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17 de Junho de 2024
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    Quando a busca pela eficiência paralisa o Judiciário

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 11 anos

    A reforma do Poder Judiciário foi engendrada pela Emenda Constitucional 45, de 2004 com o objetivo explícito de trazer maior eficiência ao Poder Judiciário. Já na Exposição de Motivos da Emenda Constitucional 45/2004, é possível perceber a grande preocupação com a ineficiência da prestação jurisdicional no país. Intitulada Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais rápido e republicano e assinada pelos presidentes da República, do Supremo Tribunal Federal, do Senado e da Câmara dos Deputados, a Exposição de Motivos aponta como premissa que a morosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões retardam o desenvolvimento nacional, desestimulam investimentos, propiciam a inadimplência, geram impunidade e solapam a crença dos cidadãos no regime democrático.

    Reconhece-se, assim, a chamada crise do Judiciário brasileiro, que demandaria para sua solução a ação concertada dos três Poderes da República, organizada em torno de um pacto que se desdobra em várias frentes de compromisso: (i) implementação da reforma constitucional do Judiciário; (ii) reforma do sistema recursal e dos procedimentos; (iii) defensoria pública e acesso à justiça; (iv) Juizados Especiais e Justiça itinerante; (v) execução fiscal; (vi) precatórios (vii) graves violações contra os direitos humanos; (viii) informatização; (ix) produção de dados e indicadores estatísticos; (x) coerência entre atuação administrativa e orientações jurisprudenciais já pacificadas; (xi) e incentivo à aplicação de penas alternativas.

    Institutos e instituições novos foram criados para enfrentar a chamada crise do Judiciário, entre os quais se destacam o direito à razoável duração do processo, o Conselho Nacional de Justiça e a exigência de demonstração da repercussão geral das questões constitucionais debatidas nos Recursos Extraordinários. A proposta deste artigo é examinar, com um olhar institucional inspirado por Cass Sunstein e Adrian Vermeule [2] parte dos efeitos concretos do instituto da repercussão geral, passados oito anos da promulgação da Emenda Constitucional455/2004.

    Nesse sentido, o artigo será dividido em três seções. Na primeira, examinarei os objetivos da repercussão geral, tal como têm sido descritos pela doutrina especializada. O propósito é relatar como a teoria jurídica sobre o instituto incorporou indevidamente em seu discurso sobre a repercussão geral as justificativas apresentadas no Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais rápido e republicano, ressignificando o sentido da crise do Poder Judiciário como crise numérica de apenas uma instituição, o Supremo Tribunal Federal.

    A partir da segunda seção, será adotada uma perspectiva institucionalista, com o objetivo de verificar os efeitos concretos da repercussão geral. Em primeiro lugar, pretende-se apresentar nessa seção um relatório estatístico da repercussão geral, com o propósito explícito de demonstrar a ineficiência do novo sistema para alcançar os objetivos da Emenda Constitucional 45. Outro propósito da seção é discutir, a partir dos números apresentados, a precisão do I Relatório Supremo em Números, da Fundação Getúlio Vargas, com o objetivo de verificar sua acurácia no exame dos efeitos da repercussão geral.

    A terceira seção do artigo, por sua vez, é especialmente motivada pela abordagem de Sunstein. A seção dedica-se a explorar alguns dos motivos do fracasso da repercussão geral, denotando como certas opções adotadas na institucionalização do requisito recursal levaram a efeitos contrários aos pretendidos, por ter sido adotada uma abordagem teórica que não se preocupou com os efeitos do sistema no sistema microeconômico judicial do Supremo Tribunal Federal. Com base nas conclusões alcançadas nessa seção, serão propostas alternativas institucionais que, em princípio, poderiam superar parte dos problemas apontados e efetivamente resultar no aumento da celeridade da prestação jurisdicional.

    Objetivos da repercussão geral à luz da doutrina

    Como observado na introdução, a reforma do Poder Judiciário estabelecida pela Emenda Constitucional 45/2004 foi instituída com o propósito explícito de proporcionar maior celeridade na prestação jurisdicional.

