº XXXXX-05.2023.5.05.0023, conexa ao processo XXXXX-58.2023.5.05.0023, ambas movidas em face de EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES – EBSERH, requereu a ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, pelos fundamentos expostos na peça vestibular. O processo veio concluso.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Sustentou a reclamante, em apertada síntese, que foi admitida nos quadros da reclamada, em 09/03/2018, onde exerce a função de técnica de médica, com jornada de trabalho de 24 horas semanais. Relatou que sua filha, de 07 anos de idade, foi diagnosticada com Transtorno Misto do Aprendizado (Discalculia, Dislexia e Disgrafia), Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e perda da autoestima, doenças equiparadas à deficiência para todos os efeitos legais (Lei nº 13.146/2015), necessitando de acompanhamento multiprofissional e contínuo nas áreas de fonoaudiologia, neuropsicologia e psicopedagogia. Afirmou que, em função do alegado, requereu a redução de sua jornada, sem prejuízo de vencimentos ou necessidade de compensação, o que foi indeferido pela reclamada. Requereu, assim, em sede de antecipação de tutela, a redução de sua jornada de 24 horas semanais para 12 horas semanais.

Dispõe o art. 300, do NCPC, diploma de aplicação subsidiária, que a tutela de urgência será concedida, quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

Em verdade, o essencial para a concessão da tutela de urgência de natureza antecipada é que a prova produzida pelo requerente leve à convicção do Juiz de que o direito invocado é verossímil, i.e., de que há grande probabilidade de veracidade das alegações. Neste aspecto, merece destaque que a prova inequívoca é aquela a respeito da qual não mais se admite discussão.

Pois bem. O Relatório Médico tombado sob ID ff84a6a atesta que a filha da reclamante é portadora de Transtorno Misto do Aprendizado (Discalculia, Dislexia e Disgrafia), Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e perda da autoestima, necessitando de acompanhamento multidisciplinar, sendo imprescindível a presença materna durante as terapias e que esteja presente de forma mais ativa durante as atividades escolares, a fim de permitir um melhor desenvolvimento das habilidades acadêmicas e evitar maiores prejuízos emocionais. Foi ressaltado que o “atraso em iniciar a intervenção precoce e a ausência de suporte familiar intensivo poderá acarretar em graves prejuízos no futuro da paciente”.

Os demais relatórios presentes nos autos confirmam o diagnóstico.

O documento de ID c987313 comprova a negativa da empresa em promover a redução de jornada da autora, sob alegação de ausência de previsão em Acordo Coletivo ou Convenção Coletiva de Trabalho.

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: “O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento definido por níveis prejudiciais de desatenção, desorganização e/ou hiperatividade-impulsividade. Desatenção e desorganização envolvem incapacidade de permanecer em uma tarefa, aparência de não ouvir e perda de materiais em níveis inconsistentes com a idade ou o nível de desenvolvimento. Hiperatividade-impulsividade implicam atividade excessiva, inquietação, incapacidade de permanecer sentado, intromissão em atividades de outros e incapacidade de aguardar – sintomas que são excessivos para a idade ou o nível de desenvolvimento. Na infância, o TDAH frequentemente se sobrepõe a transtornos em geral considerados ‘de externalização’, tais como o transtorno de oposição desafiante e o transtorno de conduta. O TDAH costuma persistir na vida adulta, resultando em prejuízos no funcionamento social, acadêmico e profissional”.

Consoante o mesmo Manual, Discalculia é “um termo alternativo usado em referência a um padrão de dificuldades caracterizado por problemas no processamento de informações numéricas, aprendizagem de fatos aritméticos e realização de cálculos precisos ou fluentes”. Dislexia “é um termo usado em referência a um padrão de dificuldades de aprendizagem caracterizado por problemas no reconhecimento preciso ou fluente de palavras, problemas de decodificação e dificuldades de ortografia”.

Os relatórios presentes nos autos são suficientes para demonstrar a necessidade de cuidados especiais e acompanhamento permanente materno.

Nos termos da Carta Magna, cumpre ao Estado Democrático garantir entre outros valores, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento e a igualdade na realização de uma sociedade fraterna.

A Constituição Federal tem como um de seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana, conforme estabelecido em seu artigo 1º.

Em seu art. 226, a Constituição Federal estabelece, ainda, que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, cumprindo ao Estado assegurar “a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (§ 8º).

