“Disque-aborto”: a solução que surgiu na ilegalidade
Por Natalie Garcia
O aborto, em qualquer circunstância, foi proibido no Chile em 1989 ao fim do mandato de Pinochet. Desde então, não houve alteração alguma da legislação. Com isso, a ilegalidade do procedimento cresceu e, consequentemente, muitas vidas são tiradas todos os anos. A fim de cobrir essa lacuna e auxiliar mulheres em situação de desespero, surgiu no país a Linha Aborto Livre. Hoje, também reinicia no Chile o debate em torno do tema, com a proposta de Michele Bachelet.
Criada formalmente em 2012, a Linha é assessorada pela ONG holandesa New Waves e é formada por mulheres que trabalham, voluntariamente, das 20h às 23h e atendem até 15 ligações por dia. Durante o atendimento, são informados os procedimentos sobre o uso do Misoprostol, medicamento atualmente ilegal no Chile e restrito no Brasil (as farmácias não podem vendê-lo). Segundo o site, essas informações são dadas àsmulheres grávidas de até 12 semanas e “para a defesa das mulheres que se veem em situação de violência cultural, médica e/ou policial.”
Com o sucesso da iniciativa, em novembro de 2012 o grupo também lançou o livro “Línea Aborto Chile: El Manual”, com uma tiragem de mil exemplares em papel. Hoje há também aversão digital do documento.
Em entrevista ao jornal El Desconcierto, a médica “lesbo-feminista” Viviana Díaz e a ativista Marjoreyn Barrientos falaram sobre a atuação da Linha. “As mulheres que ligam para nós já estão decididas a abortar. Uma mulher que decide abortar aborta de qualquer maneira. A nós interessa que essa mulher não morra ou tenha complicações por um procedimento mal realizado, ou ainda que tenha de se dirigir a um serviço de urgência, onde corre o risco de ser interrogada, maltratada e criminalizada, como tem ocorrido em tantas ocasiões.”
A criação da ferramenta também tem ligação com o mercado ilegal do Misoprostol, dominado por homens que, ignorantes quanto ao uso correto do medicamento, induzem as mulheres ao risco. Dessa maneira, para as ativistas, essas mulheres estão todas marginalizadas e são alvos do patriarcalismo que ainda decide e incide sobre seus corpos, e por isso a iniciativa é totalmente necessária.
“Portanto, manter o aborto proibido é só uma questão moral – não é médico e nem político -, porque (…) mais de 70% da população aprova a despenalização. E tem a ver com a secularização efetiva no Chile e com a herança da ditadura. Não nos esqueçamos que a revogação do aborto terapêutico (que existia até 1989) foi a última ação de Pinochet. Nada disso é coincidência. O sistema capitalista heteropatriarcal, que ordena as coisas no Chile, necessita de se apropriar do corpo das mulheres para se justificar.”
Latino-América: Bachelet envia projeto de lei que viabiliza o aborto terapêutico
Em tempos de discussão sobre o aborto, alguns países tradicionalmente contrários à prática têm surpreendido com decisões progressistas. Há duas semanas falamos no Justificando sobre o caso da salvadorenha Guadalupe, que havia sido sentenciada a 30 anos de prisão por supostamente tentar abortar e foi perdoada pelo Congresso de El Salvador. A decisão deve beneficiar outras 16 mulheres na mesma situação. Hoje é o Chile, país onde 500 mortes por má formação fetal ocorrem por ano, que repensa sobre a questão.
No último sábado (31), a presidente Michele Bachelet enviou um projeto de lei ao congresso chileno versando sobre a despenalização do aborto terapêutico, isto é, o aborto em casos de má formação fetal, estupro ou de risco à saúde materna.
De acordo com o texto, a mulher deverá passar pelo diagnóstico de dois médicos, enquanto em casos de emergência o diagnóstico de apenas um será suficiente. Quanto às menores de 14 anos vítimas de estupro, a autorização do procedimento deverá ser feita pelos pais ou pelo médico que efetuar o exame, se a violência for intra-familiar.
Uma das inovações do projeto é a regulamentação da objeção de consciência dos médicos. Com ela, a não ser em casos onde o procedimento é impostergável, o médico pode se recusar a realizar o aborto, previamente e por escrito.
Michele Bachelet defendeu seu ponto de vista em ato público no Palácio de la Moneda.“Os fatos mostram que a proibição absoluta e a criminalização de toda forma de interrupção da gravidez não impediram e não impedem a prática em condições de grande risco para a vida e a saúde das mulheres”. E prosseguiu: “Na situação atual, atropelamos sua dignidade, prolongamos seus sofrimentos, arriscamos sua vida”.
Fonte: Justificando
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