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5 de Maio de 2024

STJ Set22 - Agente fora do Cargo Público não Comete Corrupção - Recebimento de Valores é Mero Exaurimento

há 2 anos

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. ART. 317 DO CP. CORRUPÇÃO PASSIVA. AGENTE DESLIGADO DEFINITIVAMENTE DA FUNÇÃO PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PODER OU INGERÊNCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES. 1. O crime de corrupção passiva (art. 317 do CP)é um tipo penal misto alternativo que comporta as condutas de solicitar, receber ou aceitar, de modo que a prática de mais de uma delas importa em infração penal única. 2. O efetivo exercício de cargo público não é elemento objetivo do crime de corrupção passiva (art. 317 do CP), que criminaliza a venalidade das atribuições funcionais efetivas ou potenciais do agente. 3. O art. 317 do CP prevê a possibilidade de consumação do delito de corrupção passiva ainda que o agente esteja fora da função ou antes de assumi-la. 4. A expressão "fora da função" não alcança aqueles que estão definitivamente desligados de seus cargos, pois desvestidos de qualquer poder ou ingerência na administração pública. 5. No delito de corrupção passiva (art. 317 do CP) a percepção dos valores exigidos é mero exaurimento do delito. 6. Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes, para dar parcial provimento ao agravo regimental e reconhecer a atipicidade do crime de corrupção passiva imputado ao embargante e determinar o trancamento parcial da ação penal.

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(STJ - EDcl no AgRg no RHC: 123419 DF 2020/0024308-9, Data de Julgamento: 16/08/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/09/2022)

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:

Trata-se de embargos de declaração opostos no agravo regimental no recurso em habeas corpus interposto por SÉRGIO LÚCIO SILVA DE ANDRADE, visando ao trancamento de ação penal movida em seu desfavor.

O ora embargante é apontado, na ação penal originária, como suposto intermediário do ex- governador JOSÉ ROBERTO ARRUDA em esquema de corrupção e lavagem de dinheiro que envolve a reforma do Estádio Nacional de Brasília, conhecido como Estádio Mané Garrincha.

No julgamento do agravo regimental no recurso em habeas corpus (ocorrido no dia 21/9/2021), acompanhei, juntamente com o Ministro Jesuíno Rissato, a maioria liderada pelo relator, Ministro Joel Paciornik, negando provimento ao recurso. Ficaram vencidos os Ministros Reynaldo Soares da Fonseca e Ribeiro Dantas, que lhe deram parcial provimento para trancar parcialmente a ação penal (apenas com relação ao crime de corrupção passiva).

A indicada decisão colegiada sofreu a oposição destes embargos, sendo de se observar que o embargante aponta contradição no voto-vista de minha relatoria, por meio do qual acrescentei fundamentação ao voto do relator.

Registro, de antemão, que a circunstância de ter acompanhado, como vistor, o voto do relator acarreta, em tese, a rejeição automática destes embargos, uma vez que o voto vencedor é, em verdade, aquele, e não o voto-vista prolatado; e não foi apontada pecha alguma no voto condutor do Ministro Joel Paciornik.

Ocorre que os acréscimos de fundamentação que apresentei foram decisivos para a formação de meu convencimento e, acredito, do de meus pares. Lembro que o julgamento provocou ricos debates e interessantes divergências de posicionamento, revestindo-se, por esse motivo, de especial importância.

Feitas essas considerações iniciais, pontuo que o objeto dos aclaratórios se restringe a uma suposta contradição que envolve o reconhecimento da tipicidade da conduta de corrupção passiva imputada ao embargante. Os fatos que se enquadraram naquele tipo penal ocorreram em 2013, momento no qual nenhum dos envolvidos ocupava cargo público, sendo essa circunstância apontada pelo recorrente como impeditiva do apontado enquadramento.

De fato, a peça acusatória narra a participação do embargante no esquema de recebimento de propina a partir de 2013/2014, como intermediário do ex-Governador José Roberto Arruda, em momento no qual nenhum dos dois exercia cargo na administração do Distrito Federal.

É fato público e notório que o ex-Governador foi afastado do cargo e ficou preso no período de 11 de fevereiro a 12 de abril de 2010, com posterior cassação de seu mandato pelo TRE do Distrito Federal por infidelidade partidária; e que se encontrava em planejamento de campanha para nova eleição em 2013/2014 para aquele mesmo cargo. Esses períodos se situam, pois, em momentos diferenciados e estanques: exercício do cargo antes de 2010 e potencialidade de eleição para novo mandato a partir de 2014.

