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29 de Maio de 2024

Dolo no negócio jurídico (Info 423)

há 14 anos

Informativo n. 0423

Período: 15 a 19 de fevereiro de 2010.

As notas aqui divulgadas foram colhidas nas sessões de julgamento e elaboradas pela Assessoria das Comissões Permanentes de Ministros, não consistindo em repositórios oficiais da jurisprudência deste Tribunal. Quarta Turma ALTERAÇAO. CAUSA DE PEDIR.

Denota-se dos autos que a autora, à época senhora de 92 anos, não mantinha bom relacionamento com uma de suas filhas. Porém, achou por bem ceder parte de seu terreno ao ora recorrente, o qual, após alguns poucos meses, vendeu-o justamente para a citada filha, que logo ergueu um muro entre os terrenos. Alega-se, assim, dolo na celebração dos negócios jurídicos, além de falta de autorização da transferência do terreno ou das benfeitorias realizadas. Nesse contexto, vê-se que não constitui alteração da causa de pedir deduzida na inicial o juiz considerar o fato superveniente constitutivo do direito do autor (art. 462 do CPC) de que, segundo os filhos da autora (assistentes), inexistia a autorização deles para a venda. Anote-se que o provimento judicial entregue pelo tribunal a quo cuidou da causa de pedir deduzida na inicial, isso porque o alegado dolo foi o fundamento central do acórdão recorrido, mostrando-se o fundamento da venda de ascendente a descendente apenas como reforço à tese de que houve a falsa representação da realidade causada pela conduta ardilosa dos réus. Precedentes citados : REsp 78.714-SP , DJ 10/11/1997, e REsp 43.902-SP , DJ 20/6/1994. (REsp 695.627-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/2/2010).

NOTAS DA REDAÇAO

O caso em tela nos leva à reflexão o tema dos negócios jurídicos. Segundo a doutrina pátria temos que o negócio jurídico, por um prisma constitucional, é toda manifestação de vontade por meio da qual o declarante , exercendo a sua autonomia privada, regula os efeitos jurídicos que pretende atingir, respeitando sempre os princípios da função social e da boa-fé objetiva.

Por oportuno, de acordo com os preceitos da Constituição de 1988, temos que a autonomia privada manifestada por meio dos negócios jurídicos deve primar pelos princípios da função social da propriedade e da boa-fé objetiva.

Pontes de Miranda abordou em seus ensinamentos 3 planos de caracterização do Negócio Jurídico para que o mesmo fosse considerado pelo ordenamento jurídico: existência, validade e eficácia.

Quanto aos pressupostos de existência para a constituição do negócio jurídico, tem-se que os elementos para sua formação são: manifestação de vontade, agente emissor da vontade, objeto do negócio jurídico e forma do negócio jurídico.

Sob este prisma, o caso em tela praticamente não preenche nenhum dos elementos formadores do negócio jurídico, senão vejamos:

A senhora de 92 anos cedeu parte de seu terreno para uso de um terceiro, com quem não tinha laços de parentesco. A cessão de uso não permitia o exercício de direito característico de quem é proprietário. Desta feita, o negócio assumido entre a senhora e o terceiro não permitia a alienação do imóvel.

O que de fato se deu, juridicamente, foi um contrato de empréstimo na modalidade do mútuo devido a sua gratuidade. Assim a existência do negócio se perfaria pelos elementos inerentes à sua celebração. Estabelece o Código Civil quanto ao mútuo: Art. 579. O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto. Art. 580. Os tutores, curadores e em geral todos os administradores de bens alheios não poderão dar em comodato, sem autorização especial, os bens confiados à sua guarda. Art. 581. Se o comodato não tiver prazo convencional, presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido; não podendo o comodante, salvo necessidade imprevista e urgente, reconhecida pelo juiz, suspender o uso e gozo da coisa emprestada, antes de findo o prazo convencional, ou o que se determine pelo uso outorgado. Art. 582. O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante. Art. 583. Se, correndo risco o objeto do comodato juntamente com outros do comodatário, antepuser este a salvação dos seus abandonando o do comodante, responderá pelo dano ocorrido, ainda que se possa atribuir a caso fortuito, ou força maior. Art. 584. O comodatário não poderá jamais recobrar do comodante as despesas feitas com o uso e gozo da coisa emprestada. Art. 585. Se duas ou mais pessoas forem simultaneamente comodatárias de uma coisa, ficarão solidariamente responsáveis para com o comodante.

Considerado existente o negócio, passemos ao segundo plano: validade. Nesse plano, devem os pactuantes observar os requisitos estabelecidos por lei para a sua validade, sob pena de dar ensejo a nulidade ou anulabilidade do negócio, conforme a gravidade do requisito desrespeitado.

São eles: a forma da manifestação da vontade que deve ser livre e de boa-fé; agente capaz e legitimado ao ato; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma livre ou prescrita em lei.

Quando não houver boa-fé, a falta de tal requisito afeta a manifestação da vontade que restará viciada, teremos nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, consoante a hipótese de vício do negócio jurídico.

A decisão fala em Dolo na celebração do negócio jurídico. Tal vício é hipótese de anulação do negócio jurídico devido a um erro provocado, em que uma das partes é vítima de um ardil, ludibriada a realizar um ato que lhe é prejudicial.

Quando da venda do terreno, pode-se imaginar que a filha que não se dava bem com a mãe, imaginava ser o terceiro legítimo proprietário. Ocorre que, como já dissemos, não havia propriedade a se alienar. Considerando-se que para os fins legais o contrato de compra e venda realmente deveria se dar entre ascendente e descendente, e havendo 3 irmãos de fato, o certo é que para a validação do negócio, houvesse a anuência dos outros 2 irmãos, consoante a regra do art. 496 do Código Civil:

Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido. Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.

A burla para que fosse vendido um bem cujo proprietário era ascendente do comprador é o que eivou de vício a validade do negócio jurídico.

De fato, verificou-se o que a doutrina denomina de dolo negativo , já que provavelmente sabendo a descendente de seu mal relacionamento com a própria mãe, não realizaria o negócio não fosse a omissão do possuidor do bem, dando ensejo a quebra da boa-fé objetiva que deveria ter lastreado o negócio. Em outras palavras, sem o silêncio intencional o negócio não teria sido celebrado.

Por oportuno, lembramos que quanto ao plano da eficácia, os negócios jurídicos podem sujeitar-se a elementos acidentais: o termo, a condição e, o modo ou encargo. Assim, como se depreende da lei deveria o comodatário respeitar o quanto estabelecido pela legítima proprietária.

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