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6 de Maio de 2024

De pedras, cruzes e alianças

Luiz Renato Oliveira Périco comenta na coluna Direito e Religião de julho a aprovação do casamento gay nos EUA, o caso de uma garota que foi apedrejada por usar roupas de candomblé, a cruz na Parada LGBT de São Paulo e a audiência pública no STF sobre ensino religioso

Publicado por Luiz Perico
há 9 anos

Quando me inscrevi para escrever essa coluna sobre Direito e Religião, eu tinha uma preocupação – além da baixa popularidade do assunto e o desinteresse franciscano geral pela produção interna: uma possível falta de assunto. Junho passado, entretanto, mostrou que a coluna pode render bem mais do que o esperado, para o bem e para o mal.

Toma essa, Nietzsche.

1. E o casamento gay foi aprovado nos Estados Unidos – mais precisamente, a Suprema Corte americana decidiu que os estados americanos não podem proibir casamentos entre pessoas do mesmo sexo nos mesmos termos dos casamentos heterossexuais. A repercussão da decisão dispensaria maiores comentários sobre ela; além do mais, a decisão veio no finzinho do mês, o que se significa que esse trecho foi meio que enxertado em um texto quase pronto. No que concerne ao âmbito dessa coluna, entretanto, merece destaque trecho do voto do Justice Kennedy:

Finally, it must be emphasized that religions, and those who adhere to religious doctrines, may continue to advocate with utmost, sincere conviction that, by divine precepts, same-sex marriage should not be condoned. The First Amendment ensures that religious organizations and persons are given proper protection as they seek to teach the principles that are so fulfilling and so central to their lives and faiths, and to their own deep aspirations to continue the family structure they have long revered. The same is true of those who oppose same-sex marriage for other reasons. In turn, those who believe allowing same-sex marriage is proper or indeed essential, whether as a matter of religious conviction or secular belief, may engage those who disagree with their view in an open and searching debate. The Constitution, however, does not permit the State to bar same-sex couples from marriage on the same terms as accorded to couples of the opposite sex.

Tem liberdade suficiente pra todo mundo em um Estado democrático de direito.

2. É impossível ignorar – e deixar de lamentar – o caso da menina carioca de 11 anos que levou uma pedrada na cabeça porque voltava de um culto de candomblé com as roupas rituais brancas. O caso teve ampla repercussão, mas, diferentemente do que a cobertura destacada possa parecer, não é um caso isolado. Como mostrei em minha primeira coluna, apesar de ser um Estado com legislação bastante tolerante, o Brasil possui alto índice de hostilidade religiosa na sua sociedade. E, como outros casos mostram, boa grande dessa hostilidade é voltada a cultos afro-brasileiros.

Enquanto alguns se acharem dignos de atirarem a primeira pedra, o índice não deve recuar – e casos como esse continuarão acontecendo.

3. Também não dá para deixar de falar de Viviany Beleboni, a transexual que se apresentou em uma cruz na Parada LGBT. Muitos protestaram contra o que consideram uma ofensa contra seus símbolos religiosos e sua fé, enquanto outros questionaram o motivo da ofensa, sendo que alguns chegaram a acusar o primeiro grupo de não manifestar o mesmo sentimento de ofensa diante de outras representações de Cristo, como a capa da Placar com o Neymar. Viviany diz que sua intenção não era ofender ninguém, mas mostrar o sofrimento dos LGBT.

Isso, entretanto, deveria ser irrelevante – e o caso Charlie Hebdo deveria ter deixado isso já bem claro. Uma sociedade só e verdadeiramente democrática se todos tem o direito de ofender e de ser ofendido – esse é um preço barato por uma sociedade livre.

A vida em sociedade se torna impossível se não soubermos tolerar micro-agressões, nos lembra Steven Horwitz, economista, professor de economia na Universidade St. Lawrence, em texto publicado no Mercado Popular:

Viver numa sociedade liberal significa reconhecer que nós não temos como eliminar toda externalidade negativa do planeta e que, em prol da paz maior, nós não podemos fazer valer todos os “direitos” que temos de não ser ofendidos, insultados, desrespeitados, etc. Às vezes nós simplesmente temos que tolerar aquilo de que não gostamos, porque é esse, e não a tributação, o verdadeiro preço da civilização.

É isso ou um artigo novo por mês no Código Penal. Ou um Charlie Hebdo por dia.

4. Ocorreu no último dia 15 a audiência pública do STF sobre o ensino religioso nas escolas públicas, questão que deverá ser decidida nesse segundo semestre, no julgamento da ADI 4439.

O tema do ensino religioso merece uma coluna exclusiva, dada a sua complexidade, e talvez ganhe uma, quando do julgamento da ação no Supremo. Aqui, entretanto, quero comentar sobre a própria audiência pública, uma vez que ela mesma já tem algo a dizer sobre a laicidade do Estado.

Sim, porque a primeira parte da audiência pública, que ocorreu pela manhã, foi reservada para que o ministro Barroso ouvisse sobre o tema, entre outros, representantes de diversas religiões, como a Confederação Israelita do Brasil (Conib); Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); Convenção Batista Brasileira (CBB); Federação Brasileira de Umbanda (FBU); Federação Espírita Brasileira (FEB); Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras); Igreja Assembleia de Deus, Sociedade Budista do Brasil (SBB) e Testemunhas de Jeová, além da Liga Humanista Secular do Brasil (LIHS), representando ateus e céticos.

Sim, o STF estava cheinho de religiosos – com a palavra! Teríamos virado um Estado teocrático?

Não sei como o Supremo vai decidir a questão, mas é bom saber que a Corte não trata a questão da laicidade da forma simplista e preguiçosa (desonesta, às vezes) com que é ela é costumeiramente tratada, como se ela, ao invés de operar a abertura à participação democrática de todos, independentemente das suas crenças, fosse uma verdadeira capitis deminutio (anti) republicana para religiosos.


Fonte: http://www.jornalarcadas.com.br/coluna-de-pedras-cruzesealiancas/

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Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/de-pedras-cruzes-e-aliancas/205537205

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