A despeito do esforço argumentativo do recorrente, insisto em que, em tese, a circunstância de o agente não estar no exercício do cargo não é, por si só, impeditiva da subsunção dos fatos ao tipo penal de corrupção passiva . Em verdade, o efetivo exercício de cargo público não é elemento objetivo daquele tipo penal, que criminaliza a venalidade das atribuições funcionais efetivas ou potenciais do agente.

De fato, o art. 317 do Código Penal estabelece, de maneira expressa, a possibilidade de consumação do delito de corrupção passiva ainda que o agente esteja fora da função ou antes de assumi- la. Confira-se (destaquei):

Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la , mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Até aqui, nada a reparar no voto-vista que prolatei.

Ocorre que uma particularidade chamou a minha atenção nestes embargos declaratórios, convencendo-me do inadequado exercício de raciocínio que promovi com relação a determinado ponto de minha fundamentação. E não tenho compromisso com meus eventuais desacertos, motivo pelo qual me incumbe reconhecê-los.

O corréu JOSÉ ROBERTO ARRUDA, no início de sua campanha para o cargo de governador do Distrito Federal, poderia, por si ou através de intermediários, postular o pagamento de vantagem ilícita como garantia de futuras contrapartidas que seriam dadas aos corruptores durante o mandato que se iniciaria, caso eleito fosse . Essa eventual solicitação poderia se dar antes de assumir o cargo, como previsto no caput do tipo penal transcrito.

A peça acusatória narra, inclusive, que esse foi o primeiro propósito das negociações intermediadas pelo embargante.

Ocorre que a própria denúncia informa que aquela pretensão foi rechaçada pelos empresários procurados pelos réus. E, a partir da negativa de colaboração de terceiros em campanha eleitoral, as tratativas seguiram para assegurar o recebimento de vantagem que fora solicitada no passado , em momento no qual JOSÉ ROBERTO ARRUDA exercera o cargo de governador do Distrito Federal.

A leitura da peça acusatória convence, sem nenhum esforço, de que o pagamento acabou sendo realizado não em função de benefícios futuros, advindos do novo cargo que seria eventualmente exercido, mas como verdadeiro pagamento de acerto correspondente a negociações que tiveram lugar no passado , repito.

No voto-vista que apresentei, vinculei o recebimento da suposta propina à finalidade de auxílio na futura campanha eleitoral de JOSÉ ROBERTO ARRUDA, que somente não foi adiante pela cassação de seu registro. Assim, o ex-Governador estava, naquele momento, na situação de potencial assunção de função ou, nos exatos termos do caput do art. 317 do CP,"antes de assumi-la". E, na linha de raciocínio desenvolvida, qualquer um que colaborasse em solicitações de vantagens irregulares em razão da função a ser assumida poderia ser enquadrado como coautor na empreitada criminosa.

Todavia, se a peça acusatória expressamente descrevia a vantagem irregular como propina relacionada a contrato negociado no mandato já finalizado do ex-Governador, a iminência de assunção de novo cargo na administração distrital não poderia ser destacada como elemento objetivo do tipo, por pertencer a uma realidade distinta.

Em outras palavras, a possibilidade de exercício de um novo mandato pelo corréu somente poderia ser considerada como elemento objetivo do tipo caso a vantagem solicitada ou recebida se relacionasse com contrapartida ligada a essa nova função.

Não se pode correlacionar vantagem ligada a um antigo mandato com a iminência de exercício de outro, pois aquela não possui o necessário nexo causal com este.

Essa é a falha de fundamentação presente no voto-vista que apresentei, pela qual me penitencio.

Certo é que o tipo penal do art. 317 do CP prevê ainda a possibilidade de o agente consumar o crime de corrupção passiva"fora da função". Ocorre que essa expressão é reservada àqueles que se encontram parcialmente afastados, por motivos diversos, do cargo que já ocupam, como férias ou licenças, exigindo-se, no entanto, a potencialidade de retorno ao cargo para devolução das contrapartidas devidas em função das vantagens ilícitas solicitadas ou recebidas. Exige-se a presença de uma órbita ativa de atribuições para fins de prática do delito"em razão da função, mas fora dela" , órbita que se esvai após o desligamento completo do cargo.

Logo, a expressão"fora da função"não tem a abrangência de alcançar aqueles que se encontram definitivamente desligados de seus cargos, já que desvestidos de qualquer poder ou ingerência na administração pública.

Lembro que o crime de corrupção passiva é um tipo penal misto alternativo que comporta as condutas de solicitar, receber ou aceitar. A prática de mais de uma delas importa em infração penal única. Logo, havendo solicitação ou negociação prévia, futuras renegociações ou percepção dos valores acordados configuram mero exaurimento do delito.

Revendo melhor os elementos presentes no caso concreto, considero que a primeira solicitação/negociação de valores pelo então Governador JOSÉ ROBERTO ARRUDA, em pleno exercício de seu cargo, provocou a consumação da corrupção passiva em momento durante o qual não houve a participação do corréu SÉRGIO ANDRADE.

