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23 de Maio de 2024
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    Análise da Resolução 1.552/2009 - Vivien Campos de Albuquerque

    Publicado por OAB - Rio de Janeiro
    há 10 anos

    O ingresso do serviço público depende de aprovação prévia em concurso público e a efetivação do cumprimento do estágio probatório. O art. 177, XXVIII da LOMRJ, permite que o servidor público, quando

    responsável por pessoas com deficiência ou patologias incapacitantes, que necessitem de sua assistência direta e pessoal, tenham sua carga horária reduzida para atendê-los em suas necessidades.

    Contudo, o art. 3º, da Resolução SMS nº 1.552/2009, vem excepcionar o dispositivo citado da LOMRJ, quando o servidor ainda estiver em cumprimento do estágio probatório, negando-lhe o direito de redução da carga horária. Ao assim gizar a Resolução, o art. atinge não o estagiário, mas principalmente a pessoa com deficiência ou patologia incapacitante, de quem é responsável, afrontando o art. , da Constituição Federal, no tocante à saúde, à assistência diuturna, bem como fere os princípios constitucionais da isonomia (CF, art. ), da moralidade e da impessoalidade administrativas, (CF, art.

    37, caput), além de violar a mens legis.

    Por outro fio, também afronta a Declaração dos Direitos Humanos (artigo VIII), que garante a todos a igual proteção da lei. Ao impedir que o estagiário responsável pela pessoa incapaz tenha redução em sua carga horária, trata desigualmente não só o servidor estagiário diante do servidor efetivado,

    mas, notadamente e mais cruelmente a pessoa incapaz, a quem a lei quer defender.

    O estigma repudiado pelos princípios jurídico-legais, quanto à pessoa com deficiência, está cristalino na discriminação contida no art. 3º, a despeito dela se dirigir diretamente ao servidor estagiário. Não há, por outra feita, o considerandum da Resolução vulnerada (incidência de benefício previsto no art. 177, inciso XXVIII de LOMRJ), ser tomado como fundamento para tratar, desigualmente, o servidor estagiário,

    porque, para obter-se o benefício da redução de carga horária são exigidos vários requisitos, além de atuação do Órgão Pericial da Prefeitura do Rio de Janeiro (art. 1º e 2º, da Resolução).

    Mas, distanciando-se da desigualdade com que é tratado o servidor estagiário do servidor efetivo, citamos a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD, em seu artigo 4, in verbis:

    Artigo 4 - Obrigações gerais.

    1. Os Estados Parte se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência. Para tanto, os Estados Partes se comprometem:

    ...

    a. Adotar todas as medidas necessárias, inclusive legislativas, para modificar ou revogar leis, regulamentos, costumes e práticas vigentes, que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência;

    ...

    2. As disposições da presente Convenção se aplicam, sem limitação ou exceção, a todas as unidades constitutivas dos Estados federativos.

    Artigo 5 - Igualdade e não-discriminação.

    1. Os Estados Parte reconhecem que todas as pessoas são iguais perante e sob a lei e que fazem jus, sem qualquer discriminação, a igual proteção e igual benefício da lei.

    Artigo 23 - Respeito pelo lar e pela família.

    ...

    2. Os Estados Parte assegurarão os direitos e responsabilidades das pessoas com deficiência, relativos à guarda, custódia, curatela e adoção de crianças ou instituições semelhantes, caso esses conceitos constem na legislação nacional. Em todos os casos, prevalecerá o superior interesse da criança. Os Estados Partes prestarão a devida assistência às pessoas com deficiência para que essas pessoas possam exercer suas responsabilidades na criação dos filhos.

    (grifamos).

    O Brasil é um país, ainda, com graves desigualdades sociais, inclusive, quanto às necessidades de pessoas com deficiência que são estigmatizadas, muitas vezes, desde a infância. Há necessidade premente de ações governamentais e da sociedade civil, para que pessoas com deficiência sejam mais bem assistidas e oportunizadas.

    Contrariando, no entanto, a relevância da questão, a Resolução, em seu art. 3º, em flagrante retroação dos princípios pertinentes, impede a atenção e os cuidados necessários ao incapaz (seja por deficiência, seja por patologia incapacitante).

    A situação torna-se ainda mais grave e cruel, quando a pessoa com deficiência é criança ou idosa. O art. , da Lei 8069/90 dispõe que a criança ou adolescente têm direito à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

    Ao coibir o art. 3º, da Resolução vulnerada a redução de carga horária do estagiário servidor, quando ele possui sob sua responsabilidade (a criança ou o adolescente com deficiência ou patologia incapacitante), é ofender os direitos fundamentais do incapaz, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, além de tratar desigualmente o servidor, ainda em estágio probatório. Acrescente-se, ainda, ser fundamental ao bom desenvolvimento da criança e do adolescente a convivência familiar em ambiente amoroso e sadio e, em se tratando, do incapaz, por deficiência ou por patologia, torna-se ainda mais necessário a convivência familiar, estreita e contínua.

    A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da qual o Brasil é Estado-parte, traz como norte, a prioridade do bem-estar da criança, à qual é assegurada atendimento adequado à sua deficiência, o que deve ser estendido a todas as pessoas com deficiência e, analogicamente, às com

    patologia incapacitante.

    A redução de carga horária gizada no art. 3º, da Resolução, certamente se contrapõe aos princípios norteadores enfatizados. Na mesma esteira, está o idoso portador de deficiência ou patologia incapacitante, ao qual faz-se necessário assistência e atendimento contínuo. O estagiário servidor, responsável por ele, terá de dispor de mais uma parcela de seu tempo, até mesmo, em razão do disposto no art. 230, , da Constituição Federal: "o programa de amparo aos idosos serão

    executados preferencialmente em seus lares."

    Muito mais, que a desigualdade que exsurge do art. 3º, da Resolução SMS nº 1.552/2009, que atinge aos estagiários em relação aos servidores efetivados, está a repercussão quanto à vida e à saúde das pessoas com deficiência e com patologia incapacitante, que estão sob a sua responsabilidade. Pretendendo a Administração Pública cumprir com transparência os critérios de avaliação, bastará exigir também do servidor ainda no cumprimento do estágio probatório, que cumpra, no que couber, os requisitos exigidos no art. 1º e 2º, parágrafo único da Resolução em comento.

    Vivien Campos de Albuquerque é vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB/RJ

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/analise-da-resolucao-1-552-2009-vivien-campos-de-albuquerque/113779023

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