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4 de Maio de 2024
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    Suspenso projeto do Judiciário que seria patrocinado pela Souza Cruz

    Publicado por Expresso da Notícia
    há 19 anos

    "Não basta ser honesto,

    é preciso parecer ser honesto"

    O desembargador Antônio Souza Prudente suspendeu a execução do projeto denominado "Justiça sem Papel", resultante de parceria firmada entre o Ministério da Justiça, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a empresa Souza Cruz S.A. por meio de Termo de Cooperação Técnica e Financeira. A decisão foi assinada no dia 12 de maio, à noite, e acatou o recurso formulado pelo Ministério Público da União contra decisão da 22ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal.

    O Projeto "Justiça sem papel" busca a modernização gerencial e o estímulo a uso de tecnologia no Judiciário, mas para o desembargador Souza Prudente, "o Poder Judiciário no cumprimento de sua grandiosa missão constitucional de tutelar direitos, há de portar-se, no meio social, com eficiência e moralidade, independência e honradez, na oportuna e eficaz distribuição da Justiça, evitando sempre a receptação de"oferendas"financeiras do setor privado, ainda que se lhe apresentem com a máscara dos propósitos mais nobres e socialmente justificáveis, a não revelar a real intenção de"caridosos doadores", no arranjado convívio com os operadores da Justiça".

    Segundo o magistrado, é inadmissível aceitar qualquer ajuda, "benesse" ou doação de empresas privadas ao Poder Judiciário, fora das comportas orçamentárias exclusivas do erário público, como quer e determina a Constituição , principalmente de uma empresa cuja atividade se afigura manifestamente atentatória à manutenção do equilíbrio ecológico, que, para o Desembargador, há de ser defendida e preservada pela ação eficiente do Poder Público (inclusive do Poder Judiciário) e de toda coletividade.

    Ao concluir sua decisão, o desembargador Souza Prudente afirma que o almejado "Projeto Justiça Sem Papel" não deve envolver-se em parcerias espúrias, moralmente reprováveis e constitucionalmente repudiadas a ponto de comprometer o bom nome, a moralidade e o grandioso "Papel da Justiça", garantido e consagrado pelos comandos da legalidade e da Constituição da Republica Federativa do Brasil .

    Com a decisão, o projeto "Justiça sem papel" ficará suspenso até o pronunciamento definitivo da 6ª Turma.

    Leia a íntegra da decisão:

    "AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2005.01.00.022119-3/DF

    Processo na Origem: 200534000072860

    RELATOR (A) : DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE

    AGRAVANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

    PROCURADOR : JOSE ALFREDO DE PAULA SILVA

    AGRAVADO : UNIÃO FEDERAL

    PROCURADOR : HELIA MARIA DE OLIVEIRA BETTERO

    AGRAVADO : SOUZA CRUZ S/A

    AGRAVADO : FUNDACAO GETULIO VARGAS

    DECISÃO I

    Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto contra decisão proferida pelo douto juízo da 22ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, que, nos autos de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra a União Federal e Outro, indeferiu o pedido de antecipação da tutela cautelar ali formulado, no sentido de que fosse determinada a suspensão da execução do projeto denominado “Justiça Sem Papel”, a que se reporta o “Termo de Cooperação Técnica e Financeira”, firmado pelo Ministério da Justiça, pela Fundação Getúlio e pela empresa Souza Cruz S/A”, cuja legalidade é objeto de discussão nos aludidos autos.

    A decisão agravada restou lavrada nestes termos:

    “Cuida-se de ação civil pública objetivando a anulação do “Termo de Cooperação Técnica e Financeira” celebrado entre a União, a Fundação Getúlio Vargas-FGV e a Souza Cruz.