    A criação do instituto da repercussão geral, fruto desse processo, deveria se afirmar com instrumento para assegurar maior celeridade na tramitação de feitos em todo o sistema judiciário do país. Todavia, tão logo o instituto foi criado, a doutrina, a legislação e a jurisprudência passaram a diminuir o escopo de seus efeitos. A justificativa original, diminuir a morosidade e aumentar a eficácia das decisões judiciais, foi logo substituída por outra, menos abrangente: resolver a chamada crise numérica de apenas um órgão judicante, o Supremo Tribunal Federal. [3]

    Essa crise consistiria no recebimento de elevado número de feitos, muitos dos quais acessórios, como Agravos de Instrumento contra despacho de admissibilidade que nega seguimento ao Recurso Extraordinário. Dado o volume de processos, a Corte não teria condições administrativas de julgá-los com rapidez e acurácia e, com o objetivo de tentar resolver a crise, precisaria adotar medidas de contenção para dificultar o acesso do jurisdicionado ao Tribunal. Não é por acaso que a crise é narrada nos seguintes termos por um dos membros da Suprema Corte:

    Dados estatísticos disponibilizados no sítio do Supremo Tribunal Federal revelam, que entre 1991 e o ano de 2007, o total da soma de recursos extraordinários e agravos de instrumento distribuídos anualmente na Suprema Corte sempre superou 90% do total de processos distribuídos.

    Os dados também demonstram que o volume de processos total distribuídos aumentou de 16.226, no ano de 1990, para 90.839, no ano de 2000, atingindo o patamar de 116.216 processos distribuídos no ano de 2006.

    Registre-se que o acúmulo de processos na Corte Suprema a obrigou a adotar uma série de posicionamentos formalistas, definidos como jurisprudência defensiva, com o intuito de barrar o processamento dos recursos extraordinários e agravos de instrumento. Nesse sentido, podem-se citar as Súmulas 280, 281, 282, 283, 284, 288, 291 e 400, entre outras.

    Um exemplo dessa prática é o indeferimento liminar de agravos de instrumento, cuja cópia da petição de interposição do recurso extraordinário tenha protocolo ilegível, aplicando-se interpretação extensiva à sua Súmula 288.

    Os números revelam a crise numérica que o Supremo Tribunal Federal enfrentou e a necessidade de racionalização do modo de prestação jurisdicional da Corte. [4]

    Essa narrativa é típica dos estudos que tratam do tema. [5] Se de início o Supremo Tribunal Federal começou a responder à crise numérica criando uma jurisprudência defensiva, que fundamenta a denegação dos recursos distribuídos com base em formalismos, a Emenda Constitucional455 criou dois mecanismos institucionais para obstaculizar o acesso à jurisdição perante a Suprema Corte e tentar conferir maior eficácia a suas decisões, a súmula vinculante e a repercussão geral. [6]

    A repercussão geral, objeto de exame no presente estudo, foi criada como um filtro institucional capaz de assegurar que o Supremo Tribunal Federal apenas examinasse questões constitucionais relevantes, próprias de um guardião da Constituição. Como afirma Osmar Mendes Paixão Côrtes, ao examinar as semelhanças e diferenças dos institutos da arguição de relevância no horizonte constitucional anterior e da repercussão geral:

    Fica claro que o legislador constituinte da época [1969], como o atual, que elaborou e aprovou a Emenda Constitucional nº 45, preocupou-se com o grande número de processos que chegava (e chega) ao Supremo Tribunal Federal, que pode inviabilizar o seu papel de guardião da Constituição Federal e de dar unidade à Federação, na medida em que é impossível que a Corte Suprema fique à disposição para examinar todas as questões jurídicas do país.

    É, portanto, a possibilidade de filtragem de processos sem maior relevância, que não põem em xeque o princípio federativo e a guarda da Constituição, a força motora que levou à criação dos dois instrumentos a antiga arguição de relevância e a atual repercussão geral. [7]

    Como visto, a proposta original da Emenda Constitucional 45 era diminuir a morosidade e aumentar a eficácia das decisões do Poder Judiciário como um todo, e não apenas de uma única instituição. Ao criar apenas instrumentos dedicados à melhoria da eficiência do Supremo Tribunal Federal, a chamada reforma do Judiciário induziu uma cisão metodológica entre a Suprema Corte e as demais instituições judicantes.

