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5 de Maio de 2024

STJ 2023 - Tráfico de Influência - Trancamento de Ação Penal - Inépcia por falta de descrição fática

há 3 meses

HABEAS CORPUS Nº 846637 - RJ (2023/0289197-5) RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS

DECISÃO Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de FLAVIA XXXXXXXXXXX contra acórdão da 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no HC n. 0040244-63.2023.8.19.0000, assim ementado:

HABEAS CORPUS. IMPUTAÇÃO DE PRÁTICA DO CRIME DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA, PREVISTO NO ARTIGO 332 DO CÓDIGO PENAL. ALEGAÇÃO DE QUE A PACIENTE ESTARIA SUBMETIDA A CONSTRANGIMENTO ILEGAL, ARGUMENTANDO-SE A AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL, EM RAZÃO DE ALEGADA INÉPCIA DA DENÚNCIA, A QUAL NÃO DESCREVERIA, DE FORMA CLARA E PRECISA, A CONDUTA SUPOSTAMENTE PRATICADA PELA ACUSADA, EM VIOLAÇÃO AO QUE DISPÕE O ARTIGO 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. WRIT CONHECIDO, COM DENEGAÇÃO DA ORDEM. Paciente denunciada pela prática, em tese, do crime capitulado no artigo 332 do Código Penal. Inicialmente, apresenta-se oportuno contextualizar que, a decisão, proferida em 16 de abril de 2008, pela extinta Seção Criminal deste Tribunal de Justiça, a qual anulou a primeira exordial acusatória, tratou de hipótese processual complexa e diversa, na qual foram reunidas cinco ações penais, sendo observada a então incompetência dos juizes de primeira instância, os quais teriam recebido as denúncias, havendo apenas sido citado no decisum, que, naquele contexto fracionário, as iniciais não teriam descrito as imputações delitivas a contento, razão pela qual, ante a reunião dos processos, foi então determinado, o encaminhamento de todos os autos ao Procurador Geral de Justiça, órgão do Ministério Público, competente, à época, para o oferecimento de denúncia única. Assim, houve a determinação na parte dispositiva do entre outras medidas, de anulação da exordial ofertada no ano de 2007, em razão do entendimento jurisprudencial - já superado - no sentido de "não atribuição a membro do Ministério Público de primeiro grau em ação penal contra vereador", função que ocupava um dos denunciados, naquele período. Dito isto, tem-se que, o presente pleito de trancamento da ação penal, sob a alegação de inépcia da denúncia formulada pelo órgão ministerial, o qual não descreveria, de forma clara e precisa, a conduta supostamente praticada pela acusada, ora paciente, em suposta violação ao que dispõe o artigo 41 do Código de Processo Penal, não merece prosperar. Não custa realçar, de proêmio, ser imperioso que toda pessoa acusada de prática de crime possui o direito inalienável de ser informado, antecipadamente e de forma detalhada da acusação que pesa contra si. Contudo, a jurisprudência é assente no sentido de que, o trancamento de uma ação pena somente é admitido em casos de extrema excepcionalidade, nos quais é evidente a atipicidade do fato, a ausência de indícios de autoria e/ou materialidade ou, ainda, a extinção da punibilidade. Nenhuma dessas hipóteses, no entanto, se observa do caso vertente, eis que, no que tange à alegação de inépcia da denúncia, pode-se constar da leitura da inicial proposta, que a mesma é clara e determinada na exposição das condutas atribuídas a ora paciente, respeitados os requisitos previstos no artigo 41 do C.P.P., uma vez relatar, em consonância com o momento embrionário em que foi formulada, bem como a multiplicidade de agentes envolvidos, os fatos e as circunstâncias do crime em tela, havendo, ademais, a suficiente especificação de local, tempo, objeto delituoso e singular modas operandi, bem como a descrição satisfatória da conduta imputada à denunciada/paciente, referente ao crime de tráfico de influência, tudo a proporcionar-lhe a plena defesa assegurada pela Constituição da Republica. Precedentes jurisprudenciais. Veja-se que, da análise perfunctória dos