    Alega, em apertada síntese, que:

    a) para a implementação do objeto do termo foi constituído um fundo de natureza privada no valor de R$ 2.5000.000,00 com recursos exclusivos da Souza Cruz;

    b) o programa já vem realizando atividades junto ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e ao TRF/3ª Região;

    c) está sendo realizada uma Seleção Pública de Projetos Inovadores para Modernização do Poder Judiciário e que a data final para entrega das propostas será 31.03.2005;

    d) é ilegal o referido Termo de Cooperação Técnica e Financeira porque não tem base legal para o ato e não foi precedida de procedimento administrativo;

    e) referido Termo ofende a imparcialidade e independência do Judiciário, pois gerará dependência do Judiciário ao custeio privado;

    Com a inicial foi juntada farta documentação, inclusive o procedimento administrativo promovido no âmbito do Ministério Público Federal, cópia do termo citado e do Pacto do Estado em favor de um Judiciário mais rápido e Republicano.

    Aprecio a medida de urgência requerida.

    Não verifico os requisitos para o deferimento da medida.

    Acerca da verossimilhança nas alegações, cabe ponderar que os vícios apontados no termo não se apresentam, nessa análise preliminar, tão evidentes.

    Vejamos o teor da Cláusula Primeira do Termo:

    Cláusula Primeira – Do Objeto

    1.1 O presente instrumento tem como objetivo a concepção e a implementação do programa de âmbito nacional denominado “Justiça Sem Papel”, visando tornar mais eficazes os procedimentos da Justiça, através da modernização gerencial e do estímulo ao uso da tecnologia no poder Judiciário...

    1.2. As partes que ora firmam o presente se comprometem, através deste instrumento, a praticar ações para a mobilização, o apoio e a divulgação do Programa “Justiça Sem Papel”, e o estímulo, a multiplicação e a formalização de parcerias com o Poder Judiciário Brasileiro.

    1.3. Os resultados e os produtos alcançados com o Programa “Justiça Sem Papel” serão de domínio público e de livre acesso por parte dos Poderes Executivo e Judiciário, nas esferas federais e estaduais.

    Daí se extrai, nesta apressada análise, que o Judiciário será beneficiário dos resultados do programa mediante parceria e que tais resultados serão de domínio público. Noutros termos: o programa não está sendo imposto ao Judiciário, que deve manifestar interesse na utilização das ferramentas objeto de desenvolvimento no programa e que os resultados do projeto serão de domínio público, ou seja, não será onerosa sua utilização por qualquer interessado que a ele tenha acesso.

    Não se vislumbra dessa situação a ofensa à imparcialidade e independência do Judiciário.

    Quanto à falta de base legal para a formalização do Termo, cabe ponderar se o programa poderia ser implementado sem a participação da União, representada pela Secretaria de Reforma do Judiciário. A resposta parece ser pela afirmativa, porque se a União não fosse celebrante continuaria a ser beneficiária do ato.

    De se esclarecer que a utilização dos resultados do programa será gratuita e se apresenta como ato assemelhado à doação à Administração. Não se confunde com a doação porque os resultados serão instrumentos de domínio público, ou seja, poderão ser usados por qualquer interessado.

    Dessa forma, não se evidencia vício quanto à formalização do acordo que não causa despesa à União e não impõe gravame ou condição pela utilização dos resultados do programa.

    Nesse ponto é importante mencionar que a despesa com a implementação das atividades objeto do termo atacado correrão por conta da Souza Cruz sem possibilidade de qualquer responsabilização da União (Cláusula Oitava, item 8.3).

    De outro lado não verifico presente o perigo na demora para a medida antecipatória. Não se afigura qualquer evidência de que as atividades decorrentes do termo atacado estejam tolhendo a imparcialidade ou independência de algum órgão do Judiciário, até porque a participação deste Poder depende – repita-se de sua manifestação de vontade.

    Além disso, o prazo final para apresentação de projetos à Seleção Pública de Projetos Inovadores para Modernização do Poder Judiciário não representa risco de dano de difícil reparação à imparcialidade ou independência do Judiciário e nem de interesse direto ou indireto da União.

