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4 de Maio de 2024
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    A (in)constitucionalidade do Novo Código Florestal no STF e o voto de Luiz Fux

    Publicado por Justificando
    há 6 anos

    No dia 08 de novembro de 2017, o Ministro Relator Luiz Fux apresentou seu voto ao Plenário do STF no julgamento conjunto da Ação Declaratória Constitucionalidade 42 e das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 4901, 4902, 4903 e 4937, suspenso logo após pelo pedido de vista da ministra Cármen Lúcia.

    Em discussão, a inconstitucionalidade de boa parte da Lei 12.651/2012, que revogou o Código Florestal de 1965 (Lei 4.771/1965), e que, basicamente, possui três pilares:

    i) a diminuição das regras de proteção ambiental, por meio da alteração dos critérios técnicos para definição de áreas de preservação permanente, do estabelecimento de exceções ao regime geral de proteção destas áreas e das reservas legais, enfraquecimento do regime de proteção dos apicuns, dentre outros;

    (ii) a anistia da responsabilidade ambiental nas três esferas: administrativa, criminal e civil. Em destaque, a anistia das obrigações de reparação dos danos ambientais, que se deu pela regularização de atividades que ocorriam em dissonância ao então Código Florestal em vigor (Lei 4.771/1965), com a criação da chamada área rural consolidada, definida como “área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio” (art. 3o, IV, Lei 12.651/2012);

    (iii) a instituição de um mercado de pagamento por serviços ambientais no Brasil, que serve, inclusive e especialmente, para a regularização destas áreas rurais consolidadas.

    Esse julgamento em curso no Supremo vem sendo considerado um dos mais importantes da história do Direito Ambiental brasileiro.

    Inicialmente, porque, em uma época em que as normas ambientais – e também as fundiárias – estão sendo paulatinamente desconstruídas, o Supremo terá a possibilidade de colocar-se como figura ativa nesse processo por meio da interpretação da Constituição Federal de 1988, papel que lhe foi conferido também pela norma constitucional.

    O julgamento é aguardado, ainda, por tratar de uma das normas que sustentam o Direito Ambiental brasileiro, que vem sendo construído ao longo de décadas, muitas vezes como resposta a problemas que se desdobram e se intensificam, cada vem mais. A Lei 12.651/2012 praticamente desmonta a proteção a dois importantes institutos da política ambiental: as áreas de preservação permanente (APP´s) e as reservas legais (RL´s). Não se pode imaginar o sistema ambiental brasileiro sem esses dois institutos, por conta de sua relevância ambiental . Por exemplo, muitas unidades de conservação deixaram de ser criadas em áreas importantes porque elas já estavam protegidas por esses institutos. Como o Novo Código Florestal altera, substancialmente, o regime jurídico dessas áreas, há grande relevância na decisão do STF.

    Associado ao motivo anterior, tem-se o impacto social e ambiental produzido pela nova norma. Os números de áreas que deixaram de ser protegidas são bastantes expressivos, como demonstram muitos estudos produzidos. Para ficar com apenas um desses estudos, segundo o IMAFLORA, as anistias da reduziram o passivo de APP´s e RL´s em 41 milhões de hectares de vegetação nativa que deveriam, à luz da legislação anterior, ser restaurados. Os grandes imóveis, embora representem apenas 6% do total de imóveis rurais no país, possuem 59% das áreas com déficit de RL ou APP. Os pequenos imóveis (menores do que 4 módulos fiscais) representam 82% do número de imóveis e possuem apenas 6% das áreas com déficit.[1] Igualmente expressivos são os dados de aumento do desmatamento que vêm sendo apresentados após a edição da Lei, conforme amplamente divulgado na imprensa.

    Por fim, esse julgamento no STF é relevante por conta do recado que será dado aos proprietários rurais que descumpriam a legislação ambiental e que não se adaptaram às suas regras, mas que buscaram sua alteração por meio de processo legislativo. O Código Florestal em discussão foi editado em atendimento a demandas do agronegócio brasileiro, que foi bem-sucedido em fazer valer seus interesses. O processo de alteração da lei florestal foi bastante controverso, envolveu manifestações sociais, comunidade acadêmica, mas suas opiniões pouco prevaleceram. E, embora a nova Lei possa até ter diminuído restrições ao uso da propriedade a pequenos agricultores, agricultores familiares, comunidades tradicionais, não foram esses os principais beneficiados pela alteração da norma, como visto nos números acima apresentados.

