STF reconhece direito de casal gay adotar sem restrições de idade e sexo
Decisão da ministra Cármen Lúcia acaba com a luta de 10 anos de casal na Justiça
Nesta quinta-feira, dia 17, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve decisão de acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que autorizou a adoção conjunta para um casal gay, em julgamento de recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR).
O casal Toni Reis e David Harrad, fundadores do Grupo Dignidade, entrou em 2005 com pedido de habilitação para adoção junto à Vara da Infância e Juventude de Curitiba. O juiz foi favorável à adoção conjunta, mas colocou duas restrições: as crianças a serem adotadas tinham que ser meninas e ter mais de 10 anos de idade. Eles recorreram ao TJPR, que entendeu estarem habilitados para a adoção e que não havia limitação quanto ao sexo e à idade dos adotandos em razão da orientação sexual dos adotantes.
O MP-PR recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a decisão do TJPR, alegando que o casal não formava uma entidade familiar e, portanto, não estaria apto a adotar filhos em conjunto. O MP argumentou que a Constituição da República não prevê expressamente outras configurações familiares, exceto a formada por homem e mulher, de forma intencional para “não eleger (o que perdura até a atualidade) a união de pessoas do mesmo sexo como caracterizadores de entidade familiar”.
No STJ, o recurso foi indeferido. Em 2010, no STF, o ministro Marco Aurélio Mello rejeitou o recurso porque a matéria em discussão era a restrição quanto à idade e ao sexo das crianças, e não o conceito de entidade familiar. Depois, o MP interpôs o recurso extraordinário ao STF. Enquanto o processo não voltava do STJ/STF, o casal Toni e David não podia adotar em Curitiba. No entanto, a decisão do TJPR permanecia valendo porque o recurso do MP não tinha efeitos suspensivos e Toni e David puderam adotar seu primeiro filho em 2012, em outro estado, e em 2014 obtiveram a guarda de mais um menino e uma menina.
Decisão final - A ministra Cármen Lúcia, relatora do caso, ressaltou que as uniões homoafetivas já são reconhecidas como entidade familiar, com origem em um vínculo afetivo, e merecem tutela legal. Segundo ela, não há razão para limitar a adoção, criando obstáculos onde a lei não prevê. “Delimitar o sexo e a idade da criança a ser adotada por casal homoafetivo é transformar a sublime relação de filiação, sem vínculos biológicos, em ato de caridade provido de obrigações sociais e totalmente desprovido de amor e comprometimento", disse. A ministra incluiu em seu voto a interpretação da Corte no julgamento da ADI 4277/ADPF 132 (2011), de relatoria do então ministro Carlos Ayres Britto, que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar.
No julgamento histórico, em 2011, Ayres Britto ressaltou que a Constituição Federal não distingue a família heteroafetiva da família homoafetiva. “Por isso que, sem nenhuma ginástica mental ou alquimia interpretativa, dá para compreender que a nossa Magna Carta não emprestou ao substantivo ‘família’ nenhum significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica. Recolheu-o com o sentido coloquial praticamente aberto que sempre portou como realidade do mundo do ser.” O ministro foi seguido à unanimidade pelos demais, e na ocasião ele disse que não devem existir interpretações preconceituosas e homofóbicas da Constituição e que a isonomia entre casais heteroafetivos e homoafetivos somente será plena se tiverem os mesmo direitos à formação da família.
“Assim interpretando por forma não-reducionista o conceito de família, penso que este STF fará o que lhe compete: manter a Constituição na posse do seu fundamental atributo da coerência, pois o conceito contrário implicaria forçar o nosso Magno Texto a incorrer, ele mesmo, em discurso indisfarçavelmente preconceituoso ou homofóbico. Quando o certo - data vênia de opinião divergente - é extrair do sistema de comandos da Constituição os encadeados juízos que precedentemente verbalizamos, agora arrematados com a proposição de que a isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Entendida esta, no âmbito das duas tipologias de sujeitos jurídicos, como um núcleo doméstico independente de qualquer outro e constituído, em regra, com as mesmas notas factuais da visibilidade, continuidade e durabilidade”.
