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3 de Maio de 2024

Da discricionaridade à arbitrariedade: o ex juiz Sérgio Moro praticou atos característicos do Lawfare e já não há como dissimular

Diálogos revelados pelo The Intercept provam que Moro orientou, instruiu, indicou testemunhas e até comemorou a denúncia feita contra o ex-presidente Lula pelos procuradores da Lava Jato

Publicado por Lianara Maria Albring
há 5 anos

Há pouco tempo publiquei um artigo sobre o conceito de Lawfare - artigo este que antecedeu minha pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso sobre este mesmo tema, sua aplicabilidade e como sua prática estava sendo gradativamente utilizada por toda a América Latina para deslegitimar governos de esquerda, considerados como "inimigos" por uma parcela de políticos de extrema direita que não costumam aceitar disputas eleitorais democráticas.

Resgatando o conceito do fenômeno Lawfare de forma sucinta e o mais objetiva possível, pode-se dizer que este se traduz no uso indevido dos instrumentos jurídicos para fins de perseguição política, onde se cria uma espécie de "estratagema bélico-jurídico" para aniquilar a imagem pública ou inabilitar um adversário, usando da lei para alcançar um objetivo político destituinte. Este conceito que, todavia é muito recente no estudo jurídico brasileiro, teve suas origens nas doutrinas internacionais e é tema de frequente discussão mundial.

Por conseguinte, com as recentes divulgações de conversas entre o ex juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato reveladas pelo The Intercept Brasil, faz-se oportuno trazer novamente à baila a discussão sobre como o Estado Democrático de Direito - sobretudo a segurança jurídica e a credibilidade no Poder Judiciário são abaladas com o emprego deste artifício.

É de ampla notoriedade que com a promulgação da CRFB/88 e término do regime político ditatorial, promoveu-se no Brasil o Estado Democrático de Direito e, consequentemente, a inclusão, no texto constitucional, de um extenso rol de direitos humanos, que por sua vez, altearam a posição de direitos fundamentais. O princípio da dignidade da pessoa humana e todos os direitos fundamentais que lhe são inerentes tornaram-se fundamento do Estado Democrático de Direito, nos termos do art. , II, da Constituição da República. Diante disso, a proteção de tais direitos e seu efetivo cumprimento passaram a ser seu principal objetivo e, apesar de previstas no texto constitucional, possuem vasta relevância processual – cível e penal – motivo pelo qual, torna-se inadequado desvinculá-lo da Constituição.

Neste sentido, o processo humanizado e garantístico deve formar-se e desenvolver-se com de absoluto respeito à dignidade humana de todos os cidadãos, especialmente as partes, de tal modo que a justiça do seu resultado esteja de antemão assegurada pelas garantias da inafastabilidade da tutela jurisdicional, a adequada cognição do juiz, à ampla e equilibrada participação dos interessados, o direito a um julgamento justo por meio dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, da publicização, da apuração da verdade objetiva, da isonomia, da fundamentação das decisões e outros hoje expressamente reconhecidos em nossa Carta Magna em seu Art. 5º.

Partindo desta premissa, a constitucionalização e a internacionalização dos direitos fundamentais, particularmente desenvolvidas na jurisprudência dos tribunais constitucionais e das instâncias supra-nacionais de Direitos Humanos, como a Corte Europeia de Direitos Humanos, Emendas 5ª e 14ª da Constituição americana, ou o processo justo, constante da Convenção Europeia de Direitos Humanos e do recém reformado artigo 111 da Constituição Italiana revelam o conteúdo da tutela jurisdicional efetiva como direito fundamental, minudenciado em uma série de regras mínimas a que se convencionou chamar de garantias fundamentais do processo, universalmente acolhidas em todos os países que instituem a dignidade da pessoa humana como um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

Destarte, o Estado democrático de direito não é uma conquista imutável. A defesa do ex presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem denunciando, desde 2015, a utilização de meios e métodos heterodoxos praticados por Moro, que criaram situações processuais inéditas de inobservância às regras mais elementares do processo democrático, como o uso indiscriminado de inovações processuais da condução coercitiva, da prisão preventiva, da aceitação de provas ilícitas, provas seletivas e indícios como provas da delação premiada em condições extremas que transformam o processo em um julgamento de exceção, corrompendo as funções acusatórias e do juiz natural.

Se os atos exacerbados do ex juiz já causavam estranheza antes e eram alvos de denúncias em Tribunais Internacionais, com o vazamento das conversas via Telegram, são irrefutáveis e inaceitáveis - ao menos nos moldes da ética que norteiam as relações jurídicas em qualquer país democrático.

A divulgação do material apresenta evidências de que Moro orientou a investigação do Ministério Público Federal na Lava Jato, pedindo inclusão de provas e sugerindo a mudança de datas de operações, e mostrou contrariedade na delação de Eduardo Cunha. Não bastasse, acusa Moro de ter omitido informações solicitadas pelo ministro do STF Teori Zavascki, morto em 2017, para manter um inquérito na 13ª Vara Federal, então chefiada pelo atual ministro da Justiça.

Os diálogos, também revelam a celebração de um encontro com o ministro Edson Fachin, do STF ("aha, uhu, o Fachin é nosso"), emitido pelo coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, e um encontro entre Moro e o apresentador Fausto Silva, da TV Globo, no qual o global aconselhou os procuradores a se expressar melhor diante da opinião pública.

Diante de todas essas revelações e sem mergulhar em paixões, voltamos a reiterar que é notório que a corrupção, em todas as esferas, precisa ser estoicamente combatida; mas em hipótese alguma com o sacrifício de direitos fundamentais arduamente conquistados em anos de luta contra a opressão e o arbítrio.

Por último mas não menos importante, meu Artigo de Conclusão de Curso cujo título foi "LAWFARE: O USO DO DIREITO COMO ARMA POLÍTICA E SUA POSSÍVEL INCIDÊNCIA NO BRASIL", curiosamente se consolida, se confirma e se atualiza a cada dia mais.

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4 Comentários

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Prezados, neste país , por incrível que pareça, para se obter vantagem de um assunto, pode-se praticar um crime . Crime este, que na minha opinião é gravíssimo. hackear celulares de políticos, personalidades, ou qualquer um que seja, deveria ser muito bem investigado. muito estranho que a PF ainda não apurou os fatos. Estamos vivendo casos sérios de espionagem no Brasil e ficamos quietos, estáticos, como se fosse tudo normal. antes de fazer qualquer crítica em relação as conversas do Juiz Sergio Moro e o MP , devemos estar atentos ao que vem se desenrolando no país. agora, com as portas abertas para este ato ilícito, podemos correr riscos de estarmos diante de um perigo nacional, a PF tem que investigar e denunciar estes espiões que estão destruindo a nossa soberania. continuar lendo

Este importantíssimo portal permite esse tipo de publicação? continuar lendo

O você você classifica como "esse tipo de publicação", nobre colega? Existem outras dezenas de publicação que tratam sobre o tema em evidência.
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Agradeço pelo comentário! continuar lendo

BOA NOITE
A liberdade de expressão é essencial para democracia, cada cidadão tem o direito dessa expressividade, mormente com educação.
Diante dos fatos, necessário se faz em apurar de forma inflexível, porque o período inquisitorial é abominável no Estado Democrático de Direito. continuar lendo