    Existe uma enorme dificuldade em assegurar direitos básicos em certos setores rurais brasileiros – o que não vem de hoje. A própria função social da propriedade é colocada em cheque nesse julgamento. Nesse sentido, o STF poderá, por meio da aplicação das normas constitucionais, fortalecer uma noção de propriedade que beneficie a toda sociedade, assegurar o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado para a presente e futuras gerações, garantir direitos territoriais, manter a vegetação como forma de preservar a água, dentre outros fatores envolvidos nessa discussão.

    O voto do Ministro Luiz Fux

    A respeito da Lei 12.651/2012, o STF inicia seu julgamento, com o voto do Ministro Relator Luiz Fux, que declarou a inconstitucionalidade de três dos vinte e dois pontos em discussão. O Ministro optou por enfrentar cada um destes tópicos em separados, em voto de mais de 100 páginas, ainda não disponibilizado. Contudo, é possível agrupar as conclusões do Ministro a partir dos mencionados pilares do Código Florestal e até mesmo pelos motivos que determinam a importância do julgamento.

    O Relator evoca que cabe ao Poder Judiciário apenas a “a análise racional e da razoabilidade do escrutínio do legislador”, destacando que as políticas públicas não são sindicáveis por conta dos limites da capacidade institucional dos seus juízes. Com base nisso, o Relator privilegia as decisões tomadas pelo Poder Legislativo, em “tema extremamente técnico”, limitando-se a aferir a razoabilidade das decisões e fundamentando-se, prioritariamente, no artigo 225, § 1º, III, da Constituição, que reserva à lei a alteração e supressão de espaços territoriais especialmente protegidos.

    O Relator declara a constitucionalidade de praticamente todas as normas que reduziram ou fragilizaram a proteção das áreas de preservação permanente e reservas legais,[2] dentre as quais se destacam:

    No voto que foi lido não há menção aos demais deveres expressos do Poder Público, previstos no parágrafo primeiro do artigo 225, em relação à garantia do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que poderiam ser contrapostos para analisar a constitucionalidade de reduções tão bruscas de parâmetros legais de proteção ambiental. Nesse sentido, praticamente, abre-se mão das regras da Constituição Federal para privilegiar um processo legislativo bastante controverso.

    Outra questão analisada no voto e que merece destaque trata das anistias trazidas pela Lei, que foi bastante discutida pelo Ministro Relator, em especial o regime diferenciado aos que não cumpriam com a legislação e a possibilidade de converter multas em reparação de danos, ambos declarados inconstitucionais.

    O Ministro Relator entendeu pela inconstitucionalidade da expressão ‘realizadas após 22 de julho de 2008’, com o fundamento de que “ao isentar os causadores da obrigação de reparar os danos, sem que seja exigida qualquer circunstância que signifique impedimento para o cumprimento deste dever, verifica-se patente a violação ao artigo 225, § 1º, 3º e 4º, e do artigo 186 da Constituição Federal” e que não há justificativa racional para o marco temporal apresentado pelo legislador.

    Além disso, o Ministro declarou a inconstitucionalidade dos artigos 59 e 60, que instituem Programas de Recuperação Ambiental (PRA´s) destinados à adequação dos proprietários e possuidores de áreas rurais consolidadas às normas do capítulo das disposições transitórias. O Ministro afirma que “as previsões dos artigos 59 e 60, ao estabelecerem os PRA´s, conferem verdadeira anistia condicional a estes infratores em total desconformidade com o mandamento constitucional”, que traz a manifesta “intenção do Poder Constituinte originário de utilizar-se do instrumental do Direito sancionador para punir aquele que atente contra o meio ambiente”. E conclui: “A literalidade do artigo 225, § 3o, da CF impede a interpretação de que a reparação do dano seja fungível em relação ao cumprimento de sanções penais e administrativas aplicáveis aos causadores de danos. Trata-se de obrigações cumulativas e não alternativas ou sucessivas por expressa determinação constitucional”.

    No entanto, o Ministro manteve todas as normas que constituem esse regime diferenciado que estão no capítulo XIII (disposições transitórias), reconhecendo a legitimidade da imposição de marcos transitórios em atendimento à segurança jurídica, de acordo com política legislativa.

