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3 de Maio de 2024

STJ Out22 - Violação de Sigilo Profissional - Trancamento da Ação Penal Por Inépcia - Conceito de Acesso Restrito

há 2 anos

Inteiro Teor

EDcl no RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 108084 - RS (2019/0037305-1)

EMENTA

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EM HABEAS CORPUS. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL NA MODALIDADE ABUSO DE ACESSO RESTRITO. ALEGADA INÉPCIA DA DENÚNCIA. CONCEITO DE ACESSO RESTRITO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS PARA RECONSIDERAR A DECISÃO E DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

1. Constatada a premissa equivocada, é o caso de reconsiderar a decisão ora impugnada.

2. O trancamento do processo no âmbito de habeas corpus é medida excepcionalíssima, admissível somente quando emerge dos autos, de plano e sem necessidade de apreciação probatória, a falta de justa causa, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a inépcia formal da denúncia.

3. Tendo em vista que a denúncia é uma peça processual por meio da qual o órgão acusador submete ao Poder Judiciário o exercício do jus puniendi, o legislador estabeleceu alguns requisitos essenciais para a formalização da acusação, a fim de que seja assegurado ao réu o escorreito exercício do contraditório e da ampla defesa. Segundo o disposto no art. 41 do Código de Processo Penal, "a denúncia ou queixa

conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas".

4. A denúncia deve ser recebida desde que, atendido seu aspecto formal (art. 41, c/c o art. 395, I, do CPP) e identificada a presença tanto dos pressupostos de existência e validade da relação processual quanto das condições para o exercício da ação penal (art. 395, inciso II, do CPP), a peça venha acompanhada de lastro probatório mínimo a amparar a acusação (art. 395, III, do CPP). Assim, é ilegítima a persecução criminal quando o fato narrado na denúncia não configura crime, exatamente como o caso dos autos.

5. Esta Corte Superior já decidiu, no REsp n. 1.675.663, que a palavra indevidamente, no inciso II do § 1º do art. 325 do Código Penal, é elemento normativo do tipo, de modo que, só há subsunção nessa figura equiparada, quando há invasão pelo funcionário público de sistema de informação ou de banco de dados vedado com o intuito de promover finalidade não permitida em lei. Doutrina.

6. A Suprema Corte norte-americana, no caso Van Buren v. United States (2021), deparou-se com a questão "se uma pessoa autorizada a acessar um sistema de informática viola a lei de regência por acessar essas informações para fins estranho ao seu ofício", ocasião em que entendeu, por maioria, que há de se distinguir a hipótese de uma pessoa autorizada acessar um computador a fim de "obter informações localizadas em áreas específicas do computador que estão fora dos seus limites" da situação em que "simplesmente obtém informações disponíveis, apesar dos motivos impróprios", concluindo que a segunda hipótese não configura crime. A Corte endossou a ideia de que considerar crime o simples acesso ao sistema informático para fins impróprios "implicaria penalidades criminais a uma quantidade impressionante de atividades comuns no âmbito da informática" e "traria arbitrariedade na avaliação da responsabilidade criminal".

7. Na espécie, a exordial acusatória cingiu-se a narrar que o recorrente "utilizou, indevidamente, de acesso restrito ao Sistema de Consultas integradas, da SSP/RS", para, "utilizando seu login e senha, efetu[ar] consulta desvinculada de suas atribuições funcionais, sem autorização de sua chefia, e horário de trabalho, ao referido sistema consultando os módulos". Portanto, forçoso concluir que a denúncia ora impugnada não descreveu todos os elementos necessários à defesa para o cumprimento do seu mister, evidenciando-se, assim, afronta ao art. 41 do CPP.

8. A denúncia não descreve em que consistiria o "acesso restrito", que, como visto, "não se confunde com o fato de o recorrente conseguir 'acessar os referidos dados com muito mais facilidade', se comparado a um cidadão comum que as pretendesse obter".