    Em face disso indefiro a antecipação de tutela postulada” (fls. 206/208).

    II

    Em suas razões recursais, o Ministério Público Federal, reiterando os argumentos deduzidos perante o juízo monocrático, insiste na concessão da antecipação da tutela postulada nos autos de origem, destacando que o acordo impugnado não preencheria os requisitos legais necessários para a sua realização, na medida em que seria custeado por recursos provenientes da iniciativa privada, a colocar em risco a imparcialidade do Poder Judiciário, notadamente em se tratando de uma empresa produtora de bens notoriamente nocivos à saúde pública, sendo, por isso, cliente assídua daquele poder.

    Requer, assim, a concessão de efeito suspensivo, para que lhe seja deferida a tutela em referência, até o pronunciamento definitivo da Turma julgadora (fls. 02/64). III

    Em que pesem os fundamentos em que se amparou o douto juízo monocrático para indeferir o pedido liminarmente postulado nos autos de origem, vejo presentes, na espécie, os requisitos do art. 558 do CPC , a ensejar a concessão da tutela recursal almejada, por se tratar de uma tutela cautelar do meio ambiente ético-cultural, a reclamar a imediata suspensão da execução do projeto questionado nos autos de origem, sob pena de se tornar ineficaz o resultado do julgamento a ser proferido, em caso de procedência da demanda, ali instaurada, muito bem fundamentada pelo douto Ministério Público Federal, conforme se vê dos seguintes trechos da petição inicial que instrui o presente recurso, in verbis:

    “(...)

    Além da ilegalidade já demonstrada, o desenvolvimento de projeto dessa natureza subsidiado com recursos privados afronta a Constituição Federal , notadamente por ofender a independência e imparcialidade do Poder Judiciário ( Art. 2º , CF ).

    Toda a sociedade brasileira ressente-se com a situação atual do Poder Judiciário em nosso País, ao qual é impingida a triste característica de morosidade na prestação jurisdicional, decorrente da precariedade na estrutura material e humana, falta de otimização dos recursos existentes e de deficiências da legislação processual, acabando por não atender aos anseios dos cidadãos.

    Evidentemente que o Judiciário necessita passar por muitas melhorias, que envolvem a mudança da legislação processual, informatização, capacitação dos servidores, aperfeiçoamento dos magistrados e etc. Entretanto, por sua condição singular, a atividade jurisdicional tem que ser custeada integralmente pelo Erário, sob pena de ferir a independência do Judiciário, violando a Carta Magna .

    O Programa “Justiça Sem Papel” por ser financiado com recursos privados da empresa Souza Cruz, consiste em uma malfadada interferência da iniciativa privada no Poder Judiciário, à medida em que proporciona a aplicação de recursos privados no seu custeio”.

    (...)

    “O ingresso de recursos privados no seio do Poder Judiciário compromete sua independência e imparcialidade. O Projeto Justiça Sem Papel, como idealizado, ingressará nas entranhas da jurisdição de modo muito profundo. Deste modo, deve ser financiado com recursos públicos”.

    (...)

    “Ao Judiciário, além das garantias pessoais de inamovibilidade, vitaliciedade, irredutibilidade dos subsídios e etc, aConstituiçãoo assegurou garantias institucionais, dentre elas, a autonomia funcional administrativa e financeira”.

    (...)

    “Todos os recursos utilizados no Poder Judiciário devem ser provenientes do Erário, isto é, devem advir do orçamento público, a partir da arrecadação de tributos e de outras fontes legalmente previstas.

    Assim, não é de se admitir que a jurisdição seja financiada por recursos privados, máxime de empresa que é parte em inúmeros processos que tramitam nos nossos tribunais, tanto na condição de autora como de ré, como é o caso da Souza Cruz S/A. IV

    Como visto, muito embora louvável a preocupação demonstrada na decisão agravada, as razões que a amparam não conseguem ilidir os fundamentos em que repousa a pretensão recursal postulada pelo Ministério Público Federal, que se encontram, em princípio, em perfeita sintonia com a autonomia, a independência e a imparcialidade do Poder Judiciário, asseguradas em nossa Carta Magna , nos termos seguintes:

    “ Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira.(EC nº 45 /2004). § 1º - Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.