    Como se verá nas seções seguintes, os efeitos desta cisão são bastante graves e levaram a uma cegueira coletiva entre os doutrinadores pátrios, que examinam os efeitos da repercussão geral apenas no interior do sistema do Supremo Tribunal Federal, deixando de lado o impacto danoso que o sistema tem causado a todo o restante do sistema judiciário.

    Na próxima seção, ficará claro que, ao contrário do que noticiou recentemente o estudo O Supremo em Números, da Fundação Getúlio Vargas, a sistemática da repercussão geral não tem levado a Suprema Corte a julgar, no sistema difuso de controle de constitucionalidade, mais questões relevantes do ponto de vista constitucional. Além disso, serão apresentados dados concretos, extraídos dos números divulgados pelo próprio Supremo Tribunal Federal em seu sítio eletrônico, que ilustram um aumento da morosidade do Poder Judiciário em decorrência da repercussão geral.

    O que dizem os números da repercussão geral?

    A presente seção tem por objetivo avaliar a eficiência da sistemática da repercussão geral a partir de dados estatísticos divulgados pelo sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal [8] que foram utilizados para justificar a própria existência do sistema da repercussão geral e continuam a ser utilizados a fim de legitimá-lo, como ilustra estudo publicado I Relatório Supremo em Números. [9]

    Como discutido, são basicamente três as finalidades da repercussão geral: (i) instituir um filtro constitucional para que o Supremo Tribunal Federal concentre suas atividades no julgamento estrito de questões relevantes a partir de uma perspectiva constitucional; (ii) aumentar a celeridade da prestação jurisdicional; e (iii) diminuir a sobrecarga da Suprema Corte no exame de Recursos Extraordinários. Os números do sistema já permitem aferir se essas finalidades têm sido alcançadas.

    Esta seção será dividida em duas partes. Na primeira, serão examinadas as consequências do sistema no âmbito do Supremo Tribunal Federal e, na segunda, o impacto para o restante do sistema judiciário, de forma a evidenciar os problemas da cisão metodológica que opõe a Suprema Corte aos demais Tribunais.

    O impacto da repercussão geral no STF

    Os primeiros dados estatísticos revelam a proporção entre os temas com repercussão geral reconhecida e o quantitativo total de temas que chegaram à Corte Constitucional.

    Como reconheceu o próprio ministro Gilmar Ferreira Mendes no trecho supracitado, a crise numérica enfrentada levou a Corte a adotar uma jurisprudência defensiva, que serviria de filtro processual para diminuir a quantidade de recursos examinados no mérito. A ideia de filtro, portanto, deveria cumprir função semelhante, e só teria sentido caso fosse permeável apenas a matérias relevantes de um ponto de vista constitucional o que se imagina um número relativamente pequeno de matérias em relação ao total de questões submetidas ao exame do Supremo Tribunal Federal diariamente.

    Assim, o número total de temas com repercussão geral reconhecida deveria ser muito inferior ao número de questões com negativa de reconhecimento de repercussão geral. Mas os números revelam a seguinte realidade:

    Como é possível observar, um primeiro exame quantitativo já causa estranheza quanto à eficiência da repercussão geral como filtro de seleção de temáticas com relevância constitucional. De todos os temas submetidos ao filtro constitucional, o Supremo Tribunal Federal entendeu que 70,40% (440 temas) têm repercussão geral, e que apenas 28% (175) não têm relevância do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa (art. 543-A, § 1º, do Código de Processo Civil, acrescentado pela Lei 11.418, de 2006).

    Essa impressão é reforçada com um exame qualitativo dos temas que mais têm induzido o sobrestamento dos recursos que os versam (art. 543-B, § 3º, do Código de Processo Civil, acrescentado pela Lei nº 11.418, de 2006):

    Como é possível observar, boa parte dos temas que têm tido sua repercussão geral reconhecida e que têm induzido o maior número de sobrestamentos de recursos nos tribunais de origem não se relaciona à violação direta de dispositivos constitucionais relacionados ao núcleo do conceito material de Constituição na dicção de Paulo Bonavides, o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à distribuição de competência, ao exercício de autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais. [10] Entre os temas destacados, nota-se a predominância de temas com viés financeiro (temas 264 e 285), relacionados a direitos funcionais de determinadas categorias (24, 347 e 351) previdenciário (88, 313), processual (190, 350), tributário (4), precatório (96) e responsabilidade do Estado (246).

    Conquanto seja subjetiva ...

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