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30 de Maio de 2024
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    A OAB que temos e a OAB que queremos

    Publicado por Justificando
    há 6 anos

    Foto: perfil no facebook do Movimento dos Advogados Independentes de Campinas/ OAB.

    Neste ano vamos ter eleições para os conselhos seccionais e subseções da OAB. Este texto é uma reflexão para contribuir para esse debate e foi escrito para evento do Movimento dos Advogados Independentes de Campinas.

    O debate sobre a OAB que temos e a OAB que queremos aponta pra gente duas perspectivas bem distintas. Isso porque a OAB que nós temos não é a OAB que nós queremos (pelo menos pra mim não é). Distinguir a OAB que nós temos da OAB que nós queremos é um trabalho que pode ser feito partindo de diversas perspectivas: com base no que eu desejo pra advocacia que eu exerço; com base no que o meu grupo de amigos advogados e advogadas pensa que a OAB deveria ser; com base no que o partido político que eu apoio espera da OAB, enfim. Mil possibilidades, todas elas legítimas (e isso é importante ficar claro, porque querer uma OAB igual, mais ou menos diferente ou totalmente diferente é um direito numa democracia).

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    No entanto, a minha contribuição para esse debate vai caminhar no sentido de descrever a OAB que eu quero a partir do que está disposto na Lei Federal 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil e que vem sendo reiterada e vergonhosamente descumprido, esquecido e maltratado pela OAB que nós temos.

    Pra evitar ser classificado como radical, quero só deixar claro que para mim não existe a possibilidade de aplicar a Constituição pela metade. Isso significaria não aplicar a Constituição. Do mesmo modo, não existe a possibilidade de aplicar o Estatuto da Advocacia em parte, pois isso, pra mim, significaria não aplicar o Estatuto da Advocacia.

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    Ponto importante que deve ficar claro é que o Estatuto da Advocacia é uma lei federal datada de 1994, ou seja, uma lei discutida e aprovada após a Constituição de 1988 e, por óbvio, após o fim formal da ditadura civil-militar brasileira (digo formal, pois a ditadura segue nas periferias). Isso é importante ficar claro, pois o sentido das leis importa mais do que o emaranhado de letras que formam as palavras inscritas nos textos legais.

    Isso para dizer que o sentido do “regime representativo e democrático, baseado na pluralidade de Partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem” anunciado como princípio para o funcionamento e extinção dos partidos políticos no artigo 149 da Constituição de 1967 é absolutamente distinto do sentido da responsabilidade que o artigo 44 do Estatuto da Advocacia, de 1994, atribuiu à OAB na defesa da Constituição, da ordem jurídica do Estado democrático de direito, dos direitos humanos, da justiça social, da boa aplicação das leis, da rápida administração da justiça e do aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.

    Em 1967, após um golpe civil-militar, o sentido da democracia anunciada na Constituição era um. Em 1994, no auge das discussões sobre justiça de transição, diversidade e direitos humanos, o sentido da democracia é necessariamente outro.

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    Nesse sentido, sobre a OAB que nós queremos e sobre as chapas que vão se lançar na disputa da seccional paulista (que nos interessa particularmente), me parece que não existe a possibilidade de uma chapa se lançar como novidade ou como dissidência disso que está posto sem anunciar, em texto e em sentido, os valores constitucionais e estatutários da democracia, dos direitos humanos e da justiça social.

    E não tem argumento de estratégia eleitoral que me convença de que retirar das pautas de campanha as discussões sobre a vulnerabilidade da democracia, dos direitos humanos e da justiça social no Brasil e no Estado de São Paulo, seja benéfica para assumir a próxima gestão para só depois empreender o que não tem sido empreendido pela gestão que aí está.

    E digo que essa estratégia eleitoral não me convence, porque se um líder precisa esconder as suas propostas ou as propostas do grupo que o apoia então, qualquer ação no sentido do que foi omitido perde a legitimidade após a assunção da gestão. Em outras palavras, não falar de direitos humanos para ser eleito e só depois das eleições implementar políticas de direitos humanos seria tão ilegítimo quanto impedir uma presidenta democraticamente eleita sem crime de responsabilidade para implementar projetos que não foram aprovados nas urnas.

    dos.

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    E aqui estou falando de legitimidade, um termo desconstruído nos último anos dentro do Sistema de Justiça. Tem quem entenda que legitimidade é o mesmo que validade ou legalidade. Uma lei seria legítima na medida em que ela cumpre o trâmite e o quórum previsto para sua aprovação. Isso até pode fazer sentido num contexto em que as tensões sociais estão apaziguadas, mas não faz o menor sentido num contexto em que as tensões estão pulsando vigorosamente por um histórico de genocídio, de escravidão e de patriarcado que contamina cada átomo da estrutura política, econômica e cultural, como é o caso do Brasil.

    Legitimidade, portanto, nesse contexto, é algo distinto de validade.

    Por isso digo com muita tranquilidade, pra me valer de um tema que tocou a vida política de todos os brasileiros que, apesar de ter cumprido o trâmite e o quórum jurídico previsto, o impedimento da Dilma não é legítimo, pois serviu para implementar um projeto de país e de sociedade não aprovado nas urnas (e que, vale lembrar, contou com um pedido do Conselho Federal da OAB sem consulta da classe, pedido esse coroado com o Eduardo Cunha dizendo que a Ordem tinha chegado “um pouquinho atrasada”).

    Então é de legitimidade que eu estou tratando aqui e é por isso que eu não vou compactuar com quem não anunciar pautas de direitos humanos com medo de perder voto.

