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3 de Maio de 2024

Funcionários do setor de telemarketing relatam série de abusos

Operadores denunciam assédio moral, exploração, humilhações por não cumprir metas e escala para funcionárias engravidarem.

Publicado por Warley Oliveira
há 9 anos

Funcionrios do setor de telemarketing relatam srie de abusos

No ramo de serviços, o setor de telemarketing é o que mais cresce no Brasil. Em três anos, a oferta de postos de trabalho mais do que triplicou.

“A empresa vai te trazer metas irreais, que não existem”, diz uma ex-operadora.

Já são 1,5 milhão de trabalhadores. “São metas absurdas, são abusivas demais”, diz uma ex-operadora.

Ao todo, 64% deles têm entre 18 e 29 anos. “É uma pressão tão forte que você não consegue administrar”, diz uma ex-operadora.

Quando você precisa do telemarketing, o único contato é com a voz do profissional ao telefone. O Fantástico foi saber o que acontece do outro lado da linha.

“Para mim, era um conto de fadas. Aquelas mesas com computadores, aquelas cadeiras boas de sentar”, afirma uma ex-operadora.

O entusiasmo da ex-operadora virou desilusão nove meses depois de ser contratada para o primeiro emprego. A voz dela começou a falhar.

“Eu iniciava a jornada de trabalho com uma voz, uma hora e meia depois, eu estava rouca. Quando eu saía do trabalho, eu estava sem voz”, relembra.

Ela descobriu que estava com dois nódulos nas cordas vocais e foi afastada do atendimento ao público. A ex-funcionária conta que passou a ser ridicularizada na empresa. “Lixo. Eu fui apelidada de lixo”, conta.

E afirma que as agressões vinham dos chefes dela. “Foram oito meses de choro. De choro, de choro, de choro”, diz a ex-operadora.

Ela procurou ajuda psiquiátrica. Tinha desenvolvido síndrome do pânico. “Eu tinha medo de dormir. Quando o sono vinha, eu mesmo me despertava com medo de dormir e ter os pesadelos, ter os sonhos com aquele ambiente de trabalho no qual eu vivi”, relembra.

Em uma festa para o diretor da empresa, a operadora foi obrigada a encher centenas de bexigas. “Teve um dia que, de uma só vez, eu enchi 300 bolas. Não tinha bombinha, eu enchi na boca”, conta.

“Um supervisor cortou meu cabelo”, conta outra operadora.

O Fantástico encontrou outras histórias de humilhação, como a de uma mulher que diz ter sido agredida por não cumprir as metas. “Ele voltou para mesa dele e jogou o cabelo no lixo”, afirma.

As vítimas preferem não mostrar o rosto, porque ainda trabalham no setor e temem represálias.

"Todas aquelas pessoas, todos aqueles olhares e principalmente, o que mais marcante ficou foi a risada dele depois de ele ter cortado meu cabelo", diz a operadora.

“Eu parei de amamentar o meu filho aos cinco meses por causa do antidepressivo. Eu tinha pavor mesmo de ir trabalhar”, conta outra operadora.

Outra operadora conta que, durante a gravidez, teve uma infecção urinária porque a empresa controlava o tempo de ir ao banheiro. “Você tem cinco minutos para ir no banheiro”, conta.

Cinco minutos era o tempo total, em um expediente de seis horas.

Fantástico: Você grávida, com vontade de ir ao banheiro, qual era a orientação que te davam?

Operadora: Não. Segura.

“A minha gerente montou uma planilha e organizou uma escala onde as funcionárias deveriam engravidar pela ordem”, diz uma ex-operadora.

Uma escala de gravidez. Acontecia em uma empresa em Minas Gerais. “Quem fosse engravidar teria que avisar com seis meses de antecedência”, conta a operadora.

A prioridade na escala de gravidez era para mulheres casadas e sem filhos. Depois, as casadas que já tinham filho. As solteiras não podiam nunca. “No meu caso, eu era casada e já tinha um filho, então eu não poderia ter outro. Eu tinha que esperar quem não tinha ter filho primeiro”, afirma a operadora.

Mas a funcionária queria o segundo filho. Ela entrou na Justiça contra a empresa, a BrasilCenter, e foi indenizada. Em email ao Fantástico, a BrasilCenter explicou que a escala de gravidez foi um ato indevido de uma gestora que não está mais na equipe.

Quase 80% dos operadores de telemarketing são mulheres. A procuradora do Ministério Público do Trabalho diz que em muitas empresas são comuns essas interferências abusivas na vida pessoal das funcionárias.

“Não é só escala de gravidez, não. O empregador quer controlar o ciclo menstrual da mulher porque, quando ele souber que ela está no período fértil, eles falam: 'olha não esqueça que você está em sua semana fértil. Essa semana você não pode ter relações'”, diz Renata Coelho, procuradora do Ministério Público do Trabalho.

O advogado da ex-funcionária da BrasilCenter acompanha outros casos na Justiça.