O art. 228, da Carta Magna, por sua vez, prevê que é “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Ora, como se interpretar a Constituição Federal, senão promovendo a materialização dos direitos fundamentais na situação concreta submetida à análise?

Não se pode permitir que inúmeros dispositivos constitucionais sejam destituídos de eficácia prática, cabendo ao Poder Judiciário, ante a insuficiência normativa expressa acerca da matéria, fazer valer a força normativa dos princípios, na materialização dos direitos fundamentais.

Ressalte-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece o princípio da proteção integral da criança e do adolescente, conforme expresso em seu art. :

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”.

Estabelece, ainda:

“Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma discriminação, exploração, violência, de negligência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”.

As normas internacionais, por seu turno, também, socorrem a pretensão autoral.

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, firmado pela Assembléia Geral da ONU, em 19.12.1966, aprovado pelo Brasil através do Decreto Legislativo nº 226, de 12.12.1991 e promulgado pelo Decreto nº 591, de 06.07.1992, estabelece, em seu artigo 12:

1. Os Estados-Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental.

2. As medidas que os Estados-Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar:

a) a diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento das crianças”

Já a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica - 1969), aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo 27 de 25.09.1992, declara, em seu art. 19, que: “Toda criança terá direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer, por parte da sua família, da sociedade e do Estado”.

O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Protocolo de San Salvador - 1998), também aprovado pelo Brasil e promulgado mediante Decreto 3.321 de 30.12.1999, em seu art. 18, prevê a proteção de deficientes, nos seguintes termos:

Toda pessoa afetada por diminuição de suas capacidades físicas e mentais tem direito a receber atenção especial, a fim de alcançar o máximo desenvolvimento de sua personalidade. Os Estados Partes comprometem-se a adotar as medidas necessárias para esse fim e, especialmente, a:

a. Executar programas específicos destinados a proporcionar aos deficientes os recursos e o ambiente necessário para alcançar esse objetivo, inclusive programas trabalhistas adequados a suas possibilidades e que deverão ser livremente aceitos por eles ou, se for o caso, por seus representantes legais;

b. Proporcionar formação especial às famílias dos deficientes, a fim de ajudá-los a resolver os problemas de convivência e convertê-los em elementos atuantes no desenvolvimento físico, mental e emocional destes;

c. Incluir, de maneira prioritária, em seus planos de desenvolvimento urbano a consideração de soluções para os requisitos específicos decorrentes das necessidades deste grupo;

d. Promover a formação de organizações sociais nas quais os deficientes possam desenvolver uma vida plena”.

A Convenção sobre os Direitos da Criança aprovada pelo Brasil pelo Decreto Legislativo 28, de 14.09.1990 e promulgada pelo Decreto 99.710, de 21.11.1990, em seu art. , item 2 e seguintes, estabelece:

2. Os Estados Partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários para seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão as medidas legislativas e administrativas adequadas.

3. Os Estados Partes se certificarão de que as instituições, os serviços e os estabelecimentos encarregados do cuidado ou da proteção das crianças cumpram com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde das crianças, ao número e à competência de seu pessoal e à existência de supervisão adequada”.

Em seu artigo 18, prevê que:

“1. Os Estados Partes envidarão os seus melhores esforços a fim de assegurar o reconhecimento do princípio de que ambos os pais têm obrigações comuns com relação à educação e ao desenvolvimento da criança. Caberá aos pais ou, quando for o caso, aos representantes legais, a responsabilidade primordial pela educação e pelo desenvolvimento da criança. Sua preocupação fundamental visará ao interesse maior da criança”.

Em seu artigo 23:

1. Os Estados Partes reconhecem que a criança portadora de deficiências físicas ou mentais deverá desfrutar de uma vida plena e decente em condições que garantam sua dignidade, favoreçam sua autonomia e facilitem sua participação ativa na comunidade.

2. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança deficiente de receber cuidados especiais e, de acordo com os recursos disponíveis e sempre que a criança ou seus responsáveis reúnam as condições requeridas, estimularão e assegurarão a prestação da assistência solicitada, que seja adequada ao estado da criança e às circunstâncias de seus pais ou das pessoas encarregadas de seus cuidados.