    § 2º - O encaminhamento da proposta, ouvidos os outros tribunais interessados, compete:

    I - no âmbito da União, aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, com a aprovação dos respectivos tribunais; II - no âmbito dos Estados e no do Distrito Federal e Territórios, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça, com a aprovação dos respectivos tribunais. § 3º Se os órgãos referidos no § 2º não encaminharem as respectivas propostas orçamentárias dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 1º deste artigo. § 4º Se as propostas orçamentárias de que trata este artigo forem encaminhadas em desacordo com os limites estipulados na forma do § 1º, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta orçamentária anual. § 5º Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais”.

    Não há dúvida de que as disposições constitucionais em referência estabelecem o princípio do autogoverno da magistratura, em assuntos administrativos e financeiros, a não tolerar, sem vinculação aos ditames e limites estabelecidos pela lei de diretrizes orçamentárias, qualquer interferência de ordem financeira privada, mormente sob o manto da simulação autopromocional, como no caso da empresa Souza Cruz S.A., que, na visão ministerial, é assídua cliente da polaridade passiva de ações judiciais, no Brasil, agredido pela poluição ambiental.

    Com inteira razão se apresentam as letras do memorial escrito, que me fora oportunamente enviado pelo ilustre Procurador Regional da República, Dr. Hugo Gueiros Bernardes Filho, sobre esta matéria, merecendo destaque os tópicos seguintes:

    “Não há qualquer base legal para o ajuste, que contraria, de início, o princípio da estrita legalidade administrativa. O Ministério da Justiça, por intermédio da Secretaria da Reforma do Judiciário, informou que tal instrumento foi firmado com fundamento no Decreto 4.685 , de 29 de abril de 2003, que aprova a estrutura regimental e as funções do Ministério da Justiça e no “Pacto de Estado em Favor de um Judiciário Mais Rápido e Republicano”, subscrito pelos chefes dos três poderes da República.

    O Ministério da Justiça ainda afirma que o projeto possui natureza privada, o que é inaceitável, porque ele gera efeitos no âmbito do Poder Judiciário, que possui autonomia e independência sob todos os aspectos, e não se pode constituir em objeto de uma parceria de empresa privada com quem quer que seja, particularmente a Souza Cruz, cuja atividade é a produção de bens notoriamente nocivos à saúde da população, sendo por isso (e por outros motivos) um cliente assíduo do Poder Judiciário.”

    (...)

    No agravo, após exaltar a necessidade de modernização e a importância das inovações tecnológicas, o Ministério Público ressalta que não se pode furtar de sua função constitucional diante de vícios legais e constitucionais tão graves que maculam o projeto hostilizado, levando para o canal adequado (Poder Judiciário) a palavra final sobre o tema.

    Inicialmente, eis o teor do art. 2333 do Decreto nº 4.68555 /2003 , citado em amparo do Termo:

    ‘ Art. 23 . À Secretaria de Reforma do Judiciário compete:

    I – formular, promover, supervisionar e coordenar os processos de modernização da justiça brasileira, por intermédio da articulação com os demais órgãos federais, do Poder Judiciário, do Poder Legislativo, do Ministério Público, dos Governos estaduais, agências internacionais e organizações da sociedade civil;

    II – orientar e coordenar ações com vistas à adoção de medidas de melhoria dos serviços judiciários prestados aos cidadãos;

    III – propor medidas e examinar as propostas de reforma do setor judiciário brasileiro; e

    IV – dirigir, negociar e coordenar os estudos relativos às atividades de reforma da justiça brasileira.’ (grifos efetuados pelo Secretário de Reforma do Judiciário).