“Um supervisor, por não ter levado a sua equipe a bater a meta, foi colocado no eles chamam de dinâmica motivacional, colocaram uma roupa de prisioneiro nele. Uma outra funcionária se vestiu de policial militar, e colocaram ele de quatro na frente da equipe inteira”, conta Nélio Gouvêa Almeida Martins, advogado trabalhista.

Restrições de horários, invasão de privacidade, assédio moral. Todas as situações relatadas à reportagem do Fantástico têm sempre o mesmo motivo: forçar os funcionários a atingirem as metas.

Fantástico: O que é mais importante? Satisfazer o cliente ou bater a meta?Operadora: Bater a meta.

Preste atenção no que outra mulher revela - ela trabalha no setor de retenção de uma empresa de telemarketing. De dez clientes que querem cancelar um contrato, ela só pode fazer um cancelamento. Os outros nove clientes, ela é obrigada a reter.

“Nove têm que ficar, essa é a meta. Se não ficar, você perde a sua meta, você não ganha dinheiro, você é perseguido o tempo inteiro pela empresa, você vai ser o patinho feio da equipe”, revela a funcionária

Para evitar que nove em dez consumidores consigam o que querem, vale tudo.

“Aquele funcionário certinho, que atende tudo muito bonito, atende o cliente bem, trata o cliente bem, não consegue bater meta. Se você falar com muita clareza, de forma detalhada e explicada para o cliente, você não vai reter absolutamente nada”, conta a funcionária.

Fantástico: Então a orientação é confundir?

Funcionária: De forma induzida, sim.

A empresa onde ela trabalha é a Contax. A mesma empresa em que trabalhava a operadora que teve o cabelo cortado. E também a que desenvolveu síndrome do pânico.

Procurada pela reportagem, a Contax respondeu, em nota, que não teve conhecimento, pelos canais de comunicação da empresa, de nenhum dos acontecimentos citados. E afirmou que vai apurar todas as denúncias, dizendo que elas estão em desacordo com os princípios da empresa.

A funcionária que só tinha cinco minutos para ir ao banheiro trabalhava na empresa Almaviva. Também por nota, a Almaviva negou que estipule tempo de uso dos sanitários.

Um projeto de lei que regulamenta as condições de trabalho em telemarketing foi apresentado em 2007 e ainda aguarda o parecer da Câmara dos Deputados em Brasília.

“Nós chamamos hoje os telecentros de senzalas modernas, porque os trabalhadores não têm direito nem a ir ao sanitário”, afirma Joselito Ferreira, Federação Nacional dos Trabalhadores em Telecomunicações

“É um ambiente completamente permeado de assédio, de violência, de constrangimento e de muito sofrimento”, diz Ana Soraya Vilas Boas, Fundacentro Ministério do Trabalho e Emprego.

Mostrando o rosto, outros operadores confirmam o sofrimento do lado de lá do telefone.

"Pausa banheiro: 5 minutos. Almoço: 20 minutos", diz a operadora de telemarketing, Elaíne Souza.

“O que você treina, o que você recebe a todo momento é que você tem que manter o cliente a qualquer custo”, diz a operadora Bruna Peleteiro.

“Você entra em uma empresa com sonhos e você sai traumatizado”, relata a operadora Dóris Queirós Vieira.

“Nós falamos, às vezes, da importância da primeira infância. Eu costumo comparar com a importância do primeiro emprego. Então, ele está ali, no primeiro trabalho, cheio de expectativas e de repente ele pensa: 'isso é trabalhar?' Isso não é trabalho, isso é castigo. O prazer do trabalho, a dignidade pelo trabalho, o valor do trabalho, às vezes, nunca mais vai conseguir ser desenvolvido nessa pessoa, dependendo da situação que ela se submeteu ou que ela viu outra pessoa se submeter nesse ambiente”, diz a procuradora Renata Coelho.

Fonte: G1

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Minha tia, Selma Venco, professora da Unicamp, pessoa que admiro muito, estuda o tema há muito tempo. A postura da Contax "não estamos sabendo" é absurda, nem sequer podemos chamar de cinismo, seria ofender os cínicos gregos, mais sofisticados e complexos do que isso! http://www3.sp.senac.br/hotsites/blogs/InterfacEHS/wp-content/uploads/2013/07/art-1-2008-3.pdf continuar lendo

-Thiago Venco,
Muito bom-dia.
É uma realidade muito dura, eu já passei coisas piores dentro de uma vida de CALL CENTER, é um mundo profissional sem fundo... continuar lendo

Esta "pressão" exercida sobre os profissionais de marketing (telemarketing) é somente ponta o iceberg. O Ministério do Trabalho não tem ideia do que ocorre em ambientes hostis do telemarketing. Ou melhor, não quer ver e também não quer agir. E se o profissional falar mal da empresa, o mesmo é demitido. Veja como ocorreu com uma menina que "curtiu" uma crítica da empresa postada no Facebook. Infelizmente, estamos à mercê do mundo empresarial e o mais forte acaba por "pagar o pato". O pior não é isso, pois estamos sem líderes intelectuais no país, capazes de dar uma luz no fim do túnel. Os "intelectuais" servem os governantes para manter a situação atual. O Foro de São Paulo mostra tudo o que precisa saber. continuar lendo

Lembrando ao colega, que esse texto nos remete aos bancos.(públicos e privados).Obr. continuar lendo

Não sei porque essas pessoas ainda se iludem com trabalho em telemarketing. Essa atividade laboral é uma barbárie contra a vida humana. Pra mim nunca teve utilidade alguma. A quem interessa ainda existirem esse tipo de serviço que te importunam várias vezes ao dia em horários até malucos, tentando te empurrar lixos de produtos que não servem para nada, a não ser encher os bolsos de quem inventou de vender horóscopo, dica de novelas e de seu time de coração, tudo sobre fulana ou fulano famoso e por aí vai o cardápio de inutilidades.