9. Embargos de declaração acolhidos para reconsiderar a decisão impugnada e dar provimento ao recurso, a fim de declarar a inépcia denúncia e anular, ab initio , o Processo n. 0001445-06.2017.8.21.0161, da Vara Judicial da Comarca da Salto do Jacuí-RS, sem prejuízo de que seja oferecida nova denúncia em desfavor da paciente, com estrita observância dos ditames previstos no art. 41 do CPP.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EM HABEAS CORPUS. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL NA MODALIDADE ABUSO DE ACESSO RESTRITO. ALEGADA INÉPCIA DA DENÚNCIA. CONCEITO DE ACESSO RESTRITO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS PARA RECONSIDERAR A DECISÃO E DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

1. Constatada a premissa equivocada, é o caso de reconsiderar a decisão ora impugnada.

2. O trancamento do processo no âmbito de habeas corpus é medida excepcionalíssima, admissível somente quando emerge dos autos, de plano e sem necessidade de apreciação probatória, a falta de justa causa, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a inépcia formal da denúncia.

3. Tendo em vista que a denúncia é uma peça processual por meio da qual o órgão acusador submete ao Poder Judiciário o exercício do jus puniendi, o legislador estabeleceu alguns requisitos essenciais para a formalização da acusação, a fim de que seja assegurado ao réu o escorreito exercício do contraditório e da ampla defesa. Segundo o disposto no art. 41 do Código de Processo Penal, "a denúncia ou queixa

conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas".

4. A denúncia deve ser recebida desde que, atendido seu aspecto formal (art. 41, c/c o art. 395, I, do CPP) e identificada a presença tanto dos pressupostos de existência e validade da relação processual quanto das condições para o exercício da ação penal (art. 395, inciso II, do CPP), a peça venha acompanhada de lastro probatório mínimo a amparar a acusação (art. 395, III, do CPP). Assim, é ilegítima a persecução criminal quando o fato narrado na denúncia não configura crime, exatamente como o caso dos autos.

5. Esta Corte Superior já decidiu, no REsp n. 1.675.663, que a palavra indevidamente, no inciso II do § 1º do art. 325 do Código Penal, é elemento normativo do tipo, de modo que, só há subsunção nessa figura equiparada, quando há invasão pelo funcionário público de sistema de informação ou de banco de dados vedado com o intuito de promover finalidade não permitida em lei. Doutrina.

6. A Suprema Corte norte-americana, no caso Van Buren v. United States (2021), deparou-se com a questão "se uma pessoa autorizada a acessar um sistema de informática viola a lei de regência por acessar essas informações para fins estranho ao seu ofício", ocasião em que entendeu, por maioria, que há de se distinguir a hipótese de uma pessoa autorizada acessar um computador a fim de "obter informações localizadas em áreas específicas do computador que estão fora dos seus limites" da situação em que "simplesmente obtém informações disponíveis, apesar dos motivos impróprios", concluindo que a segunda hipótese não configura crime. A Corte endossou a ideia de que considerar crime o simples acesso ao sistema informático para fins impróprios "implicaria penalidades criminais a uma quantidade impressionante de atividades comuns no âmbito da informática" e "traria arbitrariedade na avaliação da responsabilidade criminal".

7. Na espécie, a exordial acusatória cingiu-se a narrar que o recorrente "utilizou, indevidamente, de acesso restrito ao Sistema de Consultas integradas, da SSP/RS", para, "utilizando seu login e senha, efetu[ar] consulta desvinculada de suas atribuições funcionais, sem autorização de sua chefia, e horário de trabalho, ao referido sistema consultando os módulos". Portanto, forçoso concluir que a denúncia ora impugnada não descreveu todos os elementos necessários à defesa para o cumprimento do seu mister, evidenciando-se, assim, afronta ao art. 41 do CPP.

8. A denúncia não descreve em que consistiria o "acesso restrito", que, como visto, "não se confunde com o fato de o recorrente conseguir 'acessar os referidos dados com muito mais facilidade', se comparado a um cidadão comum que as pretendesse obter".

9. Embargos de declaração acolhidos para reconsiderar a decisão impugnada e dar provimento ao recurso, a fim de declarar a inépcia denúncia e anular, ab initio , o Processo n. 0001445-06.2017.8.21.0161, da Vara Judicial da Comarca da Salto do Jacuí-RS, sem prejuízo de que seja oferecida nova denúncia em desfavor da paciente, com estrita observância dos ditames previstos no art. 41 do CPP.

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(STJ - EDcl no RHC: 108084 RS 2019/0037305-1, Data de Julgamento: 27/09/2022, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/10/2022)

RELATÓRIO

E. DE C. K. opõe embargos de declaração contra a decisão de fl., que julgou prejudicado o recurso.

Constatada a premissa equivocada, é o caso de reconsiderar a decisão ora impugnada. Passo à análise do mérito.