3. Atendendo às necessidades especiais da criança deficiente, a assistência prestada, conforme disposto no parágrafo 2 do presente artigo, será gratuita sempre que possível, levando-se em consideração a situação econômica dos pais ou das pessoas que cuidem da criança, e visará a assegurar à criança deficiente o acesso efetivo à educação, à capacitação, aos serviços de saúde, aos serviços de reabilitação, à preparação para o emprego e às oportunidades de lazer, de maneira que a criança atinja a mais completa integração social possível e o maior desenvolvimento individual factível, inclusive seu desenvolvimento cultural e espiritual”.

E em seu artigo 24:

1. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança de gozar do melhor padrão possível de saúde e dos serviços destinados ao tratamento das doenças e à recuperação da saúde. Os Estados Partes envidarão esforços no sentido de assegurar que nenhuma criança se veja privada de seu direito de usufruir desses serviços sanitários.

2. Os Estados Partes garantirão a plena aplicação desse direito e, em especial, adotarão as medidas apropriadas com vistas a:

a) reduzir a mortalidade infantil;

b) assegurar a prestação de assistência médica e cuidados sanitários necessários a todas as crianças, dando ênfase aos cuidados básicos de saúde;

c) combater as doenças e a desnutrição dentro do contexto dos cuidados básicos de saúde mediante, inter alia, a aplicação de tecnologia disponível e o fornecimento de alimentos nutritivos e de água potável, tendo em vista os perigos e riscos da poluição ambiental;

d) assegurar às mães adequada assistência pré-natal e pós-natal;

e) assegurar que todos os setores da sociedade, e em especial os pais e as crianças, conheçam os princípios básicos de saúde e nutrição das crianças, as vantagens da amamentação, da higiene e do saneamento ambiental e das medidas de prevenção de acidentes, e tenham acesso à educação pertinente e recebam apoio para a aplicação desses conhecimentos;

f) desenvolver a assistência médica preventiva, a orientação aos pais e a educação e serviços de planejamento familiar.

3. Os Estados Partes adotarão todas as medidas eficazes e adequadas para abolir práticas tradicionais que sejam prejudicais à saúde da criança.

4. Os Estados Partes se comprometem a promover e incentivar a cooperação internacional com vistas a lograr, progressivamente, a plena efetivação do direito reconhecido no presente artigo. Nesse sentido, será dada atenção especial às necessidades dos países em desenvolvimento”.

E, ainda, em seu artigo 27:

1. Os Estados Partes reconhecem o direito de toda criança a um nível de vida adequado ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social.

2. Cabe aos pais, ou a outras pessoas encarregadas, a responsabilidade primordial de propiciar, de acordo com suas possibilidades e meios financeiros, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança.

3. Os Estados Partes, de acordo com as condições nacionais e dentro de suas possibilidades, adotarão medidas apropriadas a fim de ajudar os pais e outras pessoas responsáveis pela criança a tornar efetivo esse direito e, caso necessário, proporcionarão assistência material e programas de apoio, especialmente no que diz respeito à nutrição, ao vestuário e à habitação”.

Deve ser observado, ainda, que a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, aprovada pelo Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo nº 186, de 09.07.2008, mediante o procedimento previsto no artigo 5º, § 3º da Constituição Federal, o que lhe conferiu status de emenda constitucional e, posteriormente, inserida no ordenamento por intermédio do Decreto nº 6.949/2009, estabelece, em seu artigo :

1. Os Estados Partes tomarão todas as medidas necessárias para assegurar às crianças com deficiência o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, em igualdade de oportunidades com as demais crianças.

2. Em todas as ações relativas às crianças com deficiência, o superior interesse da criança receberá consideração primordial”.

E em seu artigo 28:

1.Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência a um padrão adequado de vida para si e para suas famílias, inclusive alimentação, vestuário e moradia adequados, bem como à melhoria contínua de suas condições de vida, e tomarão as providências necessárias para salvaguardar e promover a realização desse direito sem discriminação baseada na deficiência”.

Registre-se, ademais, que a Lei nº 7.853/1989 assegura às pessoas com deficiência, dentre outros direitos, em seu artigo , o tratamento prioritário da Administração Pública Federal, ao estabelecer que "A Administração Pública Federal conferirá aos assuntos relativos às pessoas portadoras de deficiência tratamento prioritário e apropriado, para que lhes seja efetivamente ensejado o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais, bem como sua completa integração social.”

