Cláusula que permite construtora hipotecar imóvel vendido a terceiro é nula
É nula cláusula de contrato de compra e venda de imóvel permitindo à construtora hipotecar o bem que será negociado com terceiros. Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve as decisões judiciais que anularam a hipoteca das unidades do edifício Metropolitan Flat, em Brasília, firmada pela Encol S/A Engenharia, Comércio e Indústria com o Banco do Estado de São Paulo Banespa. A Encol deu em garantia ao empréstimo as unidades, depois comercializadas a terceiros.
Com a decisão do STJ, os proprietários poderão, enfim, obter o registro de domínio de seus imóveis. Mesmo com o habite-se do prédio, os compradores, por causa da inadimplência da Encol, não puderam registrar os imóveis.
O advogado José Umberto Ceze e mais dez compradores de unidades do edifício Metropolitan Flat, em Brasília, moveram uma ação contra a Encol e o Banespa. No processo, os proprietários solicitaram a declaração da ineficácia da hipoteca instituída sobre as unidades do Metropolitan. Os compradores ressaltaram que seria ilegal a cláusula do contrato que permitiria à Encol dar as unidades em garantia do financiamento.
Segundo os proprietários, várias unidades já estariam quitadas e com o habite-se, mas, por causa da hipoteca, não foi possível promover a transferência do domínio dos imóveis. Apenas o Banespa contestou a ação afirmando que o processo deveria ser movido somente contra a Encol.
O Juízo de primeiro grau manteve o Banespa na ação e acolheu o pedido dos proprietários dos imóveis para declarar a nulidade da hipoteca do banco. O Judiciário não pode ficar insensível a tão gritante abuso engendrado pelos representantes da Encol e, muito menos, com a conveniência dos bancos que, malgrado cientes da premente dificuldade financeira suportada pela primeira, ainda assim, sem maiores cuidados, concederam empréstimos, sem qualquer preocupação com o social, destacou a sentença.
O Banespa apelou, mas o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) manteve a decisão de primeiro grau. Para o TJ, a cláusula prevendo a hipoteca estaria contrariando o Código de Defesa do Consumidor (CDC) ao conceder poderes para o vendedor (Encol) atuar no seu único e exclusivo interesse, e em sentido contrário aos interesses do mandatário (comprador). Com a decisão, o Banespa recorreu ao STJ.
De acordo com o recurso, as decisões de primeiro e segundo graus teriam contrariado os artigos 755 e 756 do Código Civil , pois à época da constituição da hipoteca não haveria nenhum impedimento ao contrato. O banco também afirmou que o contrato não teria violado o CDC , pois estaria seguindo todas as regras do Sistema Financeiro de Habitação.
O ministro Ruy Rosado de Aguiar rejeitou o recurso mantendo as decisões que declararam a nulidade da cláusula da hipoteca. Segundo o relator, o julgamento do recurso do Banespa envolveria a discussão da cláusula que permitiu o uso do imóvel alienado a terceiros para dar em garantia ao banco. E a interpretação de cláusula é proibida pela súmula 05 do Tribunal.
Ruy Rosado lembrou decisões do STJ sobre o assunto também entendendo por nula cláusula que prevê hipoteca de imóveis vendidos a terceiros. De acordo com uma das decisões citadas, no caso de inadimplemento do contrato de financiamento com o banco, cabe ao financiador do prédio construído para ser alienado cobrar-se da construtora, sobre os bens dela, sua devedora, ou sobre os créditos dela em relação aos terceiros adquirentes, pois ninguém que tenha adquirido imóvel neste país, financiado pelo SFH, assumiu a responsabilidade de pagar a sua dívida e mais a dívida da construtora perante o seu financiador.
O relator também destacou o artigo 46 do CDC ressaltando que o consumidor comum não sabe o que é hipoteca, e muito menos tem condições de compreender as conseqüências do princípio da indivisibilidade dela. Ele, consumidor, sabe que o incorporador terá que pagar ao banco, mas nunca imagina que o apartamento adquirido possa ir parar nas mãos do credor.
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