elementos constantes destes autos (única cabível pela presente via), a exordial acusatória, a qual deu ensejo à ação penal originária, tem como origem uma notitia criminis realizada pelo então presidente da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente - FEEMA, XXXXXXX (atual Prefeito do Município de Niterói), na qual se comunicava a suposta ocorrência de crimes de corrupção e de licenciamento ambiental fraudulento. Deste ponto, iniciou-se extensa investigação realizada pela Polícia Civil deste Estado (que contou, inclusive, com o deferimento judicial de interceptação telefônica) a qual levou - por meio do encontro fortuito de provas (princípio da serendipidade), entre outras situações — à "Operação Cartas Marcadas", na qual a paciente e mais outros 06 acusados, são apontados como integrantes de um grupo criminoso, formado por funcionários públicos, agentes políticos e empresários do município de Angra dos Reis, que, de forma estável durante o ano de 2007, e em divisão de tarefas entre seus participantes, visariam o objetivo comum, consistente na prática de diversos crimes que atingiriam a Administração Pública, visando beneficiar a sociedade empresarial TELMAX XXXXXXXXXX. É neste contexto perfectibilizado nos autos, portanto, que deve ser analisada a conduta criminosa individualmente imputada à paciente, e não somente fazendo-se um recorte dentro das seis páginas de exordial acusatória formulada pelo órgão ministerial, conforme tenta sugerir sua Defesa. Por certo, observa-se da peça acusatória a clara referência a um esquema de recebimento de propina que seria feito pela empresa alhures indicada, sob a rubrica de consultoria ambiental, a qual, em tese, foi beneficiada em licitações públicas e, ainda, privilegiada na ordem dos pagamentos realizados pelo Secretário Municipal de Fazenda do Município de Angra dos Reis — também denunciado — recebendo valores por supostos serviços realizados antes de outras empresas, literalmente "furando a fila" de credores da Prefeitura. Neste complexo cenário criminoso, encontra-se inserida, segundo a denúncia, a conduta imputada a ora paciente, a qual teria se aproveitado de sua condição de funcionária pública, para interceder junto ao Secretário de Fazenda nas referidas operações escusas, quanto à vantagem na sequência dos pagamentos, tudo conforme os indícios colhidos durante a investigação policial. Observa-se, assim, a existência de elementos indiciários mínimos, que indicam a conduta delitiva imputada à paciente, bem como sua finalidade espúria, em receber vantagem ilícita, dentro do arcabouço de atividades criminosas que seriam praticadas por cada denunciado contra a Administração Pública. Com efeito, tem-se que, a imputação do conjunto de tais práticas, em tese, delitivas, descritas na exordial acusatória, merece ser objeto de apuração por meio da instrução criminal, sendo tal momento processual o único propício, para a análise sobre do detalhamento do suposto modus operandi do grupo criminoso, tudo sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Desta forma, em análise a todos os elementos dos presentes autos, não há se falar, neste momento, em evidente ausência de justa causa para a persecução penal, por inépcia da denúncia, a ensejar o pleiteado trancamento da ação penal, repisando-se que, tal procedimento só é admitido em casos excepcionais, o que não se apresenta na hipótese vertente, eis tampouco se cogitar em ausência de indícios mínimos de autoria; eis observados os termos da legislação vigente, a proporcionar à paciente, portanto, o exercício da plena defesa, conforme assegura a Constituição da Republica. Ante todo o exposto, não se constata o alegado constrangimento ilegal ao qual estaria submetida a paciente, por quaisquer dos motivos aventados, devendo ser mantida, integralmente, a decisão que ratificou o recebimento da exordial acusatória, formulada pelo órgão ministerial. WRIT CONHECIDO, COM DENEGAÇÃO DA ORDEM. (e-STJ, fls. 58-61)

