A Defensoria Pública está legitimada a defender direitos difusos
Uma réplica aos Embargos Declaratórios da CONAMP na ADI 3.943/DF
A página não está ainda totalmente virada na discussão envolvendo a legitimidade da Defensoria Pública para o ajuizamento de ação civil pública, ao menos não para a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp). Muito embora a decisão unânime do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3.943/DF (publicada em 6 de agosto de 2015), seguindo o voto-relator da ministra Cármen Lúcia, a Conamp interpôs Embargos de Declaração em face da referida decisão, acompanhados de parecer (Legal Opinion) do renomado jurista e professor Lenio Streck. Entre os principais pontos destacados e controvertidos na petição e no parecer, estão a amplitude do conceito de necessitado e a legitimidade da Defensoria Pública para a tutela e promoção de “direitos (e interesses) difusos”.
Como se trata de tema sobre o qual empreendi pesquisa[1], vou ousar, de forma respeitosa, tecer alguns comentários sobre a questão e discordar da posição sustentada pela Conamp e pelo professor Lenio, enfrentando, em especial, a discussão em torno da legitimidade da Defensoria Pública para promover ação civil pública na defesa de “direitos (e interesses) difusos”. Para refrescar a memória do leitor, vale destacar que tudo começou com a Lei 11.448/2007, ao incluir a Defensoria Pública no rol dos entes legitimados para a propositura de ação civil pública, mais precisamente no artigo 5º, II, da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85). De lá para ca, muita água rolou. Na verdade, uma “avalanche normativa” sobreveio no sentido de consolidar a referida legitimidade, tanto no plano constitucional quanto infraconstitucional. A jurisprudência também caminhou consistentemente no mesmo sentido, com destaque para o STJ[2] e, mais recentemente, o STF (vide o julgamento da ADI 3.943). E a doutrina? Salvo raras exceções, a doutrina processual, especialmente aquela que obra no campo do direito processual coletivo, é esmagadoramente favorável à legitimidade da Defensoria Pública.
Para iniciar, acho insustentável o argumento de que a Constituição, por obra do legislador constituinte derivado, frente a nova redação do artigo 134 insculpida pela Emenda Constitucional 80/2014, quis excluir a atuação da Defensoria Pública em matéria envolvendo “direitos e interesses difusos” ao utilizar tão somente a expressão “direitos coletivos”. O raciocínio empregado para obter tal entendimento está embasado no fato de que, ao assinalar apenas a expressão “direitos coletivos” no caput do referido dispositivo, e não “interesses difusos e coletivos”, como o fez no artigo 127, III, quando dispõe sobre a legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública, o legislador constitucional teria marcado sua posição na matéria. Ou seja, os tais “direitos coletivos” fariam referência tão somente aos “direitos coletivos em sentido estrito”. Detalhe: a expressão “em sentido estrito” não está escrita no dispositivo constitucional citado.
Mais um alerta antes de avançar na discussão. À época da promulgação da CF/88, as três categorias de “direitos coletivos em sentido amplo” (individuais homogêneos, coletivos em sentido estrito e difusos) não estavam aclaradas no plano legislativo, pois a Lei da Ação Civil Pública não trazia tal distinção, o que aconteceu somente por meio do Código de Defesa do Consumidor (artigo 81), portanto, após 1988. Por isso, tenho para mim que o legislador constituinte originário não tivesse tamanha compreensão e precisão conceitual ao tratar da matéria. Por outro lado, hoje a distinção entre as três categorias de direitos coletivos, não obstante as suas limitações, conforme trataremos logo à frente, encontra-se consagrada na legislação, na doutrina e na jurisprudência, e, portanto, faria muito mais sentido que o legislador constitucional ao se servir da expressão “direitos coletivos” no caput do artigo 134 (por inclusão da EC 80/2014) estivesse englobando as três categorias. Do contrário, teria cravado no texto constitucional a “qualificadora”: direitos coletivos “em sentido estrito”.
E quando a mesma norma constitucional (caput do artigo 134) incumbe a Defensoria Pública de promover os “direitos humanos” das pessoas necessitadas, devo interpretar tal dispositivo de modo a excluir do rol dos direitos humanos o “direito humano ao ambiente” e todos os demais direitos humanos com potencial de serem enquadrados na categoria dos “direitos difusos”? Também faço vista grossa ao artigo 5º, § 1º, da CF/88 que busca assegurar a máxima eficácia possível aos direitos fundamentais[3], o que implica assegurar, no campo fático, estruturas organizacionais e procedimentais[4] capazes de torná-los efetivos? Ou afastar e limitar a possibilidade do manuseio de um instrumento processual (no caso, a ação civil pública) para a defesa de determinado direito fundamental não é criar barreira à eficácia e também à efetividade do mesmo, descumprindo referido co...
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