Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
17 de Junho de 2024

CRIMINALIZAÇÃO DO CAMBISTA

Publicado por Nova Criminologia
há 14 anos

Na esteira da criminalização da pobreza brasileira, o legislador federal presenteou os brasileiros recentemente com mais uma triste figura criminal: o cambista.

Tradicional nas vésperas dos espetáculos esportivos tupiniquins, sobretudo nos estágios de futebol (paixão nacional), chama-se cambista aquela pessoa que compra ingressos antecipados e os oferece ao torcedor por um preço mais caro.

Fora casos raros em que a procura pelo espetáculo acaba sendo maior do que o número de vagas oferecidas, o cambista acaba ganhando sua clientela apenas pelo benefício de o torcedor não ter que enfrentar fila. Por muitas vezes, tal vantagem acaba sendo realmente relevante dada a fraca estrutura de venda de ingressos nos estádios brasileiros.

Enfim, correr à bilheteria com agilidade e vender os ingressos por preço mais caro acaba representando o labor do cambista. Seu lucro está no tempo que nem todos têm, na impaciência dos que fogem das longas filas.

Claro, cambista é coisa de gente pobre. Atividade de quem necessita de fazer dinheiro até no momento do lazer alheio, produzindo lucro com algum esforço, tempo e risco. Típico de quem não consegue possuir renda satisfatória pelos meios socialmente mais desejados.

Sim, gera renda informal. Trabalho informal para pessoas informais. Pobreza que se alimenta da impaciência dos mais abastados do capitalismo. Eis o cambista, que só faz oferecer o que comprou antes por um preço maior.

Todavia, desde 27 de julho de 2010, o legislador do Brasil trata o cambista da seguinte forma:

Art. 41-F. Vender ingressos de evento esportivo, por preço superior ao estampado no bilhete:

Pena - reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa.

A descrição de conduta, com pena de prisão cominada, representa o tipo penal incluído no Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/03), inovação da Lei 12.299/10.

Cheguei a cogitar, pelo absurdo que me parece criminalizar o cambista, que tal tipo penal só caberia àqueles que trabalham nas bilheterias oficiais e vendem o ingresso por preço superior. Infelizmente, tal interpretação é afastada quando se visualiza o parágrafo único:

Parágrafo único. A pena será aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o agente for servidor público, dirigente ou funcionário de entidade de prática desportiva, entidade responsável pela organização da competição, empresa contratada para o processo de emissão, distribuição e venda de ingressos ou torcida organizada e se utilizar desta condição para os fins previstos neste artigo.

Melhor explicando, se há previsão de um aumento de pena para o funcionário de empresa contratada para venda de ingressos, é porque a figura criminal simples se aplica àqueles que não estão nesta situação especial. Enfim: o cambista.

Pesquisando no site do Superior Tribunal de Justiça, pode-se ter acesso a um único processo julgado sobre cambista, trata-se do HC 9.074-RJ, de relatoria da Ministra Laurita Vaz, julgado em 16/09/2008.

O Habeas Corpus acabou sendo rejeitado por conta do paciente já ter cumprido sua transação penal, bem como por ausência de prova pré-constituída. Contudo, na ementa diz-se que A conduta praticada pelo acusado pode, em tese, ser enquadrada no tipo do art. , inciso IX, da Lei n.º 1.521/51, e não existe nos autos qualquer documento que demonstre, extreme de dúvidas, os exatos contornos da conduta imputada ao Paciente. O voto da relatora, acompanhado por unanimidade pelos demais ministros da 5ª turma, corrobora o entendimento do acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Ressalte-se, a pena cominada no art. , IX, da Lei 1.521/51 é de detenção de 06 meses a 02 anos. A pena do novo tipo penal é de 01 a 02 anos de reclusão.

Por fim, pinta-se o quadro da miséria brasileira com mais esta criminalização primária. Típica de uma cultura elitista e desigual, típica de um Estado que cegamente utiliza o direito penal simbólico, reproduzindo relações sociais desiguais e opressivas [1]. Como diria Wacquant [2], é o Direito Penal que visa recolher e armazenar os (sub) proletários tidos como inúteis, indesejáveis ou perigosos.

[1] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal parte geral. 4. Ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010. P. 450.

[2] WACQUANT, Loïc. As Prisões da Miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. P. 143.

  • Publicações216
  • Seguidores497197
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações13200
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/criminalizacao-do-cambista/2329537

Informações relacionadas

Professor Rafael Siqueira, Advogado
Notíciashá 7 anos

Atenção concurseiro! Confira 16 sites para estudar de graça para concursos públicos

Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes
Notíciashá 14 anos

ARTIGO DO DIA - O novo Estatuto do Torcedor e o populismo penal

Aidar Advogados
Artigoshá 8 anos

Será o fim do cambismo?

Ministério Público Federal
Notíciashá 6 anos

MPF consegue condenação de cambista por tentativa de evasão de divisas

Guilherme White, Estudante de Direito
Artigoshá 7 anos

O que se entende por Delito de Alucinação e Crime de Ensaio?

6 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)
Caroline Alias
8 anos atrás

"Claro, cambista é coisa de gente pobre." Uma afirmação bem generalista e ingênua, não? Ingressos para o show do Iron Maiden começaram a ser vendidos hoje, dia 5 de novembro de 2015. Pista Premium no site oficial está esgotada, mas não nos sites de cambistas. Cada ingresso custava, no último lote, R$620, mas é vendendo ilegalmente por cambistas a um mínimo de R$850. Há cambistas pobres, enfrentando filas em jogos pequenos de futebol; mas não é por causa deles que a atividade é crime. continuar lendo

Tardelly Pinho
1 ano atrás

Com o devido respeito, acredito que o colega não costuma ir a jogos de futebol do seu time em estádios. É um absurdo tacar o "CAMBISTA" como um pobre coitado, trabalhador informal. A verdade é que os cambistas realizam um verdadeiro "estupro" (com o perdão da palavra) comercial. Exatamente neste momento, jogo que acontecerá hoje entre Barcelona Ba X Bahia (Estádio Mario Pessoa em Ilhéus), simplesmente os cambistas compraram praticamente TODOS OS INGRESSOS. Torcedores que estavam na fila desde às 08:00 como eu, não tiveram acesso aos ingressos. Detalhe, o ingresso custa 15,00 devidamente estampado, os cambistas já estão vendendo até por 150,00. Isso é ser um trabalhador informal? Isso é ser justo e legal? Eles não tem nem a hombridade de vender pelo dobro do preço adquirido.

Torcedores que na maioria assalariados e as vezes nem isso, ficam impedidos de um momento de lazer por conta desses "coitadinhos pobres".

Com esses preços absurdos, quem realmente são os capitalistas nessa situação?

A verdade é que existe uma "máquina", um sistema por trás desses cambistas que os financiam na compra de grandes quantidades de ingressos afim de ganharem mais dinheiro as custas da população.

Dou os parabéns aos legisladores por essa atitude de criminalizar a atividade. É um absurdo. continuar lendo

Rodrigo Dhass
9 anos atrás

Sábio... continuar lendo

Hugo Santos
6 anos atrás

Só o conteúdo, sem inclinação ideológica, por favor. Aqui não é a Carta Capital. continuar lendo