    Trata-se, como visto, de simples Decreto, e que de maneira alguma permite a ingerência de empresa privada no Judiciário. Aliás, o dispositivo se limita a indicar as atribuições da Secretaria de Reforma do Poder Judiciário, no âmbito do Executivo.

    Já o “Pacto de Estado em Favor de um Judiciário Mais Rápido e Republicano”, subscrito pelos Três Poderes, representa apenas uma carta de intenções do Estado Brasileiro. A efetivação do Pacto tem que obedecer os ditames constitucionais e legais. Ele não se constitui em um mecanismo autônomo que legalize o “Termo”, até mesmo pela singela razão que não se trata de uma norma legislativa.

    Lembre-se que o princípio da legalidade tem sede constitucional, e, segundo a autorizada lição de Celso Antonio Bandeira de Mello:

    ‘Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. Esta última frase sintetiza, excelentemente, o conteúdo do princípio da legalidade.

    A atividade administrativa deve não apenas ser exercida sem contraste com a lei, mas, inclusive, só pode ser exercida nos termos de autorização contida no sistema legal. A legalidade na Administração não se resume à ausência de oposição à lei, mas pressupõe autorização dela, como condição de sua ação. Administrar é aplicar a lei, de ofício”.

    (...)

    É importante lembrar (embora a norma não tenha sido citada no agravo) que a Lei9.2944 - DOU 16/07/1996 – estabelece restrições ao uso e à propaganda de Produtos Fumígeros (melhor seria dizer fumígenos), entre outros, nos termos do§ 4ºº do art. 22000 daConstituição Federall .

    Ora, se mesmo para os particulares é objeto de alta restrição a divulgação do cigarro e do tabaco, caberia uma “promoção” como essa no âmbito do judiciário?

    Pelo art. 3º daquela Lei, a propaganda comercial só poderá ser efetuada através de pôsteres, painéis e cartazes, na parte interna dos locais de venda. Diz, ainda, o seu § 1º: § 2º A propaganda conterá, nos meios de comunicação e em função de suas características, advertência, sempre que possível falada e escrita, sobre os malefícios do fumo, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, segundo frases estabelecidas pelo Ministério da Saúde, usadas seqüencialmente, de forma simultânea ou rotativa. * § 2º com redação dada pela Medida Provisória nº 2.190 -34, de 23/08/2001 (DOU de 24/08/2001 - em vigor desde a publicação). (enfatizamos)

    Não é crível que o Executivo se utilizará precisamente do Judiciário para uma propaganda indireta da grande vendedora de um bem a que a própria Lei atribui “malefícios”, do mesmo modo que a Constituição ( Art. 220, § 4ª ).

    Errôneo dizer, como a decisão agravada, que o “programa poderia ser implementado sem a participação da União, representada pela Secretaria de Reforma do Judiciário”.

    É errôneo porque, sem a participação da União torna-se inviável a utilização do Judiciário (pelo menos o Judiciário Federal). Afinal, se o programa é supostamente privado, e dispensa a participação pública na sua formalização, então há de cair também a participação pública na sua implementação, e com isso a Souza Cruz, ou a Fundação Getúlio Vargas, não poderá usar bens e locais públicos para as suas experiências. As empresas privadas carecem de algum instrumento jurídico para isso.

    Aquela decisão de primeiro grau diz que, “se a União não fosse celebrante continuaria a ser beneficiária do ato”. Não pensamos assim, à luz da legalidade, mas se a assertiva fosse verdadeira, o termo “beneficiária” deveria ser interpretado “cun grano salis”, como sinônimo de participante, pois no quadro geral de custos e benefícios, morais e materiais, não se pode inferir, de antemão, apenas o aspecto positivo.