Informa os autos que o recorrente foi denunciado pela prática do delito previsto no artigo 325, § 1º, inciso II, na forma do artigo 69 do Código Penal, por fatos ocorridos entre os dias 13.01.15 e 25.09.15, em Salto do Jacuí/RS. Segundo as informações de fls. 123-124, "a defesa manifestou aceitação à proposta de

Suspensão Condicional do Processo, informando o endereço atualizado do Paciente, em face do qual foi expedida a precatória de cumprimento e fiscalização das condições da SCP".

Neste recurso, a defesa sustenta que "a denúncia deveria ter sido rejeitada pelo e. Juízo singular, pois gera enorme perplexidade pelo esforço de 1ncminar o recorrente através da narrativa de fatos manifestamente atípicos".

Esclarece que "a denúncia oferecida pelo MP/RS em desfavor do recorrente - Secretário de diligências do MP/RS - pela prática, em tese, do crime previsto no artigo 325, § 1º, inciso II, do Código Penal", pois, com a sua senha, efetuou consulta desvinculada de suas atribuições funcionais, sem autorização de sua chefia e em horário de trabalho". Ressalta que,"em relação à figura delitiva prevista no inciso II, do § 1º do art. 325 do Código Penal, o tipo objetivo é composto pela ação nuclear"se utiliza"e pelos elementos indevidamenteeacesso restrito", enquanto que o tipo subjetivo é composto pelo dolo".

Salienta, por fim, que "o caso deve ser analisado também em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material, sendo aplicável mesmo nos casos de crimes contra a Administração Pública".

Pleiteia o provimento do presente recurso e consequentemente a concessão da ordem (cf. irretocáveis fundamentos jurídicos apresentados pelo Desembargador Relator do HC) para o fim de trancar o presente processo-crime no que diz respeito às imputações contidas na denúncia que não correspondem à figura típica do inciso II do S1º do artigo 325 do Código Penal, revelando, a um só tempo, uma inicial inepta e carente de justa causa".

O Parquet Federal oficiou pelo desprovimento do recurso.

O Ministério Público estadual opinou pelo"acolhimento dos aclaratórios, para que seja afastada a decisão que julgou prejudicado o presente habeas corpus, com o consequente julgamento do recurso ordinário interposto pelo ora embargante - o qual, no entanto, deve ser desprovido, eis que inexistente manifesta atipicidade da conduta imputada e tampouco inépcia da denúncia a justificar o acolhimento da pretensão recursal"(fl. 228).

VOTO

I. Contextualização

A denuncia oferecida em desfavor de Emerson a ele imputou a prática do crime de violação de sigilo funcional, previsto no artigo artigo 325, § 1º, inciso II do Código Penal. Foi a ele atribuído o cometimento 26 fatos, cuja descrição fática têm em comum a seguinte narrativa:

[...] o denunciado Emerson de Carvalho Kalisli utilizou, indevidamente, de acesso restrito ao Sistema de Consultas integradas, da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul.

Na oportunidade, o denunciado, utilizando seu login e senha, efetuou consulta desvinculada de suas atribuições funcionais, sem autorização de sua chefia, e horário de trabalho, ao referido Sistema consultando os módulos.

A Corte local denegou a ordem nos seguintes termos:

[...]

Com a vênia do eminente Relator, estou denegando a ordem.

Com efeito, os fatos descritos são típicos. Estabelece o CP: [...] A denuncia textualmente imputa ao paciente, por 25 vezes, a conduta de utilizar-se, indevidamente, do acesso restrito ao Sistema de Consultas integradas da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, por meio de senha pessoal, qualificando o acesso indevido a dados próprios e de familiares pela circunstância da ausência de autorização da chefia e do acesso em horário de trabalho.

Nada mais é necessário, para fins de descrição. Tenho, assim, que a conduta descrita se amolda em tese ao tipo previsto no art. 325, § 1º, I e l, do CP.

Em assim sendo, a outra que está ventilada pelo eminente Relator, de que não está prejudicada a análise do feito pela aceitação do sursis processual, fica superada, uma vez que não se trata de situação que autoriza o trancamento da ação penal.

