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17 de Junho de 2024

Emenda Parlamentar da Câmara criminaliza a investigação de ilícitos trabalhistas

Publicado por Rafael Gomes
há 8 anos

A Câmara dos Deputados aprovou nesta semana, na calada da noite, sem respeitar o luto do povo brasileiro ainda em choque com a tragédia que vitimou a equipe da Chapecoense, emendas que alteraram completamente o Projeto de Lei nº 4850/16, conhecido como “Projeto das 10 Medidas Contra a Corrução”.

Mas não pararam aí os Deputados, pois incluíram no projeto aprovado, também, medidas tendentes a intimidar juízes e membros do Ministério Público, como já destacou, entre outras autoridades que emitiram notas públicas, o Procurador-Geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury:

E o que é pior: as condutas tidas como crimes foram tipificadas com expressões preocupantemente abertas e genéricas, dando margem aos subjetivismos, às incriminações de conveniência e aos humores dos interesses contrariados pelo regular exercício das funções.

Um aspecto do projeto aprovado na Câmara que ainda não ganhou destaque nos meios de comunicação, entretanto, está no fato dele não comprometer a atuação do Ministério Público apenas no combate à corrupção. Os deputados, na ânsia de retaliar ao Ministério Público pela operação Lava Jato, foram muito além disso, e criminalizariam inclusive as investigações de natureza cível, nas quais não são investigados crimes.

De fato, vejam o que diz a Emenda 4 aprovada pela Câmara:

“São crimes de abuso de autoridade dos membros do Ministério Público:

(...)

III – promover a instauração de procedimento, civil ou administrativo, em desfavor de alguém, sem que existam indícios mínimos da prática de algum delito”.

A palavra-chave aí é “delito”. Ora, delitos são infrações de natureza criminal. Através de procedimentos de natureza civil ou administrativa o Ministério Público não investiga delitos, ou seja, crimes, mas sim ilícitos não criminais, como o são as violações aos direitos do consumidor e à legislação trabalhista.

Então o que a Câmara dos Deputados pretende, e o que acontecerá caso esse projeto seja aprovado, é tornar criminosa a atuação do membro do Ministério Público que instaurar um procedimento civil, para investigar ilícitos não criminais, como as ofensas aos direitos dos trabalhadores!

Tal dispositivo, sozinho, praticamente inviabiliza toda a atuação do Ministério Público do Trabalho, único ramo do Ministério Público brasileiro que não possui atribuições na esfera criminal, motivo pelo qual todos os seus procedimentos possuem natureza civil ou administrativa, e que se dedica à defesa dos direitos dos trabalhadores.

A maior parte dos ilícitos trabalhistas não constitui, ao mesmo tempo, crime. Os ilícitos mais comuns, justamente aqueles mais enfrentados em investigações e ações conduzidas pelo MPT, como excesso de horas extras, não concessão de descansos, não concessão do repouso semanal, não pagamento de salário, não pagamento de verbas rescisórias, não fornecimento de equipamentos de proteção, ausência de proteção coletiva, terceirização ilegal, ausência de registro de empregados, atos antissindicais, atentado ao direito de greve, etc., nada disso constitui, a princípio, crime. Mas são, todos eles, ilícitos importantes, que acarretam enorme prejuízo aos trabalhadores e merecem ser punidos, sendo verdadeiramente absurda a pretensão dos deputados de que não possam ser sequer investigados.

Se aprovado o projeto, os membros do Ministério Público do Trabalho só poderiam instaurar procedimento de investigação quando o ilícito trabalhista estivesse previsto, também, como crime, como é o caso do trabalho escravo e do aliciamento de trabalhadores, o que constitui a exceção. Não apenas isso: o membro do MPT que insistisse em investigar, e tentasse reprimir, ilícitos trabalhistas, estaria cometendo crime de abuso de autoridade, e poderia ser preso!

Não tenham dúvidas: eliminar a atuação do Ministério Público do Trabalho, no atual cenário nacional de crescentes ataques aos direitos trabalhistas, significará o primeiro passo para o completo desmonte da CLT e da legislação trabalhista.

Então é isso o que querem os deputados? Inclusive os deputados do partido que se diz “dos Trabalhadores”, que votaram em massa pela aprovação da emenda acima transcrita, e do partido que se diz “Democrático Trabalhista”, autor da emenda aprovada? Na ânsia de atingir a operação Lava Jato, para impedir a continuidade do combate à corrupção, desejam também criminalizar toda a atuação do Ministério Público, particularmente a atuação do Ministério Público do Trabalho, e impedir que lesões aos trabalhadores possam ser investigadas e punidas?

Espero, não apenas pela preservação da luta contra a corrupção, verdadeiramente epidêmica em nosso país, mas também pela manutenção dos direitos dos milhões de trabalhadores brasileiros, que a população continue se manifestando com energia contra o projeto aprovado na Câmara, e que os Senadores, diferentemente do que fizeram os deputados, leiam e reflitam sobre as repercussões do que estão votando e ajam com maior responsabilidade.

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2 Comentários

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Wagner Francesco ⚖
7 anos atrás

Muito interessante o artigo, Rafael. Eu só discordo da ênfase que você deu. Para mim, a ênfase deveria ser dada em "sem que existam indícios mínimos da prática". Se houver indícios mínimos da prática", não haverá nenhum abuso de autoridade. O que se quer evitar é o MP, sem mínimo lastro probatório, promova instauração de procedimento, colocando alguém em situação desconfortável de réu"sem que haja indícios mínimos da prática".

No mais, gostei demais do artigo! continuar lendo

O texto é inválido....abraços continuar lendo