    Afirma, ainda, a decisão agravada que “a despesa com a implementação das atividades do Termo atacado correrão por conta da Souza Cruz sem possibilidade de qualquer responsabilidade da União”. A afirmação é mais uma vez equivocada, com a devida vênia: a União tem, sim, responsabilidades várias, de ordem social, moral e patrimonial, e delas não escapa quando aceita firmar doações, ou institutos assemelhados, com empresas privadas que geram os citados malefícios”.

    (...)

    “O Ministério Público Federal lembra que, com o passar do tempo, tende a se consolidar uma situação que nunca deveria ter sido instaurada. Os relacionamentos advindos dessa parceria vão ganhando intensidade, a exemplo dos recursos aplicados nas finalidades propostas, o que é pior, e tende a concorrer para a consolidação, no campo fático, um “Termo de Cooperação” elaborado ao total arrepio da legalidade.

    É preciso analisar o perigo da demora, ainda, sob a ótica da estabilidade e da legitimidade das instituições. O precedente criado pelo “Termo de Cooperação” é extremamente perigoso, já que pode incentivar patrocínios de entidades congêneres em favor de projetos de melhoria do Poder Judiciário, com o apoio institucional do Ministério da Justiça, não se sabendo sequer quem possa estar por trás dessas empresas e dos interesses indiretamente defendidos.

    Não se trata de “doação” como quis parecer a decisão recorrida ou mesmo de um Convênio ou qualquer outro instituto que tenha fundamento na Lei de licitações .

    Note-se que o projeto poderia facilmente ser financiado por recursos públicos. O seu valor, em torno de dois milhões e trezentos reais, é insignificante para a empresa patrocinadora e também para a própria União Federal. Basta considerar os inúmeros Convênios mantidos pelo Ministério da Justiça com ONGS e outras entidades para a execução de determinados projetos, cuja somatória supera consideravelmente o investimento da empresa SOUZA CRUZ nesse projeto.

    Na realidade, o custo financeiro para a empresa também é pequeno em face da sua estrutura. No entanto, o necessário relacionamento entre a cúpula do Poder Judiciário, cada um dos Juízes beneficiários de prêmios desses projetos e os representantes da empresa SOUZA CRUZ, é extremamente benéfico para os interesses dessa empresa.

    Há, ainda, o citado aspecto da isonomia e de motivação (impessoalidade) dos atos sob exame: qual, afinal, o motivo da escolha da Souza Cruz e da Fundação Getúlio Vargas para a execução do projeto de melhoria do Poder Judiciário?

    Não basta ser honesto, é preciso parecer ser honesto. A Souza Cruz, em face de notórios julgamentos ocorridos no exterior, tem sofrido grandes derrotas, sendo compelida a pagar indenizações milionárias. Não há como negar que a perspectiva de melhor relacionamento com o Judiciário Brasileiro e, pela sua divulgação, com a mídia, como benfeitoria de projetos públicos relevantes, acarretar-lhe-á os bônus de supostas ações altruístas.

    Em artigo publicado na revista Carta Capital do dia 06 de abril de 2005 pelo colunista Walter Franganiello Maierovitch, essa questão do altruísmo é oportunamente debatida:

    “Da balança ao cigarro

    (...)

    Efetivamente, a participação da iniciativa privada não deve ser desprezada quando se busca a agilização dos serviços judiciários. Mas devem existir causas impeditivas e bom senso, pois dinheiro tem cor e cheiro de influência.

    Na verdade, a indústria Souza Cruz deveria colaborar com o Ministério da Saúde, de modo a auxiliar nos tratamentos e internações das vítimas do tabagismo. Teria, também, a opção de aliviar os pagamentos realizados pela Previdência, que concede benefícios aos que experimentaram a redução da capacidade laborativa, por força de doenças causadas pela nicotina.

    No Judiciário brasileiro, existem inúmeras demandas indenizatórias contra a Souza Cruz. São ações propostas por pessoas que se consideram vítimas do consumo de tabaco, como fumantes ativos ou passivos. Fora, como acima frisado, as ações acidentárias-previdenciárias pagas pelo Estado.

