Compensação de precatórios. Emenda Constitucional 62/09. Dificuldades. Não aplicabilidade ao cessionário.
LUIZ FERNANDO GAMA PELLEGRINI
Desembargador aposentado do TJSP
O Conjur (www.conjur.com.br) do dia 1º do corrente mês de março noticiou os efeitos contidos no parágrafo único do artigo 100 da CF/88, introduzido pela PEC 62/09 que vêm criando impasses dificuldades e jurídicos cuja disposição é a seguinte:
Parágrafo nono - No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos , inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora , incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução seja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.
Ainda com relação a essa disposição, o parágrafo 10º estabelece que:
Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública devedora, para a resposta em até trinta dias,/b>, sob pena de perda do abatimento, ,b>informação sobre os débitos que preencham as condições estabelecidas no parágrafo 9º, para os fins nele previstos.
Independentemente das demais disposições contidas nessa emenda constitucional, o que se verifica é que o legislador teve boa intenção (sic), mas imaginamos que a iniciativa sofreu pressões dos poderes executivos envolvidos, nos três níveis, pois uma coisa que esses poderes não gostam é de pagar.
Todas essas manobras são tristes e afetam diretamente aqueles que após muitos anos de luta conseguem ver o seu direito reconhecido, e na hora de recebê-lo as dificuldades são ainda maiores.
Uma palavra apenas quanto aos débitos líquidos e certos para fins de compensação, cuja forma adotada a nosso ver é inconstitucional , violando a ampla defesa e o contraditório e conseqüentemente o devido processo legal.
Da mesma forma, não cremos que os tribunais tenham condições de atender ao parágrafo 10º acima transcrito.
No momento em que o contribuinte é alijado do procedimento administrativo para aferição de créditos/débitos e não podendo participar do devido processo legal, surgem inconstitucionalidades como apontado.
No tocante à posição do cessionário, - que é objeto destes comentários - ou seja, aquele que adquiriu o precatório mediante transação amparada constitucionalmente, seu crédito não se sujeita a essa regra.
Como diriam os franceses, drôle, bizarre.
LEANDRO PAULSEN invoca jurisprudência do STJ sob o que se entende por compensação, assim vazada: A compensação, posto modalidade extintiva do crédito tributário (art. 156, do CTN), exsurge quando o sujeito passivo da obrigação tributária é, ao mesmo tempo, credor e devedor do erário público, sendo mister, para sua concretização , autorização por lei específica e créditos líquidos e certos, vencidos e vincendos, do contribuinte para com a Fazenda Pública (artigo 170, do CTN). (STJ, 1ª. T., AgRg no REsp 572/CE, Rel. Ministro LUIZ FUX, maio/08)
JOSE AFONSO DA SILVA em comentários ao dispositivo assim se pronunciou: O segundo esclarecimento é que a compensação somente poderá ocorrer em relação ao credor original da Fazenda. ,b>Significa isso que não terá cabimento relativamente a credor cessionário. Os direitos do cedente passam para o cessionário, mas não é transmitido o direito de, em relação à Fazenda devedora, abater do crédito cedido eventual dívida do cessionário. (Comentários Contextual à Constituição,7ª.ed., Malheiros Editores, 2010, p. 535/536).
A disposição constitucional sem dúvida alguma visou o art. 170 do CTN, e assim sendo o cessionário não poderia mesmo usufruir dessa benesse, mas sendo a emenda constitucional superior à lei complementar, poder-se-ia dar um jeito, mesmo porque o Congresso é extremamente competente nessas horas.
Essa lógica tem razão de ser em parte, pois nos dias de hoje - e não nos esqueçamos que ainda somos um país de terceiro mundo - é grande o movimento de precatórios em face do baixo poder aquisitivo - porque não dizer pobreza - que levou os sujeitos passivos venderem/cederem seus precatórios, pois lhes convinha em face da demora que representa o pagamento.
Como dito, o cessionário adquirente do precatório não se beneficia dessa benesse constitucional, o que nos leva a indagar se muitas vezes determinada situação é justa e legal, no caso constitucional, mas sem dúvida alguma distante da realidade, pois no momento em que o benefício é concedido apenas ao sujeito passivo da obrigação tributária - pessoas física e jurídica - o mesmo não se diga com aquele cessionário - pessoas física ou jurídica - que investiram e que possuindo passivos perante a administração não possa se inserir no parágrafo 9º em questão.
Na nos esqueçamos, como já salientado, que a cessão de precatórios é igualmente matéria constitucional, conforme parágrafos 12º e 13º do mesmo art. 100 da CF/88.
Em outras palavras, o cessionário não se insere nessa norma constitucional e assim sendo deverá esperar muitos e muitos anos para poder receber o fruto da sua negociação constitucionalmente autorizada, o que não deixa de ser injusto, pois nem sempre o que é justo é legal, e nem sempre o que é legal é justo.
O mundo moderno - e ai se inserem todos poderes - exige da sociedade novas visões e modificações de posturas, pois no caso em tela se os cessionários igualmente se beneficiassem com a compensação, certamente o fisco deixaria de arrecadar mais - e o apetite do erário é incomensurável - ; pensamos, contudo que com relação às pessoas jurídicas não haveria prejuízo pois aliviaria o passivo dessas empresas com o conseqüente giro de capital e ipso factu arrecadação. O erário nunca perde.
Poder-se-ia dizer, ainda, que essa distinção violaria o princípio constitucional de isonomia, pois ambas as figuras são credoras do erário.
Enfim, como tudo isso já está nas mãos do STF, e assim vamos aguardar que pelo menos no tocante aos sujeitos passivos da obrigação tributária, que são os infelizes credores dos respectivos governos nos três níveis, como a Suprema Corte irá decidir.
Esperamos, pelo menos, que os vícios de aferição pela Fazenda Pública de débitos líquidos e certos obedeçam aos mandamentos maiores. É o mínimo que se pode esperar.
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