    Interessante notar que as normas que estão nesse capítulo – e que traduzem o regime diferenciado aos que não cumpriam com a legislação então em vigor – não são, na prática, transitórias. Ao contrário, elas consolidam um regime diferenciado, mais benéfico, a respeito das restrições ao direito de propriedade, em relação aos que cumpriam com a legislação em 2008.[4] Trata-se de verdadeira quebra da isonomia, utilizando-se como critério o descumprimento da legislação ambiental.

    Por fim, sobre o terceiro pilar do Código Florestal, o Ministro Relator entendeu constitucional a opção do legislador de instituir um regime de cotas para a proteção florestal, afirmando que é uma das mais importantes novidades da Lei, que se utiliza das soluções de mercado para questões ambientais, como alternativa eficaz às políticas de comando e controle. Entende, ainda, que a exigência de que a área pertença ao mesmo bioma é critério razoável e será especificado pelo órgão ambiental competente, bem como este mesmo órgão irá estabelecer a localização da área de reserva legal, tendo em vista a importância para a conservação da biodiversidade e a maior fragilidade ambiental da área. Deixa, contudo, de analisar que grande parte dessas ações beneficiam, exatamente, quem não cumpria a lei anterior, inclusive com uso de recursos públicos, a exemplo do artigo 41, inciso II, alíneas ´d´ e ´e´ e inciso III, Lei 12.651/2012.

    O Ministro Relator coloca a discussão a partir do paradigma do desenvolvimento sustentável, evocando que os valores constitucionais do desenvolvimento econômico e da proteção ambiental devem ser compatibilizados. Cabe destacar, nesse ponto, que não se parece estar diante de um conflito entre desenvolvimento econômico e proteção do meio ambiente. As normas são questionadas quanto à sua constitucionalidade, muitas vezes, porque não haverá desenvolvimento econômico sem a manutenção da água, biodiversidade ou qualquer outro elemento natural necessário a assegurar produção agrícola e até mesmo a vida. As questões ambientais precisam ser reposicionadas de modo em que elas sejam lidas como condições para a manutenção da vida, com qualidade e dignidade, do modo de viver de povos tradicionais e indígenas, da prática da agricultura familiar e até mesmo do desenvolvimento econômico, e não como algo que se contrapõe ao direito à livre iniciativa ou concorrência.

    Importante, assim, seguir acompanhando as discussões no STF, não somente deste Código Florestal, mas das demais questões colocadas sobre proteção do meio ambiente e direitos territoriais, que vem representando um dos campos de grandes ofensivas contra direitos em curso no Brasil.

    Virgínia Totti Guimarães é Doutora em Direito pela PUC-Rio (2016). Mestre em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ (2011). Especialista em Direito Ambiental pela PUC-Rio (2008) e em Advocacia Pública pela UERJ (2005). Professora de Direito Ambiental da PUC-Rio.

    [1] NÚMEROS DETALHADOS DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL E SUAS IMPLICAÇÕES PARA OS PRAs | Vinicius Guidotti, Flavio L. M. Freitas, Gerd Sparovek, Luís Fernando Guedes Pinto, Caio Hamamura, Tomás Carvalho, Felipe Cerignoni| Sustentabilidade em debate, Número 5 – Piracicaba, SP: Imaflora, 2017. on line. Disponível em: (acesso em 30 nov.2017).

    [2] A exceção fica por conta de dois pontos. O Relator declara a inconstitucionalidade da inclusão dos equipamentos destinados à “gestão de resíduos” e “instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais” como hipóteses de intervenção em APP´s, bem como entendeu pela interpretação conforme do artigo 3º, incisos VIII e XIX para condicionar a intervenção excepcional em APP à inexistência de alternativa técnica e locacional para todos os casos de utilidade pública e interesse social.

    E, ainda, posicionou-se pela interpretação conjunta dos incisos I e IV do artigo 4º para considerar o entorno de nascentes e olhos d’água intermitentes como APP, buscando uma interpretação que melhor maximize a eficácia das normas constitucionais.

    [3] Sobre esse dispositivo, o Relator entendeu inconstitucional apenas as palavras “demarcadas” e “tituladas” deste dispositivo.

    [4] Dentre essas normas, encontram-se matas ciliares em extensões menores em relação aos que cumpriam com a legislação anterior, a possibilidade de compensar a reserva legal (o que não é permitido aos que não possuem áreas rurais consolidadas), a desnecessidade de ter reserva legal para que os possuem imóveis de até 4 módulos fiscais e possuam áreas rurais consolidadas, dentre muitas outras regras.

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