É inaceitável, nos dias de hoje, ainda existir esse tipo de pensamento de que colaborador da base da cadeia de serviços ou produção de uma empresa, não pode ser considerado como ser humano. Ainda vivemos sim sob o julgo da escravidão no país. Haja vista também os trabalhadores das franquias de fast food, que ganham quase nada e muito recebem até menos de um salário mínimo por mês.

É preciso um amadurecimento no sentido de boicotarmos qualquer seleção para este tipo de trabalho e acabarmos com esse tipo de desserviço. Essa gente do telemarketing não é treinada e preparada psicologicamente para enfrentar situações de conflitos. São só os soldados da linha de frente na guerra, que todos sabem que são colocados lá para morrerem e barragem o inimigo (cliente consumidor) o máximo que puder, não importando que morra.

Por mim podia nem existir. Uma época até tinham conseguido em são paulo as empresas de telefonia, água e luz, serem obrigadas a terem atendimentos em corpo presente, teriam que criar infra estrutura para atendimento presencial, ou criar mecanismos via meios eletrônicos e de internet, para facilitar o acesso dos clientes as suas necessidades e demanda. Porém o que vemos é só balcões para oferecem produtos e serviços que em nada nos servem. Pois são pacotes inúteis e vendas mais do que casadas e quando vamos a esses postos para reclamar de alguma coisa, eles nós colocam num telefone para call center e dizem que eles não resolvem nada presencialmente ou pelo site, para aquela situação. Creio que essas multas do Ministério do Trabalho, Procon, Ministério Público, CADE, sejam só de falácia, porque se pagassem davam mais valor aos seus empregados e clientes. Creio também que achem que possa ser um valor irrisório em face do alto lucro que elas tem.

Sei que hoje estamos vivendo no mercado de trabalho e na economia, algo que muitos talvez nem se lembrem, mais parece que estamos nos anos 90, começo de 2000. Salário não rendendo nada, emprego escasso e todo mundo achando ou realmente tendo que aceitar o primeiro emprego que arruma para apenas não morrer, mais se todos realmente quisessem se rebelar e ir contra essas situações, nunca que teríamos esse tipo de situação. As pessoas precisam antes de mais nada se valorizarem, se darem respeito e pararem de aceitar abusos. Parece que tem pessoas que não conseguem enxergar que há sim saída para aquela situação e que pode demorar, mais há punição sim para pessoas e empresas que praticam esse absurdo em pleno século 21. Temos que tirar esse estigma da Casa Grande e Senzala, que nos perseguem desde o século 18. Querem exemplo melhor que o aviso prévio. Seria como a carta de alforria, que o escravo tinha que pagar se quisesse ser liberto. Se eu quero pedir demissão e não cumprir o aviso prévio, ao invés de simplesmente não me pagarem, eu que tenho que pagar para poder sair da empresa. Sendo que a empresa somente irá pagar o aviso para mim, se eu trabalhar os dias do aviso ou se ela te dispensar de trabalhar esses dias e ainda ficam revoltados com você, perguntado aonde você irá trabalhar para quererem ligar lá em sua nova empresa para tentarem fazer sua caveira ou o próprio colega de trabalho, que até pouco tempo dizia que era seu amigo, imediatamente lhe virar as costas. Temos que mudarmos nossa cultura, pensamentos e atitudes. Senão ficaremos séculos e séculos só chorando e nada fazendo par mudarmos essa condição humilhante. continuar lendo

O que esperar desses jovens, qual o futuro do pais que permite que essas empresas formem um exercito de mentirosos? A maioria passa a jornada de trabalho mentido, enganando, enrolando e violando os direitos dos consumidores. Esses operadores passam por todo tipo de violência físicos e psicológicos causados por essas empresas, e ainda tem os xingamentos que recebem diariamente dos clientes.., nessa jornada diária qual a contribuição na formação e no carate desses profissionais? continuar lendo

-Valdomiro Ximenes de Araujo, o própria entidade do Governo que liberta as atividades, tanto com o trabalhador quanto o CDC. - Eu falo com uma certa propriedade, devido ter trabalhado 8 anos em empresas de CALL CENTER, onde somos humilhados por supervisores, Gerentes, Coordenadores, Gestores, e toda a classe gerencial, algo que só muda com ação judicial, que nesse caso não vai nem mesmo chegar o real destino. continuar lendo

- Um dia eu "sento" aqui para contar uma das histórias que já vive nesse ramo, e hoje estou saindo, e jamais voltando. continuar lendo