Após o desligamento do ex-Governador de seu cargo, as futuras renegociações ou até mesmo a percepção dos valores exigidos são, em verdade, mero exaurimento do delito . São atos que não possuíam a necessária correlação com as competências possuídas pelos agentes, ou com aqueles que poderiam vir a possuir com a assunção de novo mandato.

Consta na denúncia que SÉRGIO ANDRADE desempenhou o papel de cobrar os executivos da Andrade Gutierrez sobre a regularidade dos pagamentos, bem assim receber esses valores em nome de ARRUDA.

Contudo, como já dito, com relação ao mandato encerrado, o crime de corrupção passiva já havia sido consumado em 2010, com a solicitação promovida . E, quando ocorre a modalidade solicitação , o recebimento de valores é, em verdade, exaurimento daquela modalidade, e não crime novo, autônomo.

Essas considerações que agora trago já haviam sido objeto de análise no brilhante voto divergente do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que merece chancela.

Ante o exposto, acolho os embargos de declaração com efeitos infringentes, para dar parcial provimento ao agravo regimental, reconhecendo a atipicidade do crime de corrupção passiva imputado ao recorrente e determinando o parcial trancamento da ação penal para exclusão dessa imputação.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUINTA TURMA

EDcl no AgRg no Número Registro: 2020/0024308-9 RHC 123.419 / DF PROCESSO ELETRÔNICO

MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 1016446-17.2019.4.01.3400 10164461720194013400 10269950420194010000

71618520174013400

EM MESA JULGADO: 16/08/2022

Relator

Exmo. Sr. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK

Relator para Acórdão

Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK

Subprocuradora-Geral da República

Exma. Sra. Dra. ELIZETA MARIA DE PAIVA RAMOS Secretário

Me. MARCELO PEREIRA CRUVINEL

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : SÉRGIO LÚCIO SILVA DE ANDRADE

ADVOGADOS : EDUARDO DE VILHENA TOLEDO - DF011830 RODRIGO MUNIZ SANTOS - PR022918 FERNANDO MUNIZ SANTOS - PR022384 MARCUS VINÍCIUS DE CAMARGO FIGUEIREDO - DF020931 RAFAEL DE ALENCAR ARARIPE CARNEIRO - DF025120

ADVOGADOS : GABRIELA GUIMARAES PEIXOTO - DF030789 JOSE FRANCISCO FISCHINGER MOURA DE SOUZA - DF048277 MARCOS ANTONIO RIBEIRO GOMES - DF050926 LUCAS RESENDE FRAGA - DF050028 LUIZ AUGUSTO RUTIS BARRETO - DF057823 PEDRO DE ALCANTARA BERNARDES NETO - DF031019 VANESSA VITÓRIA OLIVEIRA - DF061318

RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

CORRÉU : JOSÉ ROBERTO ARRUDA

CORRÉU : JOSE WELLINGTON MEDEIROS DE ARAUJO

CORRÉU : FERNANDO MÁRCIO QUEIROZ

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes Praticados por Funcionários Públicos Contra a Administração em Geral - Corrupção passiva EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

EMBARGANTE : SÉRGIO LÚCIO SILVA DE ANDRADE

ADVOGADOS : EDUARDO DE VILHENA TOLEDO - DF011830

MARCUS VINÍCIUS DE CAMARGO FIGUEIREDO - DF020931 RAFAEL DE ALENCAR ARARIPE CARNEIRO - DF025120 JOSE FRANCISCO FISCHINGER MOURA DE SOUZA - DF048277 MARCOS ANTONIO RIBEIRO GOMES - DF050926 LUCAS RESENDE FRAGA - DF050028 VANESSA VITÓRIA OLIVEIRA - DF061318

EMBARGADO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

CERTIDÃO

C542542155245119113560@ 2020/0024308-9 - RHC 123419 Petição : 2021/0092631-5 (EDcl)

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUINTA TURMA

EDcl no AgRg no Número Registro: 2020/0024308-9 RHC 123.419 / DF PROCESSO ELETRÔNICO

MATÉRIA CRIMINAL

Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Prosseguindo no julgamento, a Turma, por maioria, acolheu os embargos para dar parcial provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro João Otávio de Noronha, que lavrará o acórdão."

Votaram com o Sr. Ministro João Otávio de Noronha os Srs. Ministros Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Reynaldo Soares da Fonseca e Ribeiro Dantas.

Votou vencido o Sr. Ministro Joel Ilan Paciornik.

C542542155245119113560@ 2020/0024308-9 - RHC 123419 Petição : 2021/0092631-5 (EDcl)


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