    Se existe preconceito em relação aos direitos humanos, cabe aos líderes de campanhas democráticas explicar aos que escutam seus apelos o verdadeiro sentido dos direitos humanos, pois o nosso Estatuto diz que esse é o nosso dever.

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    Tem gente reclamando de alguns colegas que estão questionando chapas que dizem ter rompido com a atual gestão. Essa crítica, no entanto, faz parte do debate democrático e é importante que ela seja considerada e acolhida. O que tem incomodado algumas pessoas nesses anúncios de ruptura, inclusive eu (por isso fui atrás de conversar com amigos de confiança que estão participando ativamente desse processo), não é a divergência de ideias, porque isso é natural. Mais que isso: é desejável!

    O que tem incomodado é que muita gente que diz estar rompendo com a atual gestão bajulou de maneira inexplicável a atual gestão enquanto advogadas e advogados, muitos deles aqui hoje, estavam levando porrada da polícia nas manifestações pelo passe livre, nas manifestações dos secundaristas, nas manifestações contra o golpe e até em greve de professores da rede pública.

    E para que isso também não fique no vácuo, vou abordar 2 pautas que me parecem imprescindíveis para a próxima gestão da OAB na seccional paulista:

    A primeira delas é o início de uma ampla investigação junto ao governo do Estado de São Paulo e o alto comando da Polícia Militar para apurar responsabilidades em relação às agressões sofridas por advogadas e advogados que atuaram em manifestações populares desde 2013.

    A segunda é uma ação firme pela democratização da mídia e pelo respeito à legalidade, pois a Constituição assegura o princípio do juiz natural e nenhum editor de emissora de televisão ou rádio pode condenar alguém, como a mídia vem fazendo.

    Muitas outras questões poderiam ser levantadas. Por exemplo, seria fundamental uma postura mais ativa, com ampla participação popular, na construção de ações declaratórias de inconstitucionalidade em face da Constituição Estadual. Apenas para citar um caso que me parece absurdo, apesar de parecer inofensivo para muitos, e que diz respeito ao tema da segurança pública, é o fato de o Decreto-lei estadual n. 217/70, que dispõe sobre a constituição da Polícia Militar do Estado de São Paulo e que permanece vigente, iniciar fazendo referência ao Ato Institucional n. 5:

    O Governador do Estado de São Paulo, no uso da atribuição que, por força do Ato Complementar n.º 47, de 7 de fevereiro de 1969 lhe confere o § 1.º do Artigo 2.º do Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968, Decreta:

    E aí vem o atrigo 9º, que diz:

    Compete a Policia Militar do Estado: atuar de maneira repressiva em casos de perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas.

    Muita gente que diz estar rompendo com a atual gestão silenciou junto com a atual gestão e se contentou com notas fajutas que a gestão atual soltou numa tentativa frustrada de fazer de conta que se desincumbia de sua função estatutária (pois é disso que eu estou falando aqui) nos casos de agressões praticadas por policiais contra advogadas e advogados. Muitas vezes o silenciamento vem por medo. No entanto, outras tantas vem por interesse próprio, com vistas única e exclusivamente à manutenção de um cargo ou para conseguir apoio para uma indicação pelo quinto constitucional (vale registrar que fazer política pelo quinto é legítimo, mas não transformando a OAB em trampolim particular pra esse propósito).

    Não quero parecer injusto com a gestão, pois eu sei que a seccional tem papel importante na administração do cotidiano da advocacia. Mas o fato é que para se desincumbir do dever estatutário que lhe cabe, a seccional precisa defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis como manda o artigo 44 do nosso Estatuto. Ou seja, precisa mais do que administrar o cotidiano da advocacia, precisa se desincumbir de um múnus público, pois a OAB realiza um serviço público (também nos termos do artigo 44 do nosso Estatuto).

    Então, se alguém ou algum grupo quer de fato demonstrar real ruptura com a OAB que nós temos, vai ser imprescindível pautar mais do que os gastos com jantares, mais do que as ações pontuais dessa ou daquela comissão. Tem algo muito mais importante a ser feito para que possamos falar em ruptura de verdade.

    A postura que nega esses temas numa campanha eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil mas diz apoiar a presença dessas inquietações em grupos de apoiadores é perversa e perigosíssima. Digo que é perversa e perigosa, e demonstra uma alienação problemática daqueles que defendem essa linha eleitoral, pois todos nós sabemos que se essa discussão ficar ilhada em uma comissão de direitos humanos ou em uma comissão de segurança pública, por exemplo, a chance de um diretor ou diretora acabar como a vereadora Marielle Franco é altíssima! E eu não sei se esses grupos de apoiadores de campanhas que silenciam os direitos humanos na crença de terem espaço num futuro incerto têm noção clara desse fato! Por isso, esse tipo de pauta deve ser considerada suprapartidária e estrutural para uma gestão inteira. Mais do que isso, esse tipo de pauta deve receber todo o esforço e dedicação no sentido de ser apresentada e esclarecida como pauta suprapartidária e estrutural.

    Portanto, a OAB que eu quero é uma OAB que se comprometa abertamente com a restauração da democracia e a defesa intransigente dos direitos humanos. Isso é o mínimo que nós podemos esperar de alguma chapa que se anunciar como rompimento com a gestão que silenciou tantas questões de graves violações aos direitos humanos.

    Pedro Pulzatto Peruzzo éprofessor pesquisador da Faculdade de Direito da PUC – Campinas.

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