    Para os jurisdicionados, a participação da Souza Cruz será considerada um agrado à Justiça, a angariar simpatia de maneira a influir na decisão das causas. E isso a Justiça deve evitar, ainda que seus órgãos de poder (juízes) não considerem afetadas a imparcialidade e a independência. No caso há um conflito de interesses de ordem ética, que o secretário Renault, bem-intencionado, não conseguiu captar.

    Ao se aceitarem contribuições de empresas que fabricam e comercializam produtos que causam danos à saúde parece se desejar um fare bel viso a cattivo gioco, como se dizia no velho bairro paulistano do Bom Retiro, reduto de imigrantes italianos”. V

    O Poder Judiciário, no cumprimento de sua grandiosa missão constitucional de tutelar direitos ( CF , art. 5º , XXXV ) há de portar-se, no meio social, com eficiência e moralidade, independência e honradez, na oportuna e eficaz distribuição da Justiça (CF , art. 37 , caput), evitando, sempre, a receptação de “oferendas” financeiras do setor privado, ainda que se lhe apresentem com a máscara dos propósitos mais nobres e socialmente justificáveis, a não revelar a real intenção de “caridosos doadores”, no arranjado convívio com os operadores da Justiça.

    Essa postura ético-cultural do Poder Judiciário ( CF , art. 216 , incisos I e II ), pelo visto, encontra amparo na garantia constitucional da independência e harmonia entre os Poderes da União ( CF , art. 2º ), na força normativa dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (CF , art. 37 , caput ), de seu autogoverno na gestão administrativa e financeira ( CF , art. 99 , §§ 1º a 5 º) e, ainda, na vinculação constitucional à tutela cautelar do meio ambiente ecologicamente equilibrado, que há de ser defendido e preservado pela ação eficiente do Poder Público (inclusive do Poder Judiciário) e de toda coletividade, como bem difuso e de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida, para as presentes e futuras gerações (CF , art. 225 , caput).

    Nesse contexto, não há como se admitir qualquer ajuda, “benesse” ou doação de empresas privadas ao Poder Judiciário, fora das comportas orçamentárias, exclusivas do erário público, como quer e determina a Constituição da República, mormente de uma empresa, cuja atividade se afigura manifestamente atentatória à manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o seu uso coletivo ( Lei nº 6.938 , de 31 de agosto de 1981, art. 2º , I ), posto ser o concurso de poluição que daquela atividade doadora resulta totalmente prejudicial à saúde e ao bem-estar da população ( Lei nº 6.938 /81, art. 3º , III , a ).

    Desenganadamente, o almejado “Projeto Justiça Sem Papel” não deve envolver-se em parcerias espúrias, moralmente reprováveis e constitucionalmente repudiadas, a ponto de comprometer o bom nome, a moralidade e o grandioso “Papel da Justiça”, garantido e consagrado pelos comandos da legalidade e da Constituição da Republica Federativa do Brasil . VI

    Com estas considerações, defiro o pedido de efeito suspensivo, para determinar a suspensão da execução do projeto intitulado “Justiça Sem Papel”, a que alude o “Termo de Cooperação Técnica e Financeira”, questionado nos autos de origem, até o pronunciamento definitivo da Turma julgadora.

    Oficie-se, com urgência, via FAX e por ofício, ao Sr. Secretário de Reforma do Judiciário (Secretaria de Reforma do Judiciário – Ministério da Justiça) e aos Srs. Presidentes da Fundação Getúlio Vargas e da Souza Cruz S/A, para fins de ciência e imediato cumprimento deste decisum, dando-se ciência, também, ao douto juízo a quo.

    Intimem-se os agravados, nos termos e para as finalidades do art. 527 , V , do CPC , abrindo-se vistas, após, à douta Procuradoria Regional da República.

    Publique-se.

    Brasília-DF., em 12 de maio de 2005.

    Desembargador Federal SOUZA PRUDENTE

    Relator"

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