Diferenças entre ope judicis e ope legis
Por maioria de votos, a 4ª Turma do STJ deu provimento a recurso especial de uma consumidora gaúcha contra a Renault do Brasil S/A pelo não funcionamento do air bag em uma colisão que envolveu o veículo da autora.
Os ministros reformaram decisão de segunda instância que afastou a responsabilidade da montadora porque a consumidora não conseguiu provar o defeito no sistema. O Espaço Vital já informou os primeiros detalhes sobre o julgado em 18 de dezembro, última edição antes da suspensão dos prazos.
Agora, com a disponibilização do acórdão, vêm novos detalhes.
* O acidente aconteceu em 2004, em Porto Alegre (RS). O automóvel da consumidora, um Renault Scénic, foi atingido pela frente por outro veículo. Apesar do uso do cinto de segurança, a proprietária sofreu diversas lesões, principalmente no rosto, tendo de ser submetida a cirurgia de rinoseptoplastia.
* Como o veículo possuía sistema de air bag, e este não foi acionado no momento da colisão, a consumidora ajuizou ação de indenização contra a Renault, sob a alegação de que as graves lesões sofridas não teriam ocorrido caso o item de segurança tivesse funcionado adequadamente.
A perícia foi realizada após o conserto do carro, de forma que o laudo confrontou apenas informações sobre o funcionamento do air bag e as características da colisão. A conclusão do perito foi de que, apesar de identificar o choque, o sistema interpretou que "as condições de desaceleração não eram suficientes para acionar o dispositivo".
A sentença proferida pela juíza Elisa Carpim Corrêa, da 9ª Vara Cível de Porto Alegre, acolheu o laudo pericial. Nada indica que o air bag instalado pela fabricante, quando do acidente, não foi acionado pelo sistema de comando, em razão de defeito no produto, mas por ausência das condições especificadas no manual para o seu funcionamento. Não procede, assim, os pedidos indenizatórios formulados pela autora, concluiu o juiz.
A 11ª Câmara Cível do TJRS também negou o pedido da motorista, entendendo que as consequências processuais negativas deveriam ser suportadas pela consumidora, que falhou em sua oportunidade de provar os fatos constitutivos de seu direito.
No STJ, entretanto, o ministro Luis Felipe Salomão, relator, observou que as decisões de primeira e segunda instância foram contrárias ao entendimento já consolidado no STJ. Não poderia o acórdão ter repassado os encargos da prova para a consumidora com o fito de isentar a fornecedora pela responsabilidade de seu produto, disse Salomão.
O relator destacou que o parágrafo 3º do artigo 12 do CDC estabelece que o fornecedor só não será responsabilizado se provar:
I - que não colocou o produto no mercado;
II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III- a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
É a diferenciação já clássica na doutrina e na jurisprudência entre a inversão 'ope judicis' (artigo 6º, inciso VIII do CDC) e inversão 'ope legis' (artigo 12, parágrafo 3º e artigo 14, parágrafo 3º do CDC), disse.
Em relação ao laudo pericial, o ministro Salomão entendeu que as considerações do perito também não foram suficientemente conclusivas e, por isso, deveriam ser interpretadas em favor da consumidora, vulnerável e hipossuficiente.
Levando-se em conta o fato de a causa de pedir apontar para hipótese de responsabilidade objetiva do fornecedor pelo fato do produto, não havendo este se desincumbido do ônus que lhe cabia inversão ope legis , é de se concluir pela procedência do pedido autoral com o reconhecimento do defeito do produto, concluiu a decisão.
Além da indenização pelos prejuízos materiais sofridos, a consumidora receberá R$ 20 mil por danos morais. (REsp nº 1306167 - com informações da Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ).
1 Comentário
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O que seria dos cidadãos se não fosse a ciência dos magistrados de segunda instância, que neste, caso foi isento e imparcial. continuar lendo