Em face do exposto, denego a ordem. [...] (fls. 158-165)

II. Inépcia da denúncia

Quanto à matéria discutida neste mandamus , saliento que o trancamento do processo no âmbito de habeas corpus é medida excepcionalíssima," admissível somente quando emerge dos autos, de plano e sem necessidade de apreciação probatória, a falta de justa causa, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a inépcia formal da denúncia "( RHC n. 25.024/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6a T., DJe 2/3/2016).

Tendo em vista que a denúncia é uma peça processual por meio da qual o órgão acusador submete ao Poder Judiciário o exercício do jus puniendi, o legislador estabeleceu alguns requisitos essenciais para a formalização da acusação, a fim de que seja assegurado ao réu o escorreito exercício do contraditório e da ampla defesa. Na verdade, a própria higidez da denúncia opera como uma garantia do acusado.

Segundo o disposto no art. 41 do Código de Processo Penal,"a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas".

A denúncia deve ser recebida desde que, atendido seu aspecto formal (art. 41, c/c o art. 395, I, do CPP) e identificada a presença tanto dos pressupostos de existência e validade da relação processual quanto das condições para o exercício da ação penal (art. 395, inciso II, do CPP), a peça venha acompanhada de lastro probatório mínimo a amparar a acusação (art. 395, III, do CPP).

Assim, é ilegítima a persecução criminal quando o fato narrado na

denúncia não configura crime, exatamente como o caso dos autos.

III. Hermenêutica do tipo previsto no inciso II do § 1º do art. 325 do Código Penal - crime de violação de sigilo funcional

No que concerne à suposta ofensa ao art. 325, § 1º, inciso II, do Código Penal, registro que o tipo penal de violação de sigilo funcional dispõe que:

Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave.

§ 1º Nas mesmas penas deste artigo incorre quem:

I - permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública;

II - se utiliza, indevidamente, do acesso restrito.

§ 2º Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Inicialmente, forçoso consignar que, nos termos do art. 37, caput , da Constituição Federal, a atividade estatal é, em regra, regida pelo princípio da publicidade, com o objetivo de conferir transparência ao trato da coisa pública. Se a regra é a publicidade, todavia, autoriza-se, eventualmente, o sigilo, quando"seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado", conforme dispõe o art. , inciso XXXIII, da Constituição Federal.

Nesse sentido, o art. 325 do Código Penal tipifica a conduta do funcionário que viola a confiança nele depositada pelo Estado, de modo a proteger as informações que devem permanecer em segredo. A doutrina entende que"somente importa na infração penal sub examen o fato que deve permanecer em segredo. Assim, se o agente divulga um fato que diz respeito à Administração Pública, mas sobre o qual não se exigia qualquer sigilo, tal comportamento não se subsumirá ao tipo penal constante do art. 325"(GRECO, Rogério. Curso de Direto Penal: parte especial, vol. III. 15. ed. Niterói/RJ: Impetus, 2018, p. 824).

No que tange ao tipo previsto no § 1º do inciso II do art. 325 do Código

Penal, a doutrina leciona que se fala"em 'acesso restrito' porque, pela própria natureza da função e relevância do sistema, a Administração Pública seleciona e limita determinado setor de seus agentes, que são capacitados e preparados tecnicamente para ter acesso ao sistema de informações e banco de dados, em razão da natureza sigilosa dos dados e informações que compõem o seu sistema de informatização". (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial 5. 12. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 187).

Enquanto acesso restrito representa"o ingresso limitado a determinadas pessoas no sistema de informações ou banco de dados da Administração Pública", indevidamente consubstancia o"elemento da ilicitude trazido para dentro do tipo. Logo, quando houver autorização para o acesso, a conduta será atípica ". (NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito penal: parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 542).

Fato curioso é que a Suprema Corte norte-americana, em 2021, analisou caso parecido e chegou à mesma conclusão.

No caso Van Buren v. United States, o tribunal estadunidense deparou- se com caso similar, em que se colocou a questão"se uma pessoa autorizada a acessar um sistema de informática viola a lei de regência por acessar essas informações para fins estranho ao seu ofício".

A majority opinion da Juíza Amy Coney Barrett distinguiu a hipótese de uma pessoa autorizada acessar um computador a fim de"obter informações localizadas em áreas específicas do computador que estão fora dos seus limites"da situação em que"simplesmente obtém informações disponíveis, apesar dos motivos impróprios", concluindo que a segunda hipótese não configura crime.