A Lei acima mencionada (7.853/1989), em seu art. 1º, estabelece o direito da pessoa com deficiência de encontrar as condições mínimas de igualdade de tratamento e oportunidade e de respeito à sua dignidade e bem-estar, visando à sua integração social e o pleno exercício de seus direitos.

Cumpre citar, ainda, a Lei nº 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, no parágrafo único de seu artigo , estabelece, dentre outros, o direito de a criança com transtornos mentais “ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade”.

Desse modo, as normas constitucionais, infraconstitucionais e internacionais definem como dever do Estado e da família garantir o bem-estar da criança portadora de deficiência de forma plena e efetiva.

A filha da autora, portadora de Transtorno Misto do Aprendizado (Discalculia, Dislexia e Disgrafia), Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e perda da autoestima, necessita de atendimento multiprofissional, com acompanhamento constante dos responsáveis.

O cumprimento de uma jornada de 24 horas semanais, por certo, impede o acompanhamento da mãe em todas as rotinas da criança.

O Poder Público, por seu turno, tem como obrigação garantir a proteção integral e efetiva à criança portadora de necessidades especiais, visando minimizar as consequências decorrentes dos transtornos que possui e promover uma inclusão social plena.

Não se trata, portanto, de mera faculdade do Poder Público, cabendo a este garantir a aplicação das normas supramencionadas, materializando os direitos fundamentais insculpidos na Carta Magna.

Assim, em que pese não haver em nosso ordenamento jurídico previsão expressa autorizando a redução da jornada do empregado para acompanhamento de filhos com necessidades especiais, levando-se em conta a construção normativa acima delineada, ante a necessidade de acompanhamento constante da filha com deficiência, é imprescindível que a reclamante tenha a sua jornada de trabalho reduzida, a fim de poder acompanhar sua filha em suas diversas e necessárias atividades, as quais visam promover uma vida digna à criança, incluindo-a na sociedade de forma efetiva e satisfatória.

No que tange ao pleito de que a redução de jornada não implique em redução salarial, importa registrar que os cuidados especializados de que necessita uma criança portadora de deficiência elevam os custos da família, razão pela qual impor à reclamante uma redução em seus rendimentos implicaria em prejudicar o tratamento da menor, não atendendo aos objetivos traçados pela Constituição Federal, pela Convenção Internacional e pelas leis infraconstitucionais específicas.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, aprovada em 10 de dezembro de 1948, estabelece, em seu art. XXIII, item 3, que toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, assegurando a si e sua família uma existência compatível com a dignidade humana.

Nesse mesmo sentido, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, prevê, em seu artigo 7º, alínea a, item II:

Os Estados-Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente:

a) Uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores:

(...)

ii) Uma existência decente para eles e suas famílias, em conformidade com as disposições do presente Pacto”

Registre-se, ademais, que a espera por decisão definitiva poderia implicar em danos irreparáveis ao desenvolvimento da criança em questão.

Assim, presentes na hipótese dos autos o fumus boni iuris e o periculum in mora, determina-se, em sede de tutela antecipada, que a reclamada promova a imediata redução da carga horária da reclamante para 18 horas semanais, enquanto houver necessidade de acompanhamento de sua filha, sem redução salarial e sem necessidade de compensação, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais) em favor da autora, até o limite de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

3. CONCLUSÃO

Ante o exposto, o pedido DEFIRO PARCIALMENTE de antecipação dos efeitos da tutela. NOTIFIQUE-SE a parte autora desta decisão. Confiro à presente decisão força de Mandado Judicial, devendo o Oficial de Justiça dirigir-se imediatamente à sede da empresa e promover a intimação pessoal do responsável pelo Setor de Recursos Humanos do empregador ou quem as suas vezes fizer, para que cumpra imediatamente a tutela antecipada ora deferida, sob pena de aplicação da multa diária arbitrada por este Juízo. Por envolver interesse de menor e ao mesmo tempo pessoa com deficiência, com base no art. da Lei 7853/1989 c/c art. 178 do CPC, intime-se o Ministério Público do Trabalho para intervir no feito como Custos Legis (Fiscal da Lei), cientificando-o da presente ação bem como da audiência designada nos autos.

SALVADOR/BA, 22 de agosto de 2023.

MARIANA DOURADO WANDERLEY KERTZMAN
Juíza do Trabalho Substituta

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trt-5/2394024322/inteiro-teor-2394024329