Redução da maioridade penal: é realmente possível?
Atualmente, para fins de imputabilidade penal, o Brasil adota o sistema biológico, havendo nesse caso uma presunção absoluta de que os menores de 18 anos não reúnem a capacidade de autodeterminação e, portanto, não podem ser penalmente responsabilizados, ainda que civilmente capazes, como no caso dos emancipados. Os adolescentes, assim compreendidas as pessoas entre doze anos completos e dezoito anos incompletos, responderão por seus atos em conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Entretanto, há pouco mais de um mês o Senado divulgou o resultado de uma pesquisa¹ realizada por sua Secretaria de Opinião Pública que indicou que 89% dos entrevistados são a favor da redução da maioridade penal. A pesquisa foi realizada por telefone com 1.232 pessoas de 119 municípios brasileiros, dentre eles todas as capitais. A margem de erro da pesquisa é de 3 pontos percentuais, o que ainda assim demonstra um elevado índice da população a favor da redução.
Ocorre que, apesar de toda a especulação que sempre envolveu a questão da redução da maioridade penal, é necessário tecer algumas considerações acerca de sua viabilidade e constitucionalidade, haja vista que a Constituição Federal dispõe expressamente em seu artigo 228 que “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.”
Nessa seara, embora a inimputabilidade penal dos menores de dezoito anos não esteja descrita no rol de direitos e garantias do artigo 5º da Constituição Federal, há de se considerar que os referidos direitos e garantias não se esgotam no rol do mencionado artigo, ao invés disso, são meramente exemplificativos.
Dessa forma, o referido artigo 228, ao fixar a idade de início da responsabilidade penal aos dezoito anos, certamente consubstancia um direito fundamental do adolescente de não submeter-se ao Direito Penal.
Considerando o artigo mencionado como um direito fundamental do adolescente e observando que o artigo 60, § 4º, IV da Constituição nos traz, através das chamadas “cláusulas pétreas”, a proibição da elaboração de proposta de emenda constitucional tendente a abolir direitos ou garantias fundamentais, a redução da maioridade penal não parece ser a medida mais acertada.
Há de considerar ainda nessa discussão o princípio da vedação do retrocesso, que consagra que na caminhada histórica e evolutiva dos Direitos Humanos, não pode haver retrocesso em sua proteção. É possível apenas ampliar o leque de direitos protegidos, mas não reduzi-lo.
Não bastasse, imprescindível mencionar que ainda que nosso ordenamento permitisse e fosse aprovada uma emenda à Constituição Federal reduzindo a maioridade penal, no caso concreto haveria de ser levado em consideração que o princípio pro homine, tendo em vista que a Convenção sobre os Direitos da Criança define como criança, abrangendo também os adolescentes, “todo ser humano com menos de dezoito anos de idade”.
Quanto ao princípio mencionado, explica o professor Luiz Flávio Gomes²:
“Quando se trata de normas que asseguram um direito, vale a que mais amplia esse direito; quando, ao contrário, estamos diante de restrições ao gozo de um direito, vale a norma que faz menos restrições (em outras palavras: a que assegura de maneira mais eficaz e mais ampla o exercício de um direito).“
A mídia certamente é uma das maiores responsáveis por toda a polêmica acerca da redução da maioridade penal, entretanto é necessário ir além das informações que nos são veiculadas e considerar que antes de qualquer sensacionalismo midiático devem ser observados os direitos e garantias fundamentais arduamente conquistados ao longo da história, dentre eles o direito dos menores de dezoito anos de não serem, no Brasil, responsabilizados penalmente.
Reduzir a maioridade penal seria mascarar o problema de um país que não dá educação, lazer e cultura adequados aos seus jovens, violando seus direitos garantidos tanto constitucionalmente quanto na ordem internacional.
Referências
¹ In:
http://www.senado.gov.br/noticias/agencia/pdfs/Reforma_do_C%C3%B3digo_Penal1.pdf
² GOMES, Luiz Flávio. Estado constitucional de direito e nova pirâmide jurídica, São Paulo: Premier, 2008.
***Artigo escrito pela advogada do escritório Fernando Quércia Advogados Associados, Roberta Raphaelli Pioli.
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