A Corte endossou a ideia de que considerar crime o simples acesso ao sistema informático para fins impróprios" implicaria penalidades criminais a uma quantidade impressionante de atividades comuns no âmbito da informática e traria arbitrariedade na avaliação da responsabilidade criminal "(593 US _ (2021), Nov 30, 2020).

Orin Kerr, o principal comentador sobre crimes informáticos nos Estados Unidos, endossa o caminho adotado pela Suprema Corte em Van Buren v. United States, concordando que a interpretação proposta pela acusação teria o condão de impor penalidades criminais a uma quantidade impressionante de atividades comuns. Todavia, ressalta que Van Buren v. United States não atacou uma questão importante: se, para configurar o" acesso restrito "e, portanto, crime, basta que o uso do sistema de dados seja limitado por via tecnológica (code-based access) ou, em vez disso, se há necessidade de previsão normativa determinando quais dados são efetivamente protegidos (KERR, Orin S. Computer Crime Law , 5a ed, St. Paul: West Academic Publishing, p. 77).

Nesta Corte Superior, consigno que, em caso em tudo similar, o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, nos autos do REsp n. 1.675.663 , lastreado na doutrina de Cleber Masson, entendeu que"o tipo penal [do art. 325, § 1º, II, do CP] contém um elemento normativo, consistente na palavra indevidamente", [de modo que, só há subsunção"nessa figura equiparada, [quando] o funcionário público acessa o sistema de informações ou banco de dados, mas invade área que lhe é vedada - limitada somente a determinadas pessoas integrantes dos quadros da Administração Pública -, aproveitando-se dos dados para alguma finalidade não permitida em lei".

E concluiu, no caso então analisado, que,"tomando por base as conclusões da doutrina a respeito do tipo penal imputado, bem como os fatos delineados nos presentes autos, [...] que o Tribunal de origem reformou a sentença absolutória, para condenar o recorrente, sem efetivamente demonstrar a existência de"acesso indevido", [pois] depreende-se dos autos que as supostas informações de acesso indevido se referem às inscrições em dívida ativa e às informações constantes de processo de execução fiscal, sem que se tenha demonstrado se tratar de elementos sob sigilo".

Salientou, tal como no caso destes autos - em que o paciente tinha senha para acessar o sistema de informações da Secretaria de Segurança Pública -"que o recorrente tinha acesso privilegiado a sistema de informações, haja vista sua atuação como Procurado da Fazenda Nacional", consignando"não [haver] se comprovo[ado] em que consistiria o"acesso restrito", que não se confunde com o fato de o recorrente conseguir"acessar os referidos dados com muito mais facilidade, se comparado a um cidadão comum que as pretendesse obter".

Por fim, considerou "não ter ficado comprovado o elemento do tipo consistente no acesso restrito" - por inexistir comprovação de que as informações fossem confidenciais, que não pudessem ser obtidas por qualquer cidadão, ainda que por outros meios -, "o que torna a conduta atípica e revela a efetiva violação do art. 325 do Código Penal", motivo pelo qual restabeleceu a sentença absolutória.

Na espécie, observo que a exordial acusatória cingiu-se a narrar que o recorrente "utilizou, indevidamente, de acesso restrito ao Sistema de Consultas integradas, da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul", para, "utilizando seu login e senha, efetu[ar] consulta desvinculada de suas atribuições funcionais, sem autorização de sua chefia, e horário de trabalho, ao referido Sistema consultando os módulos".

Como visto, a denúncia não descreve em que consistiria o "acesso restrito", que, como visto, "não se confunde com o fato de o recorrente conseguir 'acessar os referidos dados com muito mais facilidade', se comparado a um cidadão comum que as pretendesse obter".

Portanto, forçoso concluir que a denúncia ora impugnada não descreveu todos os elementos necessários à defesa para o cumprimento do seu mister, evidenciando-se, assim, afronta ao art. 41 do CPP.

IV. Dispositivo

À vista do exposto, acolho os embargos de declaração para reconsiderar a decisão de fl. 209 e dou provimento ao recurso , a fim de declarar a inépcia denúncia e anular, ab initio , o Processo n. 0001445-06.2017.8.21.0161, da Vara Judicial da Comarca da Salto do Jacuí-RS, sem prejuízo de que seja oferecida nova denúncia em desfavor da paciente, com estrita observância dos ditames previstos no art. 41 do Código de Processo Penal.

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