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"A ministra Cármen Lúcia, relatora do caso, ressaltou que as uniões homoafetivas já são reconhecidas como entidade familiar, com origem em um vínculo afetivo, e merecem tutela legal. Segundo ela, não há razão para limitar a adoção, criando obstáculos onde a lei não prevê."
Ou seja, para a Ministra Cármen Lúcia a Constituição Federal não basta. Algo bastante comum, vermos nossos próprios magistrados rasgarem o texto constitucional.
O que fazer se nem o processo de emenda constitucional é obedecido nesse país?
Ademais, ótimo trabalho do Ministério Público, bem mais sóbrio e interpretando de forma correta a Constituição Federal. Se a E. Ministra Cármen Lúcia deseja tanto a prerrogativa legislativa, talvez seja a hora de deixar de lado a magistratura. continuar lendo
Desculpe a ignorância Sergio Ricardo, mas me explique em que parte da decisão a constituição foi rasgada.
Se não estou tão esquecido, existe uma coisa chamada interpretação, que pode ser utilizada também em relação a constituição, mas estou fora da facul faz um tempo, então clareie minha memória por favor, há, sem citar bíblia ou moral ou algo assim, já que você levantou a questão do processo constitucional. continuar lendo
"mas me explique em que parte da decisão a constituição foi rasgada."
"Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes."
Ademais, o propósito do que se diz na Constituição Federal é mais explicitado ainda quando lemos o que diz o Código Civil Brasileiro. Vejamos:
"Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados."
Se estivermos disposto a ter um Supremo Tribunal Federal que desobedeça os próprios remédios constitucionais, então estamos dispostos a qualquer manobra ilegítima, acarretando numa insegurança jurídica tremenda!
Se os magistrados intentam tal, desistam da magistratura e ingressem no poder legislador de uma vez!
Ao revés da união estável para homossexuais, gosto de deixar bem claro que a Carta Magna prevê a liberdade de expressão e religião, bem como a estrutura do Estado de Direito democrático brasileiro prevê a expressão religiosa de cada cidadão como eleitor.
"sem citar bíblia ou moral ou algo assim, já que você levantou a questão do processo constitucional."
A questão é, posso falar também que ninguém deva falar sobre o processo constitucional partindo da premissa de que Deus não exista ou que seja indiferente a existência ou não de um Ser Supremo. O Brasil, com seus altos e baixos, pode ser um país laico, mas não é anti-religioso. continuar lendo
Brilhante a decisão da ministra Cármen Lúcia!! Se todos somos iguais perante a Constituição Federal, porque então não reconhecer a adoção por casais homoafetivos? Meu trabalho de monografia, teve como tema: A família eudemonista e a adoção por casal homoafetivo, fundamentei nos princípios da dignidade da pessoa humana e no da igualdade. E tive base doutrinária da maravilhosa Maria Berenice Dias!!! Meus votos de felicidade à família de Toni, Davi e as crianças!!! continuar lendo
Essa decisão foi perfeita! Já era hora de o Brasil começar a avançar! Criança precisa é de amor! De pessoas dispostas a dar a ela educação, carinho, atenção, felicidade e melhores condições de vida.
Seu preconceito destrói a vida de muitas pessoas todos os dias. Te impede de conhecer pessoas maravilhosas e de ver alguém sendo feliz ao lado de quem ela ama.
Sou a favor do casamento e da adoção por casais homossexuais, porque eu acredito que todo mundo merece ser feliz, mesmo elas sendo diferentes de mim. continuar lendo
Quem é contra provavelmente nunca esteve na fila de adoção e também não sabe o que é ficar em um orfanato sugiro a essas pessoas irem um orfanato para ver como que é a situação das crianças. Vão entender a importância dessa decisão. continuar lendo