Em razões, a impetrante aponta inépcia da denúncia que não descreve a vantagem obtida pela paciente a pretexto de supostamente influir em ato praticado por funcionário público no exercício de sua função. Pugna, in limine, pelo sobrestamento da Ação Penal n. 0020300-28.2007.8.19.0003 e, no mérito, pelo seu trancamento.

Pugna pelo direito de realizar sustentação oral. O pedido liminar foi indeferido (e-STJ, fl. 184). Sem informações. O Ministério Público opinou pelo não conhecimento do habeas corpus ou pela denegação da ordem (e-STJ, fls. 189-191). É o relatório. Decido.

Esta Corte - HC 535.063, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgRg no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. Passo à análise das razões da impetração, de forma a verificar a ocorrência de flagrante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus, de ofício.

Inicialmente, cumpre ressaltar que "[a] decisão monocrática proferida por Relator não afronta o princípio da colegialidade e tampouco configura cerceamento de defesa, ainda que não viabilizada a sustentação oral das teses apresentadas, sendo certo que a possibilidade de interposição de agravo regimental contra a respectiva decisão [...] permite que a matéria seja apreciada pela Turma, o que afasta absolutamente o vício suscitado pelo agravante" ( AgRg no HC 485.393/SC, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 28/3/2019).

É "plenamente possível, desta forma, que seja proferida decisão monocrática por Relator, sem qualquer afronta ao princípio da colegialidade ou cerceamento de defesa, quando todas as questões são amplamente debatidas, havendo jurisprudência dominante sobre o tema, ainda que haja pedido de sustentação oral" ( AgRg no HC 607.055/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 09/12/2020, DJe 16/12/2020).

O entendimento desta Corte é no sentido de que o trancamento de ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional. Por isso, será cabível somente quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito.

In casu, a denúncia imputa à paciente a prática do crime de tráfico de influência, previsto no art. 332 do Código Penal. A Corte a quo entendeu que a peça acusatória traz clara referência a um esquema de recebimento de propina que seria feito pela empresa alhures indicada, sob a rubrica de consultoria ambiental, a qual, em tese, foi beneficiada em licitações públicas e, ainda, privilegiada na ordem dos pagamentos realizados pelo Secretário Municipal de Fazenda do Município de Angra dos Reis - também denunciado - recebendo valores por supostos serviços realizados antes de outras empresas, literalmente "furando a fila" de credores da Prefeitura. E ao se reportar à ora paciente registrou que:

Neste complexo cenário criminoso, encontra-se inserida, segundo a denúncia, a conduta imputada a ora paciente, a qual teria se aproveitado de sua condição de funcionária pública, para interceder junto ao Secretário de Fazenda nas referidas operações escusas, quanto à vantagem na sequência dos pagamentos, tudo conforme os indícios colhidos durante a investigação policial. (e-STJ, fls. 72-73)

Em que pese a conclusão da Corte estadual no sentido da aptidão da denúncia, analisando detidamente o inteiro teor da peça acusatória, não verifico a existência de descrição da suposta vantagem indevida obtida pela paciente. O objeto das ações contidas no tipo penal é a vantagem com relação a ato praticado por funcionário público.

O agente, portanto, deve solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício de sua função, o que não foi descrito na hipótese.

O Ministério Público cinge-se a narrar que a acusada teria obtido vantagem para si a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício de sua função, na medida em que intercedeu junto ao sétimo denunciado, José XXXXXXXXXX, o qual era Secretário Municipal da Fazenda de Angra dos Reis, a fim de que este privilegiasse a XXXXXXXXX Ambiental na ordem de pagamentos da Prefeitura. Entendo, assim, que a exordial, de fato, não atendeu ao disposto no art. 41 do Código de Processo Penal relativamente à ora paciente.

O Ministério Público do Rio de Janeiro também compreendeu nesse sentido, salientando que "a denúncia ofertada em face da paciente não contém a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, uma vez que não foi pormenorizada a natureza da vantagem que teria sido recebida pela acusada, nem como tal vantagem teria sido obtida ou quem a teria fornecido" (e-STJ, fls. 109-110).

Diante do exposto, não conheço do habeas corpus. Contudo, concedo a ordem, de ofício, para determinar o trancamento da Ação Penal n. 0020300-28.2007.8.19.0003 relativamente à paciente, sem prejuízo do oferecimento de nova denúncia, desde que o Ministério Público individualize, de maneira adequada, a conduta da denunciada, explicitando todas as circunstâncias do delito a ela imputado. Publique-se. Intime-se Brasília, 08 de setembro de 2023.

Ministro Ribeiro Dantas Relator

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 846637 - RJ (2023/0289197-5) RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS, 5ª Turma